terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

História trágico-marítima (CXXVI)


O naufrágio do lugre-motor "Faial"

Este lugre passeou beleza e elegância nas águas do rio do Porto, onde com grande regularidade fazia armamento, entre as diversas viagens que efectuou na ligação entre o continente e as ilhas adjacentes. Navio que é visto em vários postais ilustrados do rio Douro, testemunha certamente as múltiplas ocasiões da descarga de peixe, que ia carregar na Terra Nova, para alguns dos principais importadores de bacalhau da cidade.

O lugre "Faial" - Imagem de autor desconhecido
Foto publicada na revista "The Motor Ship", Janeiro de 1932

Identificação do lugre-motor de 4 mastros “Faial”
Armador: Comp. Açoriana de Navegação Navio-Motor, Lda.
Nº Oficial: 956 - Iic.: H.F.A.I. - Porto de registo: Horta
Construtor: J. Smit & Zoon, Foxhol, Holanda, 09.1928
ex “Gier”, J. Salomons, Delfzijl, Holanda, 1928-1929
ex “Maria Palmira”, José Furtado Cardoso, 1929-1931
ex “Fayal”, José Furtado Cardoso, Horta, Faial, 1931-1933
Arqueação: Tab 573,25 tons - Tal 392,62 tons
Dimensões: Pp 49,48 mts - Boca 8,70 mts - Pontal 4,11 mts
Propulsão: Man, 1930 - 1:Di - 6:Ci - 500 Bhp - 10 m/h
Naufragou após encalhe em rochedos à entrada do porto na Ilha do Fogo, Terra Nova, em 4 de Setembro de 1935.

Entraram, ontem, na barra do Douro dois vapores
que trouxeram alguns náufragos do lugre-motor “Faial”,
encalhado na Ilha do Fogo, na Terra Nova
Vindos da Terra Nova, onde tinham ido buscar dois carregamentos de bacalhau, entraram, ontem, na barra do Douro, os vapores “Catalina” e “Ourem”, pertencentes à firma C.A. Moreira & Cª., da praça do Porto.
A bordo traziam alguns náufragos do lugre-motor “Faial”, que pertencendo à Companhia Açoreana de Navegação-Motor, Lda., saíra de Lisboa para o mar, em direcção a diversos portos da terra Nova, no dia 20 de Julho passado.
Movido por um motor de 500 H.P. e deslocando 573 toneladas brutas, o “Faial” levava um grande carregamento de sal, tendo a viagem decorrido normalmente até Burin, primeiro porto de escala, onde fundeou passados treze dias de viagem, ou seja no dia 2 de Agosto.
Percorreu depois, o “Faial”, alguns portos em serviço de cabotagem, saindo, no dia 3 de Setembro de S. John’s, às 21 horas, com apreciável carregamento de 120 toneladas de bacalhau seco. Dirigia-se à pequena Ilha do Fogo, também na Terra Nova, tendo a viagem decorrido como desde a sua partida de Lisboa.
Navegando normalmente, sem necessidade de forçar as caldeiras, o pequeno mas potente lugre-motor alcançou o porto de destino no dia imediato, ao fim da tarde.
Governava-o, para dar entrada na barra, o experimentado e velho piloto inglês William Kennedy. O grosso da tripulação, despreocupada e sem prever qualquer acidente, tanto mais que o mar estava calmo e o dia se apresentara claro – ocupava-se nos trabalhos internos.
Num dado momento o navio adornou, e, embatendo violentamente contra as pedras, encalhou, vencido, sem se saber como justificar a tragédia, que seria maior se o mar estivesse nesse momento impetuoso, como ali sucede muitas vezes.
Os tripulantes, em número de 16, acorreram, então, ao tombadilho, verificando, com mágoa, a situação do seu «querido» navio, como foi dito ontem, em conversa ligeira, e quase com lágrimas nos olhos, o 1º maquinista Mário Sanches.
Os tripulantes empregaram todos os esforços para o desencalhar, nada conseguindo. O “Faial” estava irremediavelmente perdido com um grande número de rombos e os porões inundados.
Lentamente foi-se submergindo, tendo sido abandonado pela tripulação perto das 8 horas da noite. Em seu auxílio acorreram cerca de 30 botes a motor, tendo alguns deles conduzido a terra os náufragos que com o seu navio perderam os seus haveres.
A Ilha do Fogo é uma pequena povoação de humildes pescadores. Os seus habitantes, em número de 700, vivem modestamente em casebres de madeira, sem higiene e sem conforto, tendo os náufragos de se recolher, como lhes foi possível nas diversas repartições públicas.
Só assim se justifica que dois oficiais maquinistas se sujeitassem ao conforto duma fraca enxovia, onde ficaram hospedados, com todo o rigor de prisioneiros, na cadeia da povoação.
Alguns dias depois o vapor inglês “Prospero” conduziu-os para S. John’s, onde ficaram hospedados, até que o “Catalina” e o “Ourém” trouxeram alguns deles para o Porto.
No vapor “Catalina” vieram sete tripulantes, sendo três maquinistas, um radio-telegrafista, dois marinheiros e o contra-mestre. No “Ourem” vieram quatro tripulantes sendo: um moço, dois marinheiros e um maquinista.
Os restantes em número de cinco, compreendendo o capitão, João de Paia, o imediato, Armindo Machado, o piloto, o cozinheiro e um criado, ficaram em S. John’s devendo regressar a Lisboa num paquete que faz escala por Liverpool.
Conta o 1º maquinista Mário Sanches, que alguns pescadores ingleses fizeram desaparecer as roupas que os tripulantes do “Faial” tinham salvado a custo – causando-lhes assim, uma situação deveras embaraçosa. O tripulante Mário Sanches tem, com este, o seu quarto naufrágio. O primeiro a bordo do vapor “Leça”, em 1916, e o segundo a bordo do vapor “Boavista”, em 1917, ambos em navios torpedeados no norte da França: o terceiro, quando seguia no rebocador “Tejo”, nos «Cavalos de Fão», em 1918: e quarto, o que foi agora assinalado, a bordo do “Faial”.
Os oficiais do “Faial” seguiram ontem mesmo para Lisboa no rápido da tarde.
Na Terra Nova, continuam a pescar muitos veleiros portugueses, tendo o capitão do “Catalina” comunicado com o “Neptuno”, da Parceria Geral de Pescarias, em 18 do mês passado. O “Neptuno” estava nesse momento, na latitude 48º40’N e longitude 52º45’O, tendo o seu capitão informado que a bordo estavam todos bem.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 10 de Outubro de 1935)

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