sábado, 22 de fevereiro de 2014

História trágico-marítima (CXXV)


O naufrágio do arrastão “Praia da Vitória”

Arrastão de pesca lateral construído em aço, em Inglaterra. O navio foi comprado aos armadores ingleses Woodbury Steam Fishing Co., Ltd., de Grimsby, pela Sociedade de Pesca Golfinho, de Lisboa, em 1925, passando a utilizar o nome “Golfinho”. Em 1929 esta sociedade vendeu o arrastão à Sociedade Marítima Trevo, Lda., também de Lisboa, pela quantia de 713.000$00 escudos, alterando-lhe o nome para “Maria Raquel Primeiro”. O navio dispunha de uma máquina de tríplice expansão, com três cilindros, com a potência de 560 Ihp, com uma caldeira de três fornalhas de chama invertida e uma pressão de 14 kgs./cm2 e um consumo de carvão de 8 tons/dia. Tinha um hélice de 4 pás e fazia 10 milhas/ hora de velocidade.
Era um navio com 2 mastros, proa direita, popa redonda com 1 pavimento e utilizava normalmente uma equipagem composta por 19 tripulantes. Em 1933 foi vendido a Artur Cília, que lhe renovou a matrícula na Capitania de Lisboa.

O arrastão "Praia da Vitória" ainda como "Lord Heneage"
Foto de autor desconhecido

No rio Tejo - Devido ao nevoeiro, dois barcos abalroaram um
com o outro, afundando-se um deles, mas salvando-se a tripulação.
Esta manhã (29.11.1935), no rio, devido ao nevoeiro, um barco de pesca foi embater com a proa de um navio de maior tonelagem, afundando-se pouco depois, salvando-se, embora a custo, a sua tripulação.
Pelas 8 horas e quinze minutos saiu da doca de Alcântara, com destino ao Cabo Branco, onde ia começar a sua faina na pesca, o vapor “Praia da Vitória”, sob o comando do sr. capitão Hugo de Almeida. Caía grande nevoeiro e o comandante a custo fazia as manobras e um quarto de hora depois, o barco de pesca guinava para Sul, sem que o capitão se apercebesse do perigo iminente em que se metera.
Um enorme estrondo provocou a bordo um grande alvoroço, ao mesmo tempo que a água, em grande quantidade, inundava os porões daquele vapor. Passados segundos de grande pânico, a tripulação apercebeu-se do sinistro. O “Praia da Vitória” fôra cair sobre a proa do vapor de carga “Maria Cristina”, da Companhia União Fabril, fundeado a meio do rio, e com a violência do embate sofreu um enorme rombo a meio navio.

Identificação do arrastão "Praia da Vitória"
Armador: Artur Cília, Lisboa, 1933-1935
Nº Oficial: 481-F - Iic.: C.S.H.X. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Cook, Welton & Gemmell, Beverley, 15.05.1909
Arqueação: Tab 336,26 tons - Tal 173,06 tons
Dimensões: Pp 42,43 mts - Boca 7,16 mts - Pontal 3,69 mts
Prop.: Amos & Smith, Hull - 1:Te - 3:Ci - 560 Ihp - 10 m/h

ex “Maria Raquel Primeiro”
Armador: Sociedade Marítima “Trevo”, Lda., Lisboa, 1929-1933
Nº Oficial: 407-F - Iic.: H.M.I.P. - Porto de registo: Lisboa
Arqueação: Tab 336,26 tons - Tal 173,06 tons
Dimensões: Pp 42,43 mts - Boca 7,16 mts - Pontal 3,69 mts

ex “Golfinho”
Armador: Sociedade de Pesca Golfinho, Lda., Lisboa, 1925-1929
Nº Oficial: 452-E - Iic.: H.G.L.F. - Porto de registo: Lisboa
Arqueação: Tab 336,26 tons - Tal 173,06 tons
Dimensões: Pp 42,43 mts - Boca 7,16 mts - Pontal 3,69 mts

ex “Lord Heneage”, Woodbury St. Fishing, Grimsby, 1909-1925
ex “Lord Heneage”, William Would, Grimsby
ex “Lord Heneage” Yorkshire Steam Fishing Co., Ltd., Hull
Nº Oficial: H-27 - Iic.: H.P.B.J. - Porto de registo: Grimsby
Arqueação: Tab 324,00 tons - Tal 125,00 tons
Dimensões: Pp 42,15 mts - Boca 7,16 - Pontal 3,69 mts

Pedidos socorros urgentes, acudiu prontamente o rebocador “Europa Primeiro”, da Parceria de Vapores Lisbonenses, que sob as ordens do respectivo mestre, Alfredo dos Santos Castro, se dirigiu para o cais da Shell. O “Europa Primeiro” passou um cabo ao “Praia da Vitória”, a fim de procurar rebocá-lo para o encalhar, visto o sinistro se ter dado a pouca distância de terra. Todo este trabalho foi feito quase por tacto, porque o nevoeiro era cerradíssimo, mas foram baldados todos os esforços. O barco de pesca sofrera importantes avarias e começava a afundar-se, tendo a tripulação passado para bordo do “Europa Primeiro”. Pouco depois, cerca de 30 minutos após o desastre, o “Praia da Vitória” afundava-se.

O vapor "Maria Cristina" da Soc. Geral, ancorado no rio Tejo
Fotografia de autor desconhecido

Identificação do vapor "Maria Cristina"
Armador: Sociedade Geral, Lisboa, 1922-1952
Nº Oficial: 392-E - Iic.: C.S.B.F. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Smith Brothers & Co., Middlesborough, 1920
Arqueação: Tab 3.010,49 tons - Tal 2.024,39 tons
Dimensões: Pp 101,88 mts - Boca 14,67 mts - Pontal 6,91 mts
Prop.: Smith Brothers & Co., 1:Te - 3:Ci - 1.378 Ihp - 10 m/h

O “Praia da Vitória” era um dos melhores barcos de pesca, deslocava 365 toneladas e tinha sido construído em 1909, nos estaleiros ingleses. Já tinha tido o nome de “Golfinho” e mais tarde o de “Maria Raquel”. Foi adquirido há 4 anos pelo actual proprietário, sr. Artur Cília, por esc. 500.000$00, mas as importantes melhorias que o proprietário lhe introduzira elevaram o valor a mais de 1.000 contos, estando seguro apenas por 700. O “Praia da Vitória” foi então modificado e apetrechado com material de pesca do mais moderno e os seus porões eram revestidos de cimento à «brocha», para melhor suportar o gelo e conservar o peixe por maior espaço de tempo.
Ao facto das bancas se encontrarem cheias de carvão, se deve o ter-se salvo a tripulação, que era composta pelo capitão Hugo de Almeida, maquinista António Gomes Ferreira, mestre de pesca Juvenal Neto Espada e 17 outros tripulantes, cujo carvão aguentou ainda por muito tempo a entrada da água, de contrário o “Praia da Vitória” ter-se-ia afundado imediatamente. Alguns tripulantes não tiveram tempo de salvar as suas roupas e outros artigos.
O “Maria Cristina”, em consequência do choque, recebeu um rombo na proa, pelo qual mete água, tendo sido vistoriado esta tarde, a fim de ser reparado. Os comandantes do “Maria Cristina” e do “Praia da Vitória” e respectivas tripulações estiveram esta tarde na capitania do porto de Lisboa, a apresentar os seus protestos de mar.
A perda do “Praia da Vitória” foi muito lamentada, não só pela sua tripulação, como ainda na classe dos armadores de pesca, por se tratar dum dos melhores barcos de pesca de arrasto. É sempre de lamentar, que os seus tripulantes tenham agora ficado sem trabalho.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 30 de Novembro 1935)

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