quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

História trágico-marítima (CXXIV)


O desastre do brigue “Conde”

No Domingo chegaram a Lisboa, vindos de Liverpool, os dois únicos tripulantes, que escaparam ao desastre acontecido ao brigue português “Conde”, que foi encontrado abandonado pelo vapor inglês “City of Nankin” (Smith & Sons, Glasgow – 1859/986), a 240 milhas ao mar da ilha da Madeira.
Os dois tripulantes salvos contam o desastre da forma seguinte, segundo consta no jornal «Opinião»:
«Na noite de 3 de Outubro, debaixo de um forte temporal achava-se o navio na altura de 36º latitude e 19º longitude, quando, governando o leme o capitão, e estando toda a companha à popa, por causa de uma manobra que ia ser feita, começou o mar em forte rebentação, que galgava pela tolda. Tendo alguma água entrado para a câmara, onde havia sacas de açúcar, o capitão mandou o seu irmão e outro marinheiro abaixo fechar as escotilhas, para que aquela parte da carga não se danificasse.»
Quando os dois tripulantes estavam já na câmara, ouviram um bradar – estamos perdidos! – e correndo acima, viram a tolda deserta, o leme partido, e parte da amura feita em pedaços. Uma vaga furiosa, galgando o navio, arrebatara todos os tripulantes, excepto os dois. Quiseram estes ainda deitar escaleres ao mar, mas dois homens sós, não o puderam fazer, e demais a mais em noite escura e tenebrosa, sem saberem para que ponto tinham sido arremessados os infelizes. Que remédio senão abandoná-los à sua triste sorte! Foram todos devorados pelas vagas!
No dia seguinte os dois que escaparam do desastre, achando-se em circunstâncias de não poderem dar governo ao navio, e avistando ao longe a escuna inglesa “Hwitfeld” (?), que navegava de Demerara para Liverpool, pediram socorro, passaram as bagagens dos marinheiros afogados para bordo da escuna e abandonaram o brigue.
«A escuna inglesa ainda tentou dar um reboque ao brigue, mas não o pôde fazer em consequência da sua pequena tonelagem. Passar a guarnição para o “Conde” seria demasiado arriscado, pois o brigue estava sem leme, e a escuna tinha quatro tripulantes doentes».
(In jornal “Comércio do Porto”, segunda, 18 de Novembro 1861)

Imagem representando um brigue ancorado, de
autor não identificado, sem correspondência ao texto

Identificação do brigue “Conde”
Armador: Manuel José do Conde, Salvador, Brasil
Construtor: Desconhecido, Lisboa, 1857
Arqueação: Tab 201,00 tons.
Dimensões: Desconhecidas
Propulsão: À vela

Manuel José do Conde, Guadalupe (Ilha Graciosa), 5 de Abril de 1817 - Londres, 6 de Junho de 1897, primeiro e único visconde do Rosário, foi um emigrante açoriano, oriundo da ilha Graciosa, que enriqueceu no Brasil. Tendo começado a vida como padeiro em Salvador (Bahia), conseguiu criar um grande empório comercial que se traduziu numa grande fortuna. Elevado a visconde do Rosário em 1875, acabou por se fixar em Lisboa, onde se ligou às melhores famílias da aristocracia portuguesa. Nunca esqueceu as suas origens, sendo um dos grandes beneméritos da ilha Graciosa, contribuindo generosamente para a Santa Casa da Misericórdia de Santa Cruz e construindo e equipando, à sua custa, uma escola no seu lugar natal da Vitória, Guadalupe, a cujo professor pagava. (Wikipedia)
O naufrágio do brigue “Conde”
Pelo ministério dos negócios estrangeiros foi publicada para conhecimento de quem convier a seguinte parte do ofício em que o encarregado do consulado de Portugal em Liverpool dá circunstanciada conta do abandono do brigue “Conde”, que vinha da Bahia para o Porto:
«No dia 21 do corrente mês apresentou-se neste consulado o capitão J.O. Johansen, do brigue norueguês “R. Wold & Huitfeldt” (?), vindo de Lagos (costa ocidental de África), e o consignatário do mesmo navio, Mr. Foyn, negociante norueguês na praça de Liverpool, dando o capitão parte de ter encontrado no dia 4 de Outubro, na latitude 36º e longitude 19º, o brigue português “Conde”, sem leme, etc., tendo a bordo só dois homens, os quais ele tomara, assim como os papeis do navio, três baús com roupa, etc., pertencentes ao capitão e piloto, um cronómetro e mais alguns objectos. Também salvou trezentos couros, pouco mais ou menos, e duas velas, não podendo tripular o navio por achar-se quase toda a sua gente com febre. Mandei logo tomar conta dos dois marinheiros, e informando-me deles do acontecido, soube que do brigue português “Conde” é proprietário Manoel José do Conde, residente na Bahia (Brasil), de onde saíra no dia 17 de Agosto passado com destino ao Porto e escala por Lisboa, trazendo a seguinte carga segundo o manifesto:
201 caixas com açúcar; 432 caixas e 6 barricas também com açúcar, 2.979 couros secos e salgados; e 11 pessoas de tripulação.
Achando-se os dois marinheiros na câmara do navio, para objecto de serviço, ouviram gritar e correram logo ao convés, porém, infelizmente, já não encontraram pessoa alguma. Um grande golpe de mar tinha varrido tudo do mesmo; e assim faleceram nove pessoas, inclusive o capitão.
Os seus nomes são os seguintes, tirados da matrícula do navio: Capitão, José Riquezo, S. Martinho do Porto, 32 anos, casado, filho de António Riquezo; Piloto, Manoel Pereira Setieiro, S. Martinho do Porto, 47 anos, casado, filho de José Pereira Setieiro; marinheiro, Joaquim Pereira, Venda dos Frades, 33 anos, casado, filho de António Pereira: marinheiro, José Rocha, Alfeizerão, 23 anos, casado, filho de António Rocha; moço, João da Silva, Alfeizerão, 20 anos, solteiro, filho de Joaquim da Silva; moço, José Daniel, Ericeira, 20 anos, solteiro, filho de Francisco Vicente; moço, Victorino Pereira, Alfeizerão, 21 anos, solteiro, filho de Paulino Pereira; moço Joaquim Riquezo, Famalicão, 20 anos, solteiro, filho de Joaquim Riquezo; e moço, Constantino Nunes, Salir do Porto, 20 anos, solteiro, filho de António Nunes.
Sendo os que se salvaram: Cozinheiro, Anacleto Francisco de Sales, Cascais, 26 anos, solteiro; e o despenseiro Manoel Riquezo, S. Martinho do Porto, 30 anos, casado. Este último irmão do capitão».
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 26 de Novembro de 1861)

1 comentário:

Manuel Bettencourt disse...

Super interessante! Gostei de ver aqui o nome da minha pequenita ilha, obrigado!

Um grande Abraço