quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

História trágico-marítima (CLXXIX)


O naufrágio por encalhe do iate “Adelaide 3º”

Caracteristicas do iate “Adelaide 3º”
Indisponíveis nos anos de 1935-36 nas listas nacionais. Por exclusão de partes é provável que possa tratar-se do iate “Alentejo Primeiro”, que no ano de 1935 apresentava as seguintes características:

Nº Oficial: 690 - Iic: C.S.C.Z. - Porto de registo: Faro
Armadores: J. Ramos Jr. e D. S. Nunes, Odemira, 1931-1936
Construtor: Sebastião G. Amaro, Murraceira, F. Foz, 29.06.1919
ex “Nereida”, Soc. «A Industrial», Lda., F. Foz, 1919-1924
ex “Alentejo”, Soc. Santos & Neves, F. Foz, 1924-1929
ex “Alentejo Primeiro”, Pedro L. Neves, Lisboa, 1929-1931
Arqueação: Tab 87,30 tons - Tal 45,93 tons
Dimensões: Pp 26,20 mts - Boca 6,70 mts - Pontal 2,87 mts
Propulsão: 1:Me origem EUA - 3:Ci - 6 Bhp
Equipagem: 7 tripulantes

No passado dia 25 de Janeiro, à tarde, deu-se, em Peniche, o naufrágio do iate “Adelaide 3º”, da praça da Figueira, pertencente à firma Ferreira & Cª.
Apesar do pronto socorro prestado por duas traineiras, o iate, devido ao mar forte que fazia, foi de encontro à praia de banhos, onde se tem despedaçado a pouco e pouco.
A sua tripulação, composta por 7 homens, foi salva, mas o carregamento de cimento, que transportava, foi totalmente perdido.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 15 de Fevereiro de 1936)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

História trágico-marítima (CLXXVIII)


O afundamento do vapor “Cysne”

Vapor português torpedeado
A casa Glama & Marinho, da praça do Porto, recebeu notícia que o seu vapor “Cysne”, que seguira em 26 de Maio findo deste porto para Newport com um carregamento de toros de pinheiro, fôra torpedeado por um submarino alemão, entre o Cabo Finisterra e as ilhas Scilly, sendo afundado.
A equipagem composta pelo capitão sr. José Francisco Corujo e 14 tripulantes, foi salva por um navio francês que, a seu turno, a entregou no alto mar a um dos torpedeiros da flotilha francesa ali em vigilância, sendo depois desembarcada em Brest.
O “Cysne”, que era empregado na carreira entre o Porto e Lisboa, no transporte de mercadorias para África, estava seguro nas Companhias Ultramarina, Mundial e Comércio e Indústria.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 1 de Junho de 1915)

O torpedeamento do vapor “Cysne”
De Brest dizem que o capitão do vapor “Cysne” declara que a 65 milhas ao sul do cabo Newport fôra acossado por um submarino, do qual subiu a bordo um oficial falando francês, que apreendeu os víveres e algumas peças de máquina, dando ordem para em 5 minutos serem postos os botes no mar. Em seguida o navio foi metido a pique, por meio de dinamite.
Dois navios ingleses, dos quais um a vapor, foram pela mesma forma metidos a pique à vista do capitão e da sua gente, ignorando, porém, a sorte das tripulações.
De Brest dizem ainda que a tripulação do vapor “Cysne” saiu ante-ontem para o Porto.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 2 de Junho de 1915)

Características do vapor “Cysne”
1912-1915
Nº Oficial: A-125 - Iic: H.B.F.C. - Porto de registo: Porto
Armador: Glama & Marinho, Porto
Construtor: W.H. Potter & Sons, Ltd., Liverpool, 03.06.1879
ex “Whimbrel”, Cork Steam Shipping Co. Ltd., Cork, 1879-1897
ex “Whimbrel”, Sollas & Sons Co. Ltd., Cork, 1897-1902
ex “Whimbrel”, Garston Stem Shipping Ltd., Liverpool, 1902-1912
Arqueação: Tab 623,15 tons - Tal 380,13 tons
Dimensões: Pp 55,06 mts - Boca 8,35 mts - Pontal 4,20 mts
Propulsão: 1 motor compósito
Equipagem: 15 tripulantes
Capitães embarcados: José São Marcos (1912-1913) e José Francisco Corujo (1914-1915)

Ecos da guerra
Ainda o torpedeamento do vapor “Cysne”
A este respeito, escreve em data de ontem, o correspondente do jornal em Ílhavo:
Procedentes de Brest, chegaram aqui os nossos patrícios tripulantes do vapor “Cysne”, há pouco torpedeado nas costas de Inglaterra por um submarino alemão.
Contam eles que o submarino navegava com bandeira francesa, como disfarce, só a substituindo pela alemã, quando intimaram o capitão do “Cysne” a atravessar o navio.
Nem mesmo em face dos documentos de bordo que lhes foram apresentados quiseram respeitar a nacionalidade do navio, intimando os tripulantes a abandoná-lo no prazo de cinco minutos!
Estes assim fizeram, passando todos, em número de quinze, para um bote.
Em seguida, os alemães levaram do “Cysne” tudo o que lhes convinha, mantimentos, roupas, peças das máquinas, metais, sinos de alarme, etc., acabando por meter o vapor no fundo.
Enquanto o comandante do “Cysne” parlamentava com os alemães, os portugueses conseguiram salvar algumas coisas suas e uma porção de bolacha, que passaram para o bote. Mas a precipitação era tanta, que não se lembraram da água.
Remaram, por isso, em direcção ao submarino, pedindo que lhes dessem um barril de água com que matassem a sede. Foi-lhes negada terminantemente!
À mercê andaram os pobres náufragos durante doze horas, até que avistaram uma chalupa francesa, para a qual se dirigiram. Ali foram recolhidos juntando-se a mais cerca de 40 tripulantes ingleses de dois outros vapores, que o mesmo submarino afundara naquele dia.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 12 de Junho de 1915)

Comentário e conclusão:
1. Dúvidas, nenhuma!
2. Certezas, muitas. A informação relacionada com o ataque, que culminaria com o afundamento do vapor “Cysne” respeita com rigor os métodos ultrajantes utilizados por largo número das guarnições dos submarinos alemães, no contacto com as tripulações dos navios mercantes abordados, independentemente do facto de pertencerem ou não às nações em conflito.
Neste caso existe a confirmação da ocorrência de acto de guerra, perpetrado pelo submarino alemão U-41, classificado como unidade do tipo “VII-A”, quando este se encontrava sob o comando do capitão Claus Hansen, no dia 29 de Maio de 1915.
Confirma-se igualmente a presença em local próximo ao afundamento do vapor “Cysne”, dos vapores ingleses “Dixiana” e “Glenlee”, afundados no mesmo dia, pelo mesmo submarino, conforme se aprecia corretamente referido no texto.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

História trágico-marítima (CLXXVII)


O afundamento do lugre “Douro”

A guerra submarina
Navio português metido no fundo
Lisboa, 9 - Um navio português foi torpedeado e metido no fundo na costa de Inglaterra por um submarino alemão, sabendo-se apenas que se trata de uma escuna com o nome “Douro”, desconhecendo-se por enquanto a que praça pertence. A tripulação, como foi noticiado, desembarcou em Swansea e vai ser repatriada pelo nosso consulado em Cardiff.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 10 de Abril de 1915)

O lugre “Douro”
O lugre “Douro”, que saiu de Cardiff para o Porto em 31 de Março findo, pertencia à Parceria Marítima Douro, de que é gerente o sr. José Joaquim Gouveia, e empregava-se ordinariamente na pesca do bacalhau.
Foi por mero acidente que o navio empreendera a sua última viagem, carregando em Viana do Castelo toros de pinheiro que transportou para aquele porto inglês, de onde trazia um carregamento de carvão, na importância avaliada em 3 a 4 contos de reis, consignado à casa Vareta & Comandita.
O sr. José Joaquim Gouveia recebeu até esta data, apenas dois telegramas em que era noticiado o naufrágio do navio e a salvação da tripulação desembarcada em Swansea, onde espera embarcar para voltar ao Porto.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 11 de Abril de 1915)

Características do lugre “Douro”
Nº Oficial: A-165 - Iic: H.F.M.G. - Porto de registo: Porto
Armador: Parceria Marítima “Douro”, Porto
Construtor: António Dias dos Santos, Fão, 10.10.1911
Arqueação: Tab 248,08 tons - Tal 168,13 tons
Dimensões: Pp 37,70 mts - Boca 8,55 mts - Pontal 3,68 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 9 tripulantes
Capitães embarcados: Vitorino Fernandes Mano (1912), António Gonçalves Vilão (1913 e 1914) e José São Marcos (1915)

O lugre “Douro
Conta, na sua linguagem pitoresca, o capitão do lugre
“Douro” como o navio foi torpedeado pelos alemães.
Uma noite tormentosa sobre as águas do canal de Bristol
O capitão São Marcos
O lugre “Douro”, que foi ao fundo no canal de Bristol, torpedeado por um submarino alemão, era um navio pequeno, português, navegando sobre as vagas alterosas do mar…
Um torpedo traiçoeiro atingiu-o no seu costado e em pouco tempo a frágil embarcação submergia-se, salvando-se a custo a sua tripulação.
Os nossos corações estremeceram com esse sentimento de solidariedade que une todos os filhos da mesma pátria, habituados à mesma doce língua, a embriagarem os olhos com o mesmo sol e a beleza do mesmo céu azul.
Era um sentimento de receio, de piedade, de horror por esses portugueses perdidos ao longe, no meio das vagas, pensando talvez na aldeia florida, na velhinha que os espera, desfiando pelos seus dedos trémulos o rosário de contas grossas.
Pois ontem, tivemos uma agradável surpresa. Entra-nos, no momento febril desta lufa-lufa de jornal, desta viva grilheta de todas as horas, pela redação dentro, o sr. José São Marcos, capitão do lugre “Douro”, do navio português torpedeado. Figura simpática, de fisionomia bronzeada de homem que nasceu embalado ao ritmo suave e cadente das ondas, o capitão São Marcos conta-nos, na sua linguagem pitoresca de marítimo, que por vezes tem o som gutural do grito rouco das gaivotas, a sua odisseia, que escutamos enternecidos.

O lugre “Douro” - Como foi torpedeado
Foi no dia 3 de Abril à saída do canal de Bristol, pelas 3 horas da tarde, que o lugre “Douro” foi torpedeado por um submarino alemão. Vinham navegando com um carregamento completo de carvão de pedra, com destino para o Porto. A viagem era feita com bom tempo. Pedaços de azul apareciam por vezes, de entre os rasgões das nuvens. Um vento fresco fazia inchar as velas pardas. E as vagas embalavam docemente o navio, esbelto nas suas linhas de ave, correndo sobre a superfície espelhada do mar.
Súbito, quando o navio navegava pela latitude 50º51’ norte e longitude 6º34’ oeste, a gente de bordo ouviu uma forte explosão, seguida de um choque violento por bombordo, acompanhado por um enorme jacto de água. O primeiro momento foi de pasmo. Todos ficaram suspensos, interrogando-se ansiosamente. O capitão compreendera imediatamente que o navio fôra torpedeado. Ainda chegou a ver o dorso negro do monstro submarino que se afastava lentamente, fazendo espadanar a água com a sua hélice.
Fôra um momento angustioso aquele diz-nos o capitão São Marcos. Não havia um minuto a perder. A tripulação foi posta às bombas, procurando extinguir a água que entrava valentemente por um rombo feito a bombordo abaixo da marca do seguro. Duas tábuas tinham sido arrancadas pelo efeito da explosão. Durante uma hora fizeram esforços sobre-humanos.
Na imensidade do horizonte nenhum navio se via que pudesse socorrê-los. Era a morte diante dos olhos, naquelas vagas que momentos antes embalavam docemente com brandas carícias o costado do navio agora ferido como uma ave que o tiro de um caçador detém no seu voo rápido.
Quem lhes acudiria? Quem se importaria ali da sua mesquinha situação e da prece que os seus lábios elevavam para o azul luminoso do céu?

O abandono do navio - Horas de angústia
Vendo que não podia salvar o navio, o capitão ordenou então à tripulação, uns 9 homens, que o abandonassem, saltando para uma balieira de bordo.
Assim o fizeram, não sem que o último olhar fosse para o barco que no meio das águas desaparecia lentamente, tendo a tremular no topo do mastro grande a bandeira que parecia despedir-se deles, dizer-lhes ainda adeus! Içaram então a vela cerca das 5 horas da tarde do mesmo dia, seguindo derrota como o rumo este-nordeste, navegando à mercê do mar e do vento, enquanto eles alongavam pelo mar a vista na esperança de descobrirem ao longe o fumo de um vapor, a vela de um navio que representasse a salvação. Às 9 horas da noite avistaram enfim um vapor.
- Como o coração, diz-nos, ainda com a voz tremula o capitão do lugre “Douro”, se alvoroçou de contentamento, enquanto as suas mãos se erguiam fazendo sinais de socorro! O vapor, porém, afastou-se e eles voltaram a sentir a angústia atroz do isolamento, ali sozinhos, sobre as ondas do mar imenso, soturno, vendo fugir-lhes a esperança de salvação com a noite que se aproximava.

O salvamento – Até Swansea
A volta para a Pátria
Continuaram assim sob a chuva e cerração que caíra sobre o mar, molhados, cheios de fome e frio, quase mortos de fadiga, até que às 3 horas do outro dia avistaram a barca “Helwich”, que os recolheu, passando-os depois para o vapor “Tudval”, que os transportou para Swansea, onde chegaram às 10 horas da noite do dia 4. Estavam salvos! O contentamento daquela pobre gente!
E o capitão José São Marcos, estendendo-nos a sua larga mão de homem do mar, despediu-se referindo-nos a viagem de volta dos seus marinheiros na barca “Felisbela” e a sua a bordo do vapor norueguês “Naagall”, para este porto onde, chegou ontem.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 24 de Abril de 1915)

Comentário e conclusão:
1. Certezas - Infelizmente poucas porque não se entende a explicação do capitão São Marcos relativamente ao ataque do submarino, face ao conhecimento da forma utilizada pelos alemães para afundarem os navios construídos em madeira.
A realidade permite colocar na área do afundamento do navio o submarino UC-24, mas no diário de bordo do submersível, correspondente à data em questão, não consta qualquer referência ao ataque.
Não se percebe também qual seria o motivo que levaria os oficiais do submarino a não identificar o lugre português, recolher os documentos do navio e o manifesto de carga, já que na ocasião Portugal não era um dos países beligerantes, ainda que isso possa ser considerado irrelevante, como ficaria comprovado em data próxima com o ataque e afundamento do vapor “Cysne”.
2. Dúvidas - Com efeito, algumas! Passo a citar: «a gente de bordo ouviu uma forte explosão, seguida de um choque violento por bombordo, acompanhado por um enorme jacto de água.» e «O capitão compreendera imediatamente que o navio fôra torpedeado. Ainda chegou a ver o dorso negro do monstro submarino que se afastava lentamente, fazendo espadanar a água com a sua hélice.»
Porque o lugre "Douro" foi o primeiro caso de eventual agressão militar a um navio português na Iª Grande Guerra, o capitão São Marcos não devia imaginar duas circunstâncias fundamentais; primeiro, os alemães não utilizavam torpedos para afundar navios com cascos de madeira, porque os guardavam para navios maiores e mais resistentes e segundo, o efeito da detonação de um torpedo num casco de madeira teria deixado o lugre de tal forma depauperado, que inevitavelmente causaria vitimas, senão mesmo de toda a tripulação, caso a sorte ou o acaso não viesse a permitir a possibilidade do recurso à balieira, que foi usada para o salvamento após o naufrágio.
Depois há ainda a confirmação de ter sido visto o submarino afastando-se lentamente, a espadanar a água com a sua hélice. Esta é outra circunstância pouco plausível porque, volto a citar: «A viagem era feita com bom tempo.»
Apesar das explicações dadas pelo capitão José São Marcos, que se apresentam fora de contexto, poderia ainda supor que o lugre “Douro” pudesse ter sido canhoneado e atingido por uma ou outra granada, porque o dano verificado a bordo consistia, e cito novamente: «Duas tábuas tinham sido arrancadas pelo efeito da explosão.», mas também nesta situação revela-se improvável a tripulação do lugre não se ter apercebido dos disparos, desde o contacto inicial para, como era hábito, ficaram sujeitos à imediata paralisação do navio.
Todas estas indicações analisadas decorridos mais de 100 anos sobre o afundamento do lugre “Douro”, muito provavelmente em completa contradição ao protesto de mar apresentado pelo capitão São Marcos, devidamente avalisado pela tripulação, dão-lhe o direito de veracidade perante a lei, mas simultaneamente abrem uma janela de oportunidade para a ocultação dos factos, omitindo a realidade e confundindo o grande valor histórico da presença portuguesa no mar, nesse período.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Males de ontem, males de sempre!


Ecos da guerra...

Aprisionamento de uma barca portuguesa
Em frente a Lagos, um cruzador inglês, que andava cruzando ao longo do litoral, aprisionou a barca portuguesa “Laura”, da casa Herold, por ter suspeitado que a mesma embarcação baldeava mantimentos para bordo dos navios alemães.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 10 de Junho de 1915)

Ainda o apresamento da barca “Laura”
Lisboa, 10 - O apresamento da barca “Laura” fez-se por denúncia feita ao governo inglês de que essa embarcação fornecia gasolina aos submarinos alemães, que conseguiram penetrar no Atlântico. A barca “Laura” fazia viagens entre Odemira, Silves e Lisboa. Foi conduzida para Gibraltar pelo cruzador que a apreendeu.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 11 de Junho de 1915)

Foto do crusador "Pelorus", citado no texto
Imagem da Photoship.Uk

Características da barca-motor “Laura”
Nº Oficial: 421-C - Iic: H.G.W.J. - Porto de registo: Lisboa
Armador: Jorge António Olhão Jerosch Herold, Lisboa
Construtor: (Não identificado), Kiel, Alemanha, 1914
Arqueação: Tab 197,74 tons - Tal 127,64 tons
Dimensões: Pp 33,00 mts - Boca 6,06 mts - Pontal 2,69 mts
Equipagem: 9 tripulantes

O apresamento da barca “Laura”
Sr. Redator:
Permita-me V.S.ª que, a propósito das notícias publicadas no seu acreditado jornal sobre o vapor “Laura”, que foi apresado pelo cruzador inglês “Pelorus”, no porto de Lagos, no dia 7 do corrente, eu venha dirigir-me na qualidade de proprietário do referido navio, expondo a verdade de todos os factos, que é a seguinte:
O “Laura” é minha propriedade, e está matriculado no porto de Lisboa. Sou cidadão português, pois nasci em Lisboa, e estou na plenitude de todos os meus direitos, tendo ressalva definitiva do serviço militar, com a data de 30 de Outubro de 1900, e não português naturalizado, como indevidamente se referiu.
O vapor “Laura” é comandado pelo capitão português Raul da Cunha e Silva.
O “Laura” saiu de Lisboa em 5 de Junho corrente, com destino a Sines, Portimão e Lagos, tendo um carregamento de carga vária para aqueles portos, conforme consta dos respectivos despachos da Alfândega de Lisboa, e, portanto dentro de todas as normas legais, que me prezo de sempre observar e manter.
No dia 6 do corrente, o “Laura” chegou a Sines, descarregou e recebeu carregamento, seguindo para Portimão, onde também descarregou 110 fardos de cortiça; e, deste porto seguiu para Lagos, onde chegou no dia 7 do corrente, às 11 horas da manhã.
Ao meio dia e meia hora, depois da visita da Alfândega, chegou ao porto de Lagos o cruzador inglês “Pelorus”, que imediatamente mandou seguir o “Laura” para Gibraltar.
Ao concluir, apenas direi a V.S.ª que a suspeita, levantada por alguém, de que o “Laura” tinha a missão de abastecer submarinos alemães nos mares do Atlântico, é simplesmente caluniosa.
O meu navio, como são testemunhas a sua tripulação actual e o sr. João Baptista Horta, que também já foi seu capitão, nunca se ocupou senão do negócio de cabotagem entre os portos do continente português, no desempenho dos seus legítimos direitos.
São estes os factos; e em homenagem à verdade, espero dever a V.S.ª a fineza de lhes dar publicidade no seu conceituado jornal, o que antecipadamente agradeço, subscrevendo-me com toda a estima.
Lisboa, 11 de Junho de 1915
De V.S.ª etc., (a) Jorge António Olhão Jerosch Herold
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 13 de Junho de 1915)

O vapor “Laura”
Lisboa 12 - Está já em Lagos o vapor “Laura”, há pouco aprisionado por um cruzador inglês, como referido e entretanto noticiado.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 13 de Junho de 1915)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

História trágico-marítima (CLXXVI)


O naufrágio do vapor “Sagres”

Continuando a dar visibilidade às páginas da revista Ilustração Portuguesa, avanço com nova história relacionada com as imagens e textos sobre naufrágios nela reproduzidos, coincidentes com episódios vividos durante o período da Iª Grande Guerra Mundial.
A opção desta feita concerne ao afundamento do vapor “Sagres”, que para melhor interpretar a ocorrência, obrigou-nos à leitura de um conjunto de notícias que vieram a público numa fase posterior, permitindo aquilatar do drama que resultou deste acto de guerra.
Na realidade, partindo da presunção que parte das informações publicadas apontam no sentido da existência de 46 tripulantes desaparecidos, e por conseguinte mortos aquando da explosão da mina, ou minas, que destruíram o navio, as notícias posteriores esclarecem que a equipagem era composta por 42 tripulantes, tendo-se salvo apenas seis, cujos nomes estão indicados pelo cônsul português em Marselha.
O que era ignorado por ausência de informação fidedigna, é que o navio transportava igualmente uma força militar composta por 106 soldados, dos quais apenas sobreviveram 9, presumivelmente de origem francesa e igualmente desembarcados em França. Isto para não mencionar também a presença a bordo de 320 cavalos.
Em função destes números é de admitir que o naufrágio do vapor “Sagres” possa representar a maior tragédia vivida por um navio com tripulação nacional nessa guerra, a que se juntam os diversos militares vitimados e que seguiam destacados com destino a Salónica.


Características do vapor “Sagres”
1916-1917
Nº Oficial: N/s - Iic: H.S.A.G. - Porto de registo: Lisboa
Armador: Transportes Marítimos do Estado, Lisboa
Construtor: Neptun Schiffswerft A.G., Rostock, Junho de 1911
ex “Taygetos”, Deutsche Levant Line, Hamburgo, 1911-1916
Arqueação: Tab 2.986,19 tons - Tal 1.816,59 tons
Dimensões: Pp 103,00 metros - Boca 14,70 metros
Propulsão: Neptun A.G., 1911 - 1:Te - 12 m/h
Equipagem: 42 tripulantes

Para evitar uma eventual captura por forças navais dos países aliados o vapor alemão "Taygetos" amarrou em Lisboa em Agosto de 1914. Posteriormente foi requisitado pelo Governo Português, em 17 de Fevereiro de 1916, passando a integrar a frota de navios do Estado subjacente à designação de Comissão Administrativa dos Serviços de Transportes Marítimos, criada para o efeito através do Decreto Nº 2229.
O navio ainda no mesmo ano de 1916 entra em contrato de fretamento com o governo inglês, através da empresa Furness, Withy & Cª., que abre escritório em Lisboa, a fim de negociarem directamente sobre o aluguer dos vapores requisitados que se encontrassem disponíveis, depois de convenientemente reparados.
O valor diário acordado para esses fretamentos foi de 14 shillings e 3 pence, porém diversos vapores colocados ao serviço da Entente foram subalugados ao governo francês, para efectuarem viagens redondas com operação a partir de Marselha. Esses mesmos vapores receberam canhões de tiro rápido, para enfrentarem situações de confronto com unidades mercantes inimigas ou tentar repelir ataques de submarinos.
O navio perde-se após colisão com mina no Mar Mediterrâneo, ao largo de Cap Blanc, na Tunísia, em 16 de Abril de 1917.

Portugal e a guerra
Constou hoje que o antigo vapor alemão “Sagres”, que se encontrava ao serviço da Intendência francesa, foi afundado por torpedeamento no Mediterrâneo. A tripulação foi salva, recolhendo ao porto mais próximo do local do sinistro.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 25 de Abril de 1917)

Portugal e a guerra
A tripulação do “Sagres”
Nota oficiosa do Ministério da Marinha:
«Segundo informações recebidas no Ministério da Marinha, sabe-se que foi torpedeado por um submarino alemão, no dia 16 do último mês, o vapor “Sagres”, de 2.966 toneladas.»
«Desembarcaram em Marselha os seguintes tripulantes: A. Serra, contra-mestre; Adriano Vieira,  paioleiro; João Moura, despenseiro; José Lopes Pitta, Manoel Barreiros e José da Silva.»
«É desconhecido o paradeiro da restante tripulação.»
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 2 de Maio de 1917)

Os sobreviventes do “Sagres”
Tendo o governo telegrafado ao cônsul português em Marselha, perguntando quais os sobreviventes do vapor “Sagres”, há tempos torpedeado, aquela autoridade respondeu ontem, dizendo que os únicos sobreviventes são: Sebastião Alfarra, Adrião Vieira, João Lopes, João Moura, Manoel Barreiros e José Silva.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 10 de Maio de 1917)


Portugal e a guerra
A tripulação do “Sagres”
Da tripulação do “Sagres”, torpedeado no Mediterrâneo, apenas se salvaram seis pessoas. Hoje apresentaram-se quatro dos sobreviventes no Instituto de Socorros a Náufragos, onde lhes foram abonadas passagens para as terras das suas naturalidades e um subsídio.

Como foi dito, dos 42 tripulantes do vapor “Sagres”, apenas se salvaram seis, e estes porque estavam no convés. Quando sentiram a explosão do torpedo que partiu o navio ao meio, afundando-o em 4 minutos, só tiveram tempo de deitar ao mar uma embarcação, onde se salvaram, manobra essa feita por quatro dos sobreviventes, porque os outros dois foram, projectados pela borda fora, sendo recolhidos no mar pelos seus companheiros.
O navio ia de Marselha para Salónica, com escala por Bizerta. Para este porto levava mil e tantas malas do correio e para Salónica 106 soldados e 320 cavalos, canhões de pequeno e grande calibre e grande quantidade de munições, indo tudo para o fundo. Dos 106 soldados apenas se salvaram 9.
O torpedeamento deu-se no dia 16 de Abril último, às 10 horas da noite. O mesmo submarino meteu a seguir no fundo mais dois navios ingleses, sendo um deles o vapor “Lanfranc”.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 16 de Maio de 1917)

sábado, 9 de janeiro de 2016

Pesca do bacalhau


Novidades do passado!
Desenhos relacionados com a campanha de 1903


Tendo como base uma página da revista Ilustração Portuguesa, com data de 23 de Maio de 1904, sobre a pesca do bacalhau, certamente relacionada com a campanha do ano anterior, sinto-me em estado de encantamento por força das gravuras excelentemente desenhadas por J. Cabral, revelando-se exímio na apresentação do seu trabalho.
Ali encontramos reproduzidas com hábil rigor toda a sequência da actividade piscatória, desde o processo de captura do peixe, até à fase final que inclui a respectiva secagem, para comercialização.
Do que as gravuras nos permitem analizar, tendo como base instalações sediadas no Seixal, parece ser óbvio tratar-se dos meios disponíveis em uso pela Parceria Geral de Pescarias, no início do processo de liberalização da pesca na Terra Nova, oficializado pela legislação promulgada pelo governo da nação, em vigor desde 1902.
No texto apresentado, cuja essência evidencia o regular funcionamento do trabalho utilizado durante os cerca de 55 anos que compreendem o período denominado por pesca à linha, no século XX, alerta igualmente para uma situação eventualmente ignorada, ou mal conhecida, relacionada com a dificuldade dos armadores dos navios garantirem a possibilidade de obterem um contrato de seguro, com as companhias seguradoras, motivo pelo qual diversas empresas podem ter tido a necessidade de declarar falencia, a cada vez que um navio sossobrava, sob a violencia de grandes temporais, demasiadamente comuns na zona de pesca.