sexta-feira, 29 de junho de 2012

Quebra-cabeças (V)


O iate "Resolvido"


Tendo como suporte de imagem o ex-voto correspondente ao naufrágio do navio, - tal como os anteriores apresentados no blog, pertença do espólio em poder da Paróquia de São Salvador de Ílhavo -, que teve lugar em local não identificado, no dia 5 de Janeiro de 1888, algures próximo ao litoral sul da costa portuguesa, é como outros iates ainda em estudo de difícil identificação, por não se encontrar registado nas páginas das principais empresas classificadoras. Pode-se igualmente supor, em função de notícias entretanto encontradas, que o navio tenha sido mandado construir em Vila do Conde, cerca de 1876 ou 1877, para Marcelino & Cª., do Porto e José Maria Urbano de Figueiredo, de Vila do Conde, ficando matriculado no Porto, para o trafego de cabotagem, muito embora iates da mesma dimensão tenham viajado até ao Brasil. Por outro lado, está confirmado também através de notícia publicada nos jornais, que o navio foi adquirido pelo sr. António Fernandes Teixeira, em 1877, no Porto e, da mesma forma, consta na lista de navios nacionais de 1882, com o Indicativo Internacional H.F.B.J., estar registado no porto de Aveiro e pertencer à classe de navios arqueados em 104,000 metros cúbicos. As notícias publicadas nos jornais, acima referidas são as seguintes:
Arrematação do iate “Resolvido”
No dia 7 do próximo mês de Maio, palas 11 horas da manhã, no Tribunal do Comércio do Porto, a requerimento dos seus proprietários será arrematado o iate “Resolvido”, de 104 metros cúbicos de registo, o qual vai ser adjudicado a quem mais por ele oferecer. O iate está ancorado junto da lingueta, que está em frente dos armazéns da alfândega de Massarelos, onde pode ser examinado; e o inventário no cartório do escrivão Lessa.
Porto, 27 de Abril de 1877 (2451)
(Comércio do Porto, Domingo, 29 de Abril de 1877)
Arrematação do iate “Resolvido”
No Tribunal do Comércio do Porto, foi ontem arrematado o iate “Resolvido” pelo sr. António Fernandes Teixeira. O preço de licitação foi de 1:182$000 réis.
(Comércio do Porto, terça-feira, 8 de Maio de 1877)
Iate “Resolvido” – Éditos de 30 dias
No dia 7 do corrente foi arrematado no Tribunal do Comércio o iate “Resolvido”, a requerimento dos seus proprietários, Marcelino & Cª., do Porto, e José Maria Urbano de Figueiredo, de Vila do Conde, pelo valor de 1:182$000 réis, cuja quantia se acha depositada na Nova Companhia Utilidade Pública; por isso são chamadas todas as pessoas, que se julguem credoras do referido iate, para que no prazo de 30 dias, a principiar nesta data, a apresentarem os seus créditos no cartório do escrivão Lessa.
Porto, 11 de Maio de 1877 (2873)
(Comércio do Porto, sexta-feira, 18 de Maio de 1877

Relativamente ao naufrágio representado na imagem do ex-voto, o mesmo explica-se por si, com o seguinte teor: - Hiate Rezulvido - Milagre que fes a imagem do Senhor Jesus, ao capitão Manoel Simões Vagos e à sua tripulação, no dia 3 quando cahio o contramestre ao mar às 11 horas da manhã. E no dia 4 é que dezalboramos às 11 horas da noite e no dia 5 é quando nos apareceu às 8 horas da manhã o vapor Villa Tarragona francês, procorando todos os meios para nos salvar i às 11 horas da manhã é que fomos salvos, em Janeiro de 1888.
O navio que procedeu ao resgate dos náufragos trata-se efectivamente do vapor francês “Ville de Tarragone”, com uma arqueação bruta de 1.546 toneladas, construído no estaleiro inglês de R. Thompson, sito em Southwick, em Dezembro de 1882, para a Compagnie Havraise Peninsulaire de Navegation à Vapeur, vulgarmente conhecida em Portugal como Linha Peninsular, já citada no blog, devido ao conflito de interesses com a Companhia Thétis, do Porto, face às disputas no valor dos fretes na ligação entre Portugal e a França. Este vapor perdeu-se por naufrágio devido a colisão, próximo à entrada do porto do Havre, a 13 de Novembro de 1907.
Uma última notícia subjacente ao naufrágio, com origem em Lisboa, no dia 6 de Janeiro, às 11 horas e 5 minutos da noite, faz constar ter saído um vapor da alfândega, para recolher alguns náufragos portugueses, transportados pelo vapor “Ville de Tarragone”, que para o efeito aguardava fora da barra do rio Tejo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Quebra-cabeças (IV)


O ex-voto da barca “Violeta”

Este é mais um dos ex-votos fotografados pelo dr. Hugo Cálão, que integram a colecção de imagens reunidas na Paróquia de São Salvador de Ílhavo. Está assinado por João Cazaux, e encontra-se legendado com a frase «Offerecido ao Senhor Jesus dos Navegantes pelos tripulantes da barca “Violeta” – 22.09.1900.
Confirmado 1900 como o ano do naufrágio, e muito provavelmente na data atrás referida, a imagem reproduz o episódio do sinistro, que teve lugar próximo à costa numa das ilhas, ainda não determinada, do arquipélago de Cabo Verde, por motivo de colisão com um casco de navio afundado.


A barca “Violeta” era um navio de longo curso, com casco de ferro, construída em Glasgow, na Escócia, durante o ano de 1869. Navegou com a bandeira inglesa, tendo sido baptizada “Kildonan”, até à compra pelo armador portuense sr. J.T. Costa Basto, que a rebaptizou em português, alterando-lhe a matrícula para a praça do Porto. Tinha uma arqueação que rondava as 650 toneladas e o seu capitão, que provavelmente estava a bordo à data do naufrágio, era o sr. José de Oliveira da Velha. Daí se depreende que a tripulação, parcial ou totalmente tinha origem em Ílhavo, tendo conseguido salvar-se do naufrágio nas baleeiras do navio.

domingo, 10 de junho de 2012

Sinistro no Brasil


O naufrágio da barca “Margareth Wilkie”, na Paraíba

Hoje, dia de Portugal e das comunidades, viajo de regresso ao Brasil, país onde tenho encontrado um alargado número de naufrágios de navios portugueses, de tipo tão diverso e abrangente, que contempla desde pequenos iates até barcas de consideráveis dimensões. Desta feita vou aproveitar o relato de uma notícia publicada no “Jornal do Recife”, com data de 24 de Março de 1877, relativamente ao naufrágio de uma barca inglesa, cujos pormenores justificam a transcrição desta curiosíssima ocorrência marítima.

O vapor "Pirapama" (no seu aspecto inicial - 2 chaminés e velame)
Desenho de Luís Filipe Silva, 2010
Navio de cabotagem, da Companhia Pernambucana de Navegação Costeira, Recife, tinha uma arqueação bruta de 312 tons., com cerca de 50 metros de comprimento.

Pelo vapor “Pirapama”, entrado ontem no porto de Recife, procedente do norte, chegaram informações a respeito do naufrágio da barca inglesa “Margareth Wilkie”, sucesso que teve lugar nas Rocas, nas proximidades de Paraíba.
O sinistro deu-se às 7 horas da noite do dia 12 de Março. Ao meio-dia o navio achava-se em frente à ilha de Fernando de Noronha, navegando com vento bonançoso, e sete horas depois pegara pela popa a um dos cabeços dos recifes, que formam os escolhos chamados «Rocas», partindo-se-lhe o leme, abrindo água e metendo de proa. A tripulação reconhecendo não ser possível salvar o navio, tratou de abandoná-lo e foi numa lancha e num bote ter ao porto de Macau, no Rio Grande do Norte, onde embarcou no “Pirapama” para a Paraíba. Três dias depois do naufrágio, no dia 15, passava à vista do navio encalhado o patacho alemão “Adonis”, em viagem de Bremen para Acarajú, e no intuito de prestar serviço aos náufragos da barca, se ainda estivessem a bordo, foi um bote do “Adonis” tripulado por três homens e o piloto a bordo da “Margareth Wilkie”, onde não encontraram pessoa alguma, e somente galinhas e papagaios, que estavam a morrer de fome.
Destes últimos levaram alguns no bote e trataram de voltar para o seu navio. Era já tarde; o dia começou a extinguir-se e dentro em pouco viram-se eles envolvidos pela noite e a grande distância do patacho, que não lograram alcançar. Debalde, de bordo do patacho alemão faziam sinais com fogos; não havendo no bote qualquer artefacto para corresponder, possibilitando ao navio ir ao seu encontro, foram-se afastando um do outro cada vez mais, e quando o dia seguinte surgiu já não se avistaram. Se a noite se tinha passado numa ansiedade angustiosa, os raios do dia traziam uma certeza aterradora.
Estavam no meio do oceano, sem saber onde, sem víveres de espécie alguma e nem água para beber. Em tão crítica situação tomaram a resolução de navegar para o lado onde julgavam encontrar terra, e com algumas bandeiras que casualmente haviam posto no bote, armaram uma vela que os remos aguentavam. Dois dias e duas noites navegaram assim e felizmente foram ter ao porto de Caiçara (actualmente «Caiçara do Norte», RN), onde tomaram o vapor “Pirapama”, que os trouxe para o Recife.
Para mitigar a sede que os devorava, quando no mar, mataram os papagaios e sugaram-lhes o sangue. É de crer que o “Adonis”, a cujo bordo só ficou o capitão, um marinheiro e dois rapazitos, arribe também ao Recife ou possa ter arribado a outro porto, pois não pode continuar a sua derrota com tão pouca gente. Que angustia também não terão eles sofrido, pensando nos companheiros! Entretanto, força é confessar, houve grande negligência, quando aparelharam o bote para se deslocaram à barca, em não botarem nele uma lanterna e uma vasilha com água, pois mais de uma vez estes casos tem-se repetido, e se tivessem consigo os meios necessários não teriam passado pelos sofrimentos que experimentaram, podendo dar graças à Providencia divina não haverem sucumbido.
O carregamento da “Margareth Wilkie” foi feito por comerciantes do Recife e montava em cerca de 100:000$000 réis. Navio e carregamento, tal qual se acham, já foram vendidos em leilão, na capital do Rio Grande do Norte por conta do seguro, pela quantia de 220$000 réis. Segundo consta o arrematador viajou também no “Pirapama”, para alugar em Recife uma barcaça, para ir a bordo ver o que ainda poderia salvar.
(In jornal “O Comércio do Porto”, sábado, 14 de Abril de 1877)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Dia mundial dos Oceanos


O melhor do mar!...

Há seguramente muito que o mar tem para nos dar. Por opção, a primeira escolha é e será sempre peixe e quanto mais fresco melhor. Na eventualidade de rendição a uma segunda possibilidade, então aceito de bom grado uma ou duas latas de peixe em conserva, porque é uma indústria cujo preparo e qualidade nos produtos apresentados, coloca o país entre os lugares cimeiros a nível mundial.


Creio não existir dúvidas, quanto à importância que tiveram as muitas fábricas instaladas em Matosinhos, com principal incidência desde os primeiros anos do século XX, levando ao incremento da frota pesqueira, que por sua vez gerou o normal crescimento da cidade em termos de população e habitação. Já próximo do final do século, deu-se um movimento no sentido oposto, com o fecho ou falência de diversas fábricas e a deslocação de outras tantas para o sul, onde supostamente terão encontrado melhores meios e outras facilidades, que lhes permitiu assegurar a continuação de tão profícua actividade.
Obviamente, os recursos de pesca seguiram na mesma direcção, enquanto a cidade de Matosinhos, por motivos óbvios e por falta de alternativas, se aliava aos demais centros circunvizinhos, para se transformar num dormitório do Porto.
Essa diminuição de oferta, não alterou os meus hábitos alimentares, pois considero-me um razoável garfo no consumo de várias qualidades de peixe. Nessa conformidade, acrescento a minha fidelidade aos produtos em conserva, com origem em fábricas que se estendem desde a Póvoa até Espinho.
No entanto, ultimamente a minha seleção tem recaído sobre os produtos da marca Propeixe, de Matosinhos, que apresento através de uma montra diversificada, onde há muito por onde escolher. Adianto que o assunto de hoje, em forma de divulgação, não deve ser confundido com publicidade, refletindo tão-somente a vontade pessoal de dar a conhecer um leque muito bem apresentado de peixes cozinhados e embalados artesanalmente, entre os quais me permito sugerir os propostos acondicionados e conservados em azeite.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A vila de Azurara


Factos históricos

Imagem da praia de Azurara, foto do húngaro Zoltan Balogh,
vencedora do concurso "Foto Travel, 2010", promovido pelo
jornal Washington Post, retirada do sítio Surfer Today

3ª parte

Edificada em terreno acidentado e um pouco elevado junto ao rio Ave, na sua margem esquerda, Azurara desfruta uma posição muito aprazível e risonha. O Ave, que lhe beija os muros, Vila do Conde, que se ergue em frente, o oceano, que se dilata a pouca distancia, os viçosos campos que a cercam, e um extenso panorama de prados verdejantes, de arvoredos frondosos, de diferentes povoações a alvejarem entre perenes verdores, oferecem-lhe variadas perspectivas, qual delas a mais formosa.
Pertence Azurara à província do Minho, distrito administrativo e diocese do Porto, comarca e concelho de Vila do Conde. Dista do Porto 25 km para o norte e de Lisboa 335 km para o sul. Na época agora retratada está reduzida a 190 fogos com uns 760 moradores.
Tem uma única paróquia, da invocação de Santa Maria a Nova. É um grande e magnífico templo de arquitectura gótica, de três naves, divididas por esbelta arcaria, sustentada por grossas colunas de pedra. Tem de comprimento uns 50 metros e de largura uns 18. Na abóbada da capela-mor vêem-se esculpidas as armas reais e as esferas armilares, divisas de el-rei D. Manuel, que foi, como se disse, o fundador. Além da capela-mor tem sete altares.
No altar colateral da capela-mor, do lado do Evangelho, está uma imagem de Cristo, denominada «Ecce Homo», que é muito perfeita, e consta fora trazida de Inglaterra, no tempo em que Henrique VIII, tendo abjurado a religião católica, perseguia os seus ministros e mandava destruir as santas imagens.
A igreja da Misericórdia é um bom templo, e está situado na rua do Espírito Santo. Foi fundada no princípio do século XVI. Em 1516 já nela se achava estabelecida a confraria da Misericórdia. Tinha anexado um hospital que administrava. Há na povoação e nas suas cercanias várias ermidas, algumas de formação remota, e concorridas de romagens.
Na praça, que fica junto à rua principal, ergue-se um pelourinho, padrão que comemora a sua proeminência de outrora. Oito fontes e muitos poços abasteceram de água, durante largo tempo, os moradores.
São deliciosos os arrabaldes de Azurara, concorrendo a vizinhança do Ave, a multiplicidade das fontes e o bem cultivado dos campos para a beleza, frescura e amenidade das paisagens. Vê-se nela, a pouca distância de Azurara, o edifício do extinto convento de Nossa Senhora dos Anjos. Foi construído em tempos muito antigos, numa quinta que pertenceu aos templários, para habitação de religiosos de S. Francisco. Depois tomaram conta dela os frades claustrais, que o reedificaram. Em 1518, sendo provincial dos claustrais, adiante extintos, frei João de Chaves, foi cedido por este prelado, a instâncias de D. Jaime IV, duque de Bragança, aos frades capuchos piedosos, da província da Soledade, introduzidos no reino havia poucos anos. Por esta ocasião foi novamente reedificado pelo referido duque. Tinha junto uma bonita cerca, agora propriedade particular. O edifício do convento era pequeno; apenas tinha acomodações para 21 frades.
Era muito formosa a situação em que se achava, gozando-se das suas janelas dilatadas vistas de terras, de rio e de mar.
Os terrenos circunvizinhos são muito férteis, e produzem cereais, especialmente milho, legumes, vinho verde, frutas e linho. Havia neles criação de gado de diferentes espécies, e não eram faltos de caça. O rio e o mar fazem a terra farta de diversidade de peixes. A feira anual decorria a 5 de Agosto.
Pela proximidade que dista de Vila do Conde, desfruta a comunicação do caminho-de-ferro, que liga esta vila à cidade do Porto, e dos carros americanos que percorriam o espaço entre a mesma vila e a de Póvoa de Varzim.
Azurara foi berço de muitos homens, que se ilustraram nas armas, nas letras, no episcopado, no púlpito, no foro e no magistério. Nomearemos dentre estes frei Pedro Nunes da Costa, comendador de Malta; Gomes Eanes de Azurara, guarda-mor da torre do Tombo, autor de várias crónicas, falecido no reinado de D. Afonso V, e o dr. João Carneiro de Morais, chanceler-mor do reino.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A vila de Azurara


Factos históricos

Igreja de Santa Maria de Azurara - Imagem Wikipedia

2ª parte

Até meados do século XV a vila de Azurara e seus arrabaldes pertenciam à freguesia de S. Salvador, erecta no vizinho lugar de “Árvore”. O bispo do Porto, D. Luís Pires, desanexou-a desta freguesia no ano de 1457, erigindo na igreja paroquial de Azurara a sua antiga ermida em honra de «Nossa Senhora da Apresentação», melhor conhecida ou identificada como de «Santa Maria». Porém, a esta foi-lhe dado por pastor um vigário, e a paróquia de Árvore ficou-lhe o título de matriz e ao pároco o direito de apresentar o vigário daquela.
Em 1493 (1) o bispo da mesma diocese, D. João de Azevedo, com a aprovação do papa Alexandre VI, uniu ao cabido da sua sé a igreja paroquial de Azurara.
Resolvendo-se el-rei D. Manuel a ir em peregrinação a Santiago de Compostela (2), na Galiza, para onde partiu em Outubro de 1502, no seu regresso passou por Azurara, e vendo uma pobre ermida a servir de única paróquia a uma vila tão povoada e importante, prometeu aos moradores mandar-lhe edificar uma boa igreja. E não se demorou em cumprir a promessa com generosidade real.
Desde então foi crescendo e prosperando a vila de ano para ano, pelo desenvolvimento da agricultura e do comércio, e graças à via fluvial e a um porto de mar, que tinha perto dos seus muros. Em vez de fazer parte do concelho da Maia, viu-se elevada a cabeça do concelho e este composto de uma grande área, tirada ao da Maia e acrescentada com a freguesia de Vila do Conde.
Em 1623 contava Azurara e seus arrabaldes 1.808 habitantes (3).
Durou, porém, esta prosperidade somente até ao fim do século XVII. O aumento progressivo do comércio marítimo fez medrar e deu maior importância a Vila do Conde, situada mais vantajosamente, pois que se espalha nas águas do porto, que o Ave forma ao lançar-se no oceano.
Era nesse tempo menos obstruído de areias do que ao presente, recebia navios de muito maior lotação do que pode agora receber. Por conseguinte, Vila do Conde começou a aumentar progressivamente, atraindo a si algumas famílias nobres e muitos industriais de Azurara, que ali se foram estabelecer, de maneira que passado meio século a primeira contava o dobro dos fogos da segunda.
Vila do Conde foi criada cabeça do concelho, ao qual foi incorporada Azurara. Esta, despojada assim da sua proeminência e importância, percorreu um largo período de decadência, contrabalançada por algumas vantagens da sua situação e do seu solo, até que, nos nossos dias lhe trouxeram novas condições de prosperidade.
Foi senhor de Azurara D. Afonso Sancho, filho natural de el-rei D. Diniz. Dele passou para as freiras do convento de santa Clara, de Vila do conde, fundação sua. Mais tarde apossou-se a coroa deste senhorio, da qual fez ao diante doação aos marqueses de Vila Real. Por morte do último marquês, degolado, juntamente com seu filho, o duque de Caminha, e outros fidalgos, em 1641, na praça do Rossio, em Lisboa, por crime de conspiração contra el-rei D. João IV, aquele senhorio e todos os mais bens de suas casas foram confiscados para a coroa, e pouco tempo depois doados à casa do infantado, criada pelo dito soberano e extinta em 1883 pelo duque de Bragança, D. Pedro, regente do reino em nome de sua filha a rainha, senhora D. Maria II.
Por decreto de el-rei D. João VI, de 22 de Julho de 1820, foi nomeado visconde de Azurara João António Salter de Mendonça, que foi casado com D. Ana Rosa de Noronha Leme Cernache, senhora da formosa quinta e palácio do Freixo, sobre o Douro, próximo do Porto. Foi 2º visconde do mesmo titulo seu filho, Jorge Salter de Mendonça, que vendeu aquela propriedade, e que faleceu em 1872.
(1) Vide Catálogos dos Bispos do Porto, mandado publicar por D. Rodrigo da Cunha, 2ª parte, pág. 268.
(2) Quem duvidar desta peregrinação, que teve lugar na época referida, pode ver o que diz Damião de Góis na crónica do mesmo soberano, parte 1ª, capitulo 64, pág. 86.
(3) Vide o catálogo acima citado, 2ª parte, capitulo 44, pág. 399.

=== continua ===

domingo, 3 de junho de 2012

A vila de Azurara


Factos históricos

Tenho vindo a percorrer os caminhos da nossa história marítima, com imensa curiosidade e a constante preocupação de a cada dia que passa saber mais, cavar mais fundo no árduo percurso das rotas traçadas a ocidente. Nada disto é fácil, pelo facto do espólio marítimo ter desaparecido conjuntamente com a Casa da India, no dia 1 de Novembro de 1755, correspondente ao terramoto que assolou e destruiu parcialmente Lisboa.
Resta outro tipo de informação, que deve ser valorizado em função do interesse que mantemos em relação às primeiras zonas portuárias e de construção naval, quantas vezes negligenciadas, omitidas e esquecidas. É por esse motivo, que transcrevo um texto de I. de Vilhena Barbosa, que julgo merecer a publicação no blog, pela capacidade de dar a conhecer pormenores do nosso passado nortenho e simultaneamente informar elementos de consulta, de molde a que novos estudos ou pesquisas possam ter lugar, para uma melhor divulgação da nossa memória colectiva. No caso presente, a proposta foi e ainda é conhecer Azurara, junto ao Ave, nas terras de Vila do Conde.

Igreja Matriz de Azurara - Imagem Wikipédia

Iª parte

A origem desta povoação e os seus primeiros progressos estão ainda envolvidos nas trevas da remota antiguidade.
Dizem que por ocasião de se reconstruir, com mais largueza, a sua igreja matriz, nos princípios do século XVI, se descobrira um cipó e outras pedras romanas com seus lavores. Desta descoberta houve quem quisesse tirar argumento para demonstrar a existência, outrora, de uma cidade romana naquele lugar. Não achamos mencionado aquele facto por qualquer autor contemporâneo, não obstante ser uma época de florescência para as letras, e em que um distinto escritor se dedicou diligentemente ao estudo das antiguidades pátrias, coligindo em corpo de volume todos os monumentos epigráficos descobertos no reino, de que teve conhecimento (1).
Se com efeito ali existiu uma cidade romana, o seu nome e os seus anais jazem ocultos e ignorados sob o pó dos séculos. O que é certo, é que a povoação actual é muito anterior à fundação da monarquia portuguesa, e parece que não se viu a entrada triunfante dos povos setentrionais, que destruíram o império dos Césares, pelo menos teve princípio sob o ceptro dos reis suevos, pois que desse tempo datam as suas mais antigas memórias, embora escassas e confusas para a contextura da história.
O conde D. Henrique de Borgonha e sua mulher, a rainha D. Teresa, deram-lhe foral com muitos privilégios e o título de vila no ano de 1102 ou 1107. Esta proeminência é prova de que nesse tempo já era povoação importante e por conseguinte bastante antiga.
Em 1213 foi-lhe confirmado este foral por el-rei D. Sancho II, estando em Santarém; provavelmente por lhe ser contestado algum dos privilégios concedidos pelo conde D. Henrique, ou para lhe acrescentarem outros, pois que eram estas razões, quase sempre, que determinavam a confirmação dos antigos forais.
Variam as opiniões sobre a etimologia do seu reinado. O padre Carvalho na «Corografia Portuguesa», o padre Luís Cardoso no «Dicionário Geográfico» e ainda outros escritores pretendem que a vila tira o seu nome da pedra de ara da sua primeira igreja matriz, que por ser azul, cor que outrora era geralmente denominada «azur», dera origem a chamar à terra «Azur ara».
Por diferentes motivos, que por brevidade são omissos neste texto, esta opinião apesar de ter por si alguma plausibilidade, carece de fundamento bastante, não faltando argumentos para a contradizer.
Afigura-se possível ao sr. Pinho Leal, no seu mui curioso «Portugal, antigo e moderno», “que tivesse aqui havido alguma ara céltica (dólmen), cuja pedra fosse azul ou azulada e que desse o nome à povoação. Também não nos parece aceitável esta conjuntura, por não haver em toda a província pedra que não seja granito ou lousa. Como todos sabem esta é negra e exposta ao tempo toma a cor dos líquens, que sobre ela vegetam, menos a azul, que não se encontra em tais plantas parasitas. O granito ou enegrece, ou se cobre dos mesmos líquens.
Dizem outros escritores que o nome da vila proveio dos muitos azureiros, que em tempos muito remotos cresciam em torno dela e nos lugares mais próximos. Esta árvore é indígena no nosso país e conhecida dos botânicos com a denominação de «prunus lusitanica», e nas aldeias do Minho são chamadas mais comummente de «azurelines». É esta a etimologia que nos parece reunir maiores probabilidades; sobre tudo, se considerarmos que há no reino e nas ilhas adjacentes muitas povoações, que devem o seu nome a árvores ou arbustos que assombravam o solo, em que foram edificadas, ou que nasciam e se desenvolviam espontaneamente em torno dos seus muros. Citaremos em prova Azambujeira e Azambujal, Ameixoeira, Almagreira, Amial, Olivais (junto a Lisboa), Azinhal, Aveleira, Alecrineira (no Algarve), Abrunheira (cidade do Funchal, na ilha da Madeira) e muitas outras. Enfim, encontra-se a vila de que tratamos em várias escrituras antigas com os nomes de Zurara, Zureira e Azureira.
(1) André de Resende, no seu «Libri quatuor de antiquitatibus Lusitaniae»
=== continua ===