quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


No mesmo local, o fim… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
5ª Parte – 5/5

= Reclamações - Os naufrágios na costa do norte =
Desde longa data que a Associação Comercial do porto vem reclamando junto de todos os governos, pelo ministério da marinha, que seja estudado e seja levado a efeito o melhoramento do sistema de iluminação nas costas do norte de Portugal, argumentando, com razão, que a responsabilidade da maior parte dos naufrágios, que ali ocorrem, devem ser atribuídas às deficiências desse sistema.
Relembrando todas essas reclamações, que foram apresentadas por ocasião do naufrágio do vapor “Veronese”, o presidente da Associação, sr. António da Silva Cunha obteve do sr. ministro da marinha, em Fevereiro de 1913, a promessa formal de que, atendendo às representações da Associação Comercial sobre aquela matéria, viria brevemente no aviso “Cinco de Outubro”, às águas do norte, um oficial da armada, competente no assunto, estudar o melhoramento da instalação do farol da Luz e o local mais conveniente para a construção de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende.
Dando-se agora os naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, o último com perda de vidas, o sr. Presidente da Associação Comercial deu-se pressa em reclamar do ministro da marinha, o cumprimento daquela antiga promessa:
Exmo. Ministro da marinha, Lisboa
Naufragaram nas madrugadas de 13 e 14 do corrente, perdendo-se totalmente, nas praias de Angeiras e Lavra, ao norte do porto de Leixões, os vapores “Silurian” e “Bogor”, havendo neste último a lamentar a morte de 34 tripulantes, além da enorme perda material das embarcações e seus carregamentos.
Em menos de três anos naufragaram, pois, nas pedras da costa do norte, entre Leixões e Esposende, os navios de guerra “São Raphael” e “Almirante Reis”; os vapores mercantes “Métèore”, “Vidago”, “Veronese”, "Silurian” e “Bogor”; e os hiates “Oceano” e “Viajante”, devendo notar-se que alguns destes sinistros, justamente os de consequências mais graves, ocorreram de noite, no meio da mais completa escuridão.
A Associação Comercial do Porto, fundada na opinião unânime da marinha mercante que frequenta esta costa do norte, insiste em que a deficiência neste ponto do litoral português tem tido grande parte nestes acontecimentos. Em tal convicção, vem novamente pedir ao ministério da marinha o imediato cumprimento da promessa, que lhe fez há um ano, por ocasião de uma catástrofe semelhante, da construção e instalação de um farol de grande alcance nas imediações de Esposende, que substitua, com vantagem para a navegação de longo curso, a luz que ali existe e que parece não ter mais de oito milhas de penetração.
(ass.) António da Silva Cunha, Presidente 
(In jornal “Comércio do Porto”, de 15 de Dezembro de 1914)

O antigo farol de Leça, construído em 1916, substituído em 1926

= Histórico =
Deve em devido tempo ser referido, que o distinto ministro da marinha, acima referido, mandou efectivamente construir um farol na penedia da Boa Nova, a norte de Leixões, cuja construção só ficou pronta três anos depois da promessa feita à Associação Comercial do Porto. E mesmo assim, a partir de 1916 a situação não se alterou substancialmente, considerando a pouca utilidade do mesmo, por força da fraca projecção de luz, comparável apenas aos pequenos farolins portuários, levando à sua substituição em 1926, como a seguir se explica:
Em 28 de Outubro de 1902 foi nomeada uma comissão presidida pelo CMG hidrógrafo, sr. Joaquim Patrício Ferreira e que englobava o então CFR hidrógrafo, sr. Júlio Zeferino Schultz Xavier e que em relação ao farol de Leça decidia esta comissão:
«A comissão (…) julga dever dispensar-se a instalação não só do farol eléctrico indicado para Leça, cuja oportunidade foi por assim dizer atenuada, talvez mesmo anulada, com a construção do porto artificial de Leixões, especialmente depois da instalação do actual farol no seu molhe sul, mas também do farol eléctrico que o Plano Geral indicava para o promontório do Cabo de S. Vicente (…).
Esta opinião determinou que o farol de Leça só viesse a ser equacionado mais tarde, quando em 1919 o Director Geral da 4ª Divisão Geral da Secretaria de Estado da Marinha – 5ª Repartição, solicitou que fossem elaborados os planos para a construção do novo edifício do farol de Leça.
(In “Os faróis de Portugal na Revista da Armada”)
= E mais reclamações – Os naufrágios =
Com relação aos dois naufrágios que ocorreram em dias seguidos na costa do norte, do “Silurian” e do “Bogor”, o segundo bem mais horrível que o primeiro por haver perecido quase toda a tripulação desse vapor, pouco fica para acrescentar ao desenvolvimento pormenorizado das notícias publicadas. Apenas por muito tempo ficará de lembrança este horroroso acontecimento, que infelizmente faz aumentar o rol das grandes catástrofes, que a população tem vindo muito tristemente a testemunhar.
No governo civil esteve ontem o sr. cônsul de Inglaterra, sr. Honorius Grant, que foi agradecer os bons serviços prestados por ocasião do naufrágio do vapor inglês “Silurian”, elogiando a forma como eles foram organizados e agradecendo também as condolências que lhe haviam sido apresentadas por tal motivo.
Relativamente ao segundo vapor naufragado, o holandês “Bogor”, o mar tem continuado a arremessar à praia vários géneros de que se compunha a sua carga, os quais são arrecadados pela guarda-fiscal ali destacada para esse fim e enviados para a delegação da alfândega de Leixões.
O último náufrago sobrevivente deste vapor, salvo dia e meio depois de se dar o sinistro, foi ontem removido da delegação da Cruz Vermelha, a cargo dos bombeiros de Matosinhos-Leça, para o hospital da Misericórdia, porque, além de apresentar alguns ferimentos, precisa de recuperar a saúde que as muitas comoções e extenuantes lutas para a sua salvação lhe abalaram.
A expensas dos consignatários deste vapor, os srs. Orey Antunes & Cª., deve realizar-se hoje o funeral das cinco vítimas, que o mar já arrojou à praia. Entretanto o sr. Mendes Guimarães, presidente da Associação Comercial dos Lojistas do Porto, enviou ontem ao sr. ministro da marinha, o seguinte telegrama:
«Os recentes naufrágios dos vapores “Silurian” e “Bogor”, sucedidos nas madrugadas de 12 e 13, na costa marítima compreendida entre Leixões e Esposende, justamente chamada “costa negra”, exige dos organismos oficiais imediatas providências. Um farol de luz intensa em local apropriado e escolhido por elementos marítimos evitaria a repetição de catástrofes, que nos enchem de consternação e em nada abonam a navegabilidade do nosso litoral, para norte de Leixões. As vossas providências são por esse motivo ansiosamente esperadas pela nossa Associação, em nome da qual me dirijo a Vossa Excelência.
(In jornal “Comércio do Porto”, de 16 de Dezembro de 1914)

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
4ª Parte – 4/5

Reportagem sobre o naufrágio do vapor “Bogor”
Fotos de A. Martins, publicados na
Ilustração Portuguesa Nº 461 de 21 de Dezembro de 1914

= Os salvados e o fisco =
A todo o comprimento da praia da «Agudela», encontravam-se dispersos pelo areal os salvados da carga, que o mar arrojava para terra e que alguns pescadores amontoavam em vários pontos sob a vigilância da guarda-fiscal. Simultaneamente, também vinham parar à praia muitos destroços do “Bogor”, que eram, na maioria, madeiramentos e alguns aprestos de bordo. Entre os salvados da carga encontravam-se bobinas e fardos de papel, caixas com queijo, fardos de lúpulo e de cevada germinada, caixas com batatas em grande quantidade, fardos de tabaco em folha, latas de soda caustica, instrumentos de música e muitos outros volumes com diversos tipos de mercadoria.
A guarda-fiscal e os empregados da delegação aduaneira faziam transportar tudo, pouco a pouco, em carros de bois, para umas caves de pescadores, que para tal efeito a alfândega alugou por alguns dias. A maior parte dos salvados estava avariada pela água, tais como o papel, os instrumentos de música, o tabaco e outros artigos cuja embalagem era mais susceptível de danificar-se.
= Ocorrências =
Os grandes sinistros compungem sempre e sempre despertam a curiosidade. Assim, já ontem acorreu muitíssima gente ao local donde apenas se via, dividido e em parte, o vapor “Bogor”, que em malfadada hora mudou a sua carreira. Os três náufragos sobreviventes já referidos e que ficaram hospedados no Hotel Ariz, em Leça da Palmeira, dirigiram-se ontem ao cemitério de Perafita, a fim de reconhecer a identidade dos companheiros que o mar arrojou à praia, depois de lhes haver roubado a vida. Nesse cemitério deram-se por essa ocasião algumas cenas impressionantes de tristeza. Para recolher os despojos que o mar fosse arremessando à praia, ficaram ali de serviço alguns guardas-fiscais.
= Salvo! =
Mais de 36 horas volvidas sobre a horrorosa catástrofe, quando apenas se pensava na praia do «Marreco», em recolher os destroços que o mar trouxesse, eis que às pessoas que ali se encontravam pareceu ouvirem gritos aflitivos com pedidos de socorro, vindos dos restos do navio naufragado. Consultaram-se para perder a ilusão de que o rumor do mar os enganava; mas era certo. Todos ouviam, todos estavam certos de que alguém solicitava auxílio desesperadamente, já pouco antes do anoitecer.
Um guarda-fiscal correu à estação dos bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça, comunicando aí que dentro do “Bogor” estava gente gritando. Acto contínuo saíram o material dos bombeiros e a ambulância da Cruz Vermelha a cargo daquela corporação. Entretanto, em terra eram feitos sinais ao infeliz que pedia socorro, então já visível, para que se atirasse à água munido de uma bóia  o que parece ter sido entendido e executado. Uma vez na água, foi-lhe lançada uma corda para efectuar o seu salvamento, mas o homem não teve força para a segurar. Então, o sr. José Gonçalves, empregado da casa Orey Antunes & Cª., lançou-se ao mar e conseguiu salvá-lo, trazendo-o para terra, onde chegou inanimado.
Pressurosamente socorrido pelo sr. dr. Farinhote, reanimou-se, sendo depois levado para a estação dos bombeiros, dando entrada na dependência da Cruz Vermelha. Ali contou o desventurado chamar-se Hendrik Benders, natural de Roterdão, fazendo parte da marinhagem do vapor naufragado. Disse que estava na messe da proa quando se deu o sinistro, que lhes fechou a porta, a ele e a mais dois companheiros, mais desventurados ainda, porque perderam a vida ao cabo de um esforço titânico em procura de salvação. Ele conseguiu exausto e já sem esperança, arrombar uma das vigias e sair daquela prisão, onde a morte o espreitou, segundo a segundo, durante as muitas e longas horas que lá passou. Depois de grande tortura foi, enfim, salvo!
= Notas diversas =
Logo que o mar começou a arrojar à praia os primeiros destroços e antes de ter sido estabelecido o serviço completo de vigilância por parte da guarda-fiscal, algumas mulheres e pescadores do local apanharam bastantes madeiramentos e caixas vazias, que arrastavam para os lares, onde iam servir de excelente combustível, na quadra invernosa e de tanta privação daquela pobre gente. No local do sinistro compareceram o capitão do porto, senhor Capitão-tenente Nunes de Sousa, de Leixões; os srs. Presidente da câmara municipal e administrador do concelho de Matosinhos e várias outras entidades. O cônsul da Holanda no Porto, sr. Herman Burmester também esteve no local, visitando depois os sobreviventes e indo ver o ferido ao hospital, interessando-se pelo bem-estar de todos.
Na praia da «Agudela» esteve um piquete de infantaria da guarda nacional republicana, ido de Matosinhos, que retirou logo que foi estabelecido o serviço montado pela guarda-fiscal.
(In jornal "Comércio do Porto", de 15 de Dezembro de 1914)
= Características do navio =
O “Bogor” era um vapor de nacionalidade holandesa, que pertenceu à empresa Rotterdamsche Lloyd, de Roterdão, também designada por Mala Real Holandesa. Havia sido construído no estaleiro Blohm & Voss, de Hamburgo, na Alemanha, em 1898. Tinha de arqueação 3.620 toneladas de registo bruto, 100,60 metros de comprimento entre perpendiculares, 13,60 metros de boca e 8,66 metros de pontal. A propulsão estava a cargo de um motor de tripla expansão, da responsabilidade do construtor, com 3 cilindros e 275 nhp’s, que assegurava uma velocidade na ordem das 10 milhas por hora. O vapor navegava habitualmente com uma equipagem composta por 38 tripulantes.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
3ª Parte – 3/5

Foto do vapor "Bogor", eventualmente num porto holandês
Imagem publicada no sítio "Wrecksite", por Nico Vleggeert

No dia 13 de Dezembro de 1914, ocorreu novo sinistro, quando as pessoas ainda comentavam os pormenores relativos ao encalhe do vapor “Silurian”, naufragado em Angeiras, e já no mar, um pouco aquém daquela praia, se tinha desenrolado na manhã de Domingo um outro drama, mais horroroso, porque além da perda de um vapor mercante, regista-se a morte de 33 dos seus tripulantes.
O navio deu à costa em condições semelhantes ao vapor “Silurian”, de madrugada, mas num ponto, onde a praia é vedada do povoado por enormes taludes de areia. Assim, o “Bogor”, devendo ter batido nos rochedos cerca das 2 horas e meia da madrugada, de terra ninguém deu por tal desgraça e sem dúvida os infelizes tripulantes não conseguiram fazer-se ouvir, num mais que provável pedido de socorro.
= À procura de informações =
Saídos da estrada principal, entramos num caminho estreito e tortuoso, cheio de lama e covas, que na freguesia de Perafita nos levou até à beira-mar, à praia da Agudela; mas com muita dificuldade, porque lá, ao fim, o caminho estava atravancado de carroças e automóveis, que se viam em sérios apuros para os que retiravam poderem dar lugar aos que chegavam. A solução foi caminhar, na ânsia de obter informações, tendo a favor o facto de não estar a chover, se bem que um vento agreste vindo dum mar inquieto, incomodava toda a gente.
= No local da catástrofe =
Pelo que foi apreciado durante o trajecto, não foi surpresa ver a praia coalhada de gente, e um movimento enorme de soldados da guarda-fiscal, acompanhando comboios de seis e oito carros de bois a transportar variados fardos e caixas, já salvados do “Bogor”, que o mar revolto arrojava à praia. Virados para o mar encapelado e arrogante, parecendo querer tragar tudo, na praia do «Marreco», encontramos à esquerda a praia de Pampolide, onde se ergue altiva a memória consagrada aos bravos liberais, que ali desembarcaram com D. Pedro IV, e à direita a praia da «Agudela», onde se dera o desastre. Um formigueiro enorme de gente mexia-se pelo extenso areal, fora da zona tomada pela guarda-fiscal, que ali estabeleceu uma secção sob o comando de um subalterno e com a direcção do chefe da delegação aduaneira de Leixões, sr. Marques da Costa.
= O alarme do desastre =
O “Bogor”, da Mala Real Holandesa, pertencia à praça de Roterdão, de onde saiu a 2 do corrente, sendo esta a primeira viagem que fazia a Leixões, porque, tendo sido construído em Hamburgo em 1898, fez desde então e até agora viagens para a Índia Holandesa. Era um navio de 3.600 toneladas e tinha uma tripulação composta por 38 homens, incluindo o capitão de nome Lutter. Vinha para Leixões consignado aos agentes srs. Orey Antunes & Cª., carregado com vários géneros. O navio depois de receber carga em Leixões, devia seguir para Lisboa, com destino ao Brasil.
Há um homem, trabalhador de lavoura, de Perafita, que disse ter ouvido depois da uma hora da madrugada os toques repetidos da sirene de um vapor, mas que de sua casa nada vira para o mar e como estava muito temporal não saíra. Perto das cinco horas da madrugada é que o criado de lavoura Joaquim Moreira, ao sair para os seus serviços deu com o vapor encalhado, batendo violentamente sobre as pedras denominadas «Mó». Foi a correr a casa do seu patrão, o lavrador sr. Paulino Dias de Oliveira, do lugar de Pampolide, comunicar o que havia visto e no caminho disse-o também ao soldado José Maria, da guarda-fiscal, e daí o alarme em todas as poucas casas da beira-mar e a vinda de um soldado da guarda-fiscal, montado numa bicicleta, a Matosinhos e a Leixões, a dar conta do sinistro e a reclamar socorros.
Entretanto na praia da «Agudela», o drama desenrolava-se pavorosamente. Logo afluíram ali àquela hora, ainda noite fechada e temporal desfeito, muitíssimos populares. O navio, que era grande e todo de ferro, desmantelava-se e soçobrava entre as pedras e a tripulação numa situação angustiosa, louca de pavor, em vão pedia socorro, que de terra não se lhe podia dar. Parece que a essa hora já não estava toda a gente a bordo, ou porque os vagalhões enormes os varreu da coberta, ou porque no auge do desespero se atiraram ao mar em busca de salvamento.
Garantidamente, só quando a luz do dia começava a rasgar a profunda escuridão de uma noite de tormenta implacável, veio à praia um náufrago que conseguira a nado vir a terra. Grande alvoroço entre as pessoas que ali se encontravam e todos, qual deles o mais solicito, corriam ao mar a lançar-lhe mão amiga e protectora para evitar que a ressaca o envolvesse e o arrastasse de novo para o perigo, ceifando uma vida que estava quase salva. Foi logo levado para uma casa distante, onde lhe providenciaram os socorros necessários.
E foi nessa altura que se começou a ver bem o vapor “Bogor” e se verificou que ele estava completamente perdido. Caindo o casco nas referidas pedras da «Mó», partiu em dois pontos, estando, portanto, dividido em três partes, vendo-se a meia-nau a baixar sensivelmente, até que duas horas depois mergulhava adernado para estibordo, isto é, para o lado do mar, para onde tombavam e se escondiam no seio das águas a chaminé, a ponte e o mastro grande, ficando apenas com o topo à vista. Da proa, virada ao norte sobre as rochas via-se uma grande parte do navio, bem como da ré, torcida para terra e bastante desmantelada. Na praia o povo aguardava com ansiedade a chega de algum sobrevivente, que porventura pudesse vencer a fúria das vagas a alcançar a terra.
= Os socorros – Quatro tripulantes salvos =
Já próximo ao final do dia, reúnem-se no local cada vez mais curiosos, continuando o mar, sempre embravecido, a arrastar para a praia cinco cadáveres, alguns deles num estado deplorável, por terem andado aos baldões por entre a penedia da beira-mar. À medida que apareciam eram removidos para o cemitério de Perafita, onde ficaram depositados.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”
2ª Parte - 2/5

Reportagem do naufrágio do "Silurian"
Ilustração Portuguesa Nº 461 de 21 de Dezembro de 1914

= Os náufragos – Retirada para Leixões =
Espalhados pelos diversos postos da Cruz Vermelha, de Matosinhos e do Porto, que foram instalados em Angeiras, os náufragos encontraram ali todos os socorros necessários. Mudados de roupas ou cobertos por mantas de lã, arranjadas localmente, logo foram reconfortados e um deles, Joseph Bonniel, recebeu curativo, por, na ocasião do salvamento, ter-se ferido ligeiramente na face e nos pulsos. Prestados estes socorros, os náufragos vieram de Angeiras para o Posto de Desinfecção de Leixões, em diversos automóveis particulares, que se prestaram a esse serviço. Todos eles estavam bem-dispostos, precisando, porém, de agasalho e alimentação. Em Leixões eram esperados pelo pessoal do porto e pelo médico dr. Mancelos.
Já passava das 5 horas quando os últimos náufragos, incluindo o capitão John Jawes, que foi o ultimo a abandonar o vapor, chegaram a Leixões. Este veio num automóvel acompanhado dos srs. Honorius Grant, Alfredo Coutinho, empregado da casa Jervell & Knudsen, em nome do consignatário do vapor, e Alberto Botelho. O sr. Cônsul inglês no Porto ordenou que ao capitão e tripulantes fossem fornecidas comidas e tudo o que fosse preciso, encarregando o fornecimento ao Hotel Ariz.
= Notas diversas =
O vapor “Silurian”, de 475 toneladas de registo, vinha de Cardiff, com dez dias de viagem, consignado à firma Jervell & Knudsen, trazendo 9oo toneladas de carvão para os caminhos-de-ferro do Estado. Parece estar averiguado que o vendaval desviou o vapor do seu rumo, vindo muito à terra impelido pelas vagas, dando lugar ao sinistro. No posto fiscal de Angeiras ficaram depositados os dois foguetes, que a tripulação lançou para terra a dar sinal do naufrágio. Alguns tripulantes trouxeram para terra papéis da escrituração de bordo.
Num dos postos da Cruz Vermelha recebeu também curativo Manuel Caetano Nora, tripulante do salva-vidas, por estar ferido no rosto. Em Angeiras estiveram presentes os srs. presidente da comissão executiva da câmara e administrador do concelho de Matosinhos, e o sr. Marques da Costa, chefe da delegação aduaneira.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 13, Dezembro de 1914)
= O naufrágio de sábado do vapor “Silurian” – Os náufragos =
No Domingo foram muitas as pessoas que se deslocaram à praia de Angeiras para ver o vapor “Silurian”, ali naufragado, que, tão continuamente batido pelas vagas, nas pedras do «Travesso», já está bastante destroçado, tendo vindo alguns utensílios de bordo parar à praia.
Os tripulantes deste navio, que se salvaram todos, vieram ante-ontem de Leixões para o Porto. O capitão e mais cinco oficiais foram para o Hotel Francfort, onze marinheiros ficaram hospedados no Hotel Malhão e um outro, Joseph Bonniel, de 26 anos, natural de Malta, ficou internado no hospital da Misericórdia, onde ficou em tratamento, por estar ferido nas mãos e na cabeça.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 15 de Dezembro de 1914)
= Características do navio =
O “Silurian” era um vapor de nacionalidade inglesa, que pertenceu à empresa Williams Owen & Watkins & Co., de Cardiff, cuja designação comercial era «Golden Cross Line Ltd.». Havia sido construído por Craggs, Robert & Sons., Ltd., em Middlesbrough, durante o ano de 1898. Tinha de arqueação 940 toneladas de registo bruto, 67,10 metros de comprimento entre perpendiculares e 9,90 metros de boca. A propulsão estava a cargo de um motor de tripla expansão, construído por MacColl, Pollock & Co., de Sunderland, que assegurava uma velocidade na ordem das 10 milhas por hora. O vapor navegava habitualmente com uma equipagem composta por 17 tripulantes.

domingo, 21 de outubro de 2012

Dois navios, dois naufrágios, dois dias, duas histórias


O fim no mesmo local… para o “Silurian” e para o “Bogor”!
= 1ª Parte – 1/5 =

Foto do vapor "Silurian", eventualmente num porto inglês
Imagem publicada no sítio "Wrecksite", por Tony Allen

A 12 de Dezembro de 1914, às quatro horas e meia da madrugada, foi exactamente quando chegaram à praia de Angeiras os primeiros socorros, dos bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça. Àquela hora já se viam ali algumas pessoas do local e mais se juntaram, alarmadas pela passagem dos carros de material. Depois compareceu o Capitão do porto, sr. Capitão-tenente Adelino Nunes de Souza, também com pessoal e material de socorros de Leixões. Com o pessoal da Cruz Vermelha de Leixões e do Porto, compareceram os srs. Drs. Domingos Gonçalves de Azevedo, Ricardo Bartol, Queiroz de Magalhães, Mário de Castro (filho), Carteado Mena e outros.
Foram instalados postos de socorro em barraca de banhos, no posto fiscal e numas casas da praia. Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça instalaram-se com a máxima prontidão, levantando um tripé com pinheiros, para o cabo de vai-vem, e um semáforo para fazer sinais para bordo. Pouco passava das cinco horas quando os voluntários de Matosinhos-Leça lançaram o primeiro foguetão, que não foi feliz, indo a linha cair a distância considerável, devido à ventania que lhe mudou a direcção. Seguiram-se outros dos voluntários de Matosinhos-Leça e do Porto, todos sem resultado. Entretanto, o dia foi rompendo, e quando estava bem claro, já o pessoal das diversas corporações havia aumentado, redobrando a faina dos trabalhos para salvamento dos náufragos.
= Sinais entre gente de bordo e de terra =
Os bombeiros voluntários de Matosinhos-Leça, com o semáforo instalado na praia, através dos sinaleiros, o 2º. sargento Ivo, da Escola de Marinheiros e o bombeiro auxiliar Viriato Arantes, começaram a comunicar com o navio, tendo por intérprete o cônsul inglês no Porto, sr. Honorius Grant, que com toda a solicitude se apresentou no local do sinistro. À pergunta sobre quantos homens se encontravam a bordo, responderam serem dezassete. E a esta seguiram-se outras perguntas e respostas, pelas quais se soube da não existência de feridos, ficando a aguardar os socorros da embarcação salva-vidas, que de terra foi dito estar a chegar.
= No local do sinistro – a chegada do salva-vidas =
Logo que houve conhecimento do naufrágio, e informados ao certo do local, para lá se deslocou o valente Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», com o seu pessoal e o barco salva-vidas “Leixões”, montado numa carreta, tirada por três juntas de bois. Disse-nos o «Aveiro», que tendo saído para o mar no barco salva-vidas, rebocado pelo “Tritão”, tivera de retroceder, porque o mar era muitíssimo e não pudera vencer a derrota empreendida. No local continuava um movimento enorme de marítimos e bombeiros, o pessoal da Cruz Vermelha, os sinaleiros e até a posição do vapor naufragado, parecia ser idêntica à do vapor “Veronese”. Os soldados da Guarda-Fiscal e da Guarda-Republicana, idos de Matosinhos, a custo continham o povo à distância, deixando campo livre para os trabalhos de salvamento.
A esse tempo os bombeiros de Matosinhos-Leça lançaram um foguete, mas caiu a pouca distância da popa do vapor; logo a seguir lançaram outro, também infeliz, porque a linha partiu. Os bombeiros voluntários do Porto lançaram mais um foguete que foi certeiro, caindo na popa, onde os náufragos logo o agarraram; mas quando algum tempo depois os bombeiros passavam os cabos vai-vem para bordo, a linha partiu e todos os fatigantes trabalhos revelaram-se sem sucesso, tal como os anteriores. A maior parte das linhas dos foguetes partiam-se ao roçar nas arestas agudas dos rochedos da praia e por serem fortemente puxadas pelas vagas.
Se a bordo havia desespero por parte dos pobres náufragos, que ansiavam por salvamento, em terra não era menor a ânsia por parte daqueles que muito denodadamente e cheios de abnegação empregavam todos os esforços para os arrancar daquela situação desesperada. Já se tinham passado bastantes horas de trabalho fatigante e nada se conseguia. Chegava a comover dolorosamente o quadro que se apresentava e em que tudo, num só sentir, pensava em arrancar à morte os dezassete náufragos que se encontravam na coberta do vapor onde, a espaços, caiam pesadas massas de água.
Foi por esta altura que chegou à praia o barco salva-vidas “Leixões”, que no meio dum vivo alvoroço, de visível satisfação, passou por entre o povo que ali se aglomerava e foi pelo areal até à beira-mar onde, sob a direcção do seu patrão, o Cabo-de-mar José Rabumba, o «Aveiro», foi lançado à água. Todos confiavam no «Aveiro», todos previam bom êxito da valentia dos tripulantes do salva-vidas. Vinte minutos depois da chegada, viu-se o barco “Leixões” a baloiçar no mar, sempre agitado, temeroso, a caminho do “Silurian”.
= A abordagem – todos salvos! =
Suspenderam-se em terra os trabalhos de lançamento de foguetes e toda a gente, sob uma comoção imensa, tinha a sua atenção presa no que naquele momento de angústia se passava no mar. Sem o menor apego à vida, os tripulantes do “Leixões” venciam as vagas indomáveis e seguiam corajosamente avante, desviando-se do perigo dos rochedos e aproximando-se do navio naufragado, a bordo do qual se notou um movimento palpitante, convergindo todos os náufragos para a popa, preparando um cabo.
Eram duas horas e meia da tarde quando o salva-vidas se abeirou do vapor e recebia o cabo, estabelecendo-se rápido o vai-vem, apesar da fúria das vagas parecer prejudicar a todo o momento o sacrifício daquela abnegação. Em terra houve em toda aquela massa de povo um gesto de satisfação, de supremo contentamento intimo, por ver iniciados o salvamento das vidas.
Dentro em pouco o salva-vidas “Leixões” atracava à praia, desembarcando nove homens, encharcados, tremendo de frio e, talvez, de fome, que os membros da Cruz Vermelha e os bombeiros transportavam para os postos da corporação, onde lhes providenciaram todos os socorros. Entretanto, os tripulantes do salva-vidas, sempre sob o mesmo risco e com impagável altruísmo, retiravam os restantes náufragos, que a breve trecho vinham trazer a terra, deixando só, batido pelas vagas o vapor “Silurian”, já partido a meia-nau, com a proa com tendência a mergulhar.
Quando o salva-vidas desembarcou os últimos náufragos, o povo saudou os denodados salvadores, que, às 3 horas da tarde, se ufanavam do seu feito de reconhecida bravura. O «Aveiro» foi abraçado e felicitado por muitíssimas pessoas; mas ele, mais apegado aos seus deveres, pedia dispensa e tratou, com os seus homens, de montar o seu querido barco na carreta e, dentro em pouco, voltava a Leixões, para o seu posto. O «Aveiro» teve por tripulantes do seu barco os seguintes bravos lutadores, da sua inteira confiança: Manuel e José Caetano Nora, Alberto e Joaquim Martins Jacob, José e António Ferreira Nunes Arruela, Adelino Pinto dos Santos, António de Oliveira Brandão, José Pinto, Amadeu José, Inocêncio Pinto Soares e José Rodrigues Crista.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Histórias de vida


Almirante Gago Coutinho

Os notáveis vivem, quase sempre, amarrados à recordação da sua vida, relembrando os momentos passados com serenidade profunda e, simultaneamente, nunca esquecendo os acontecimentos emotivos, que lhes galvanizaram os nervos, lhes retemperaram a alma e lhes proporcionaram o ensejo para erguerem o nome às culminâncias da celebridade, quando, em arrancadas de apoteose, honraram com os seus feitos a Pátria que os viu nascer.

Fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, em 1907

Assim se pode classificar a vida de um dos mais ilustres portugueses – o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho -, marinheiro, navegador, historiador, matemático e cientista, cuja carreira, desde os tempos de guarda-marinha e geógrafo  responsável pela direcção dos trabalhos de levantamento topográfico nas ex-colónias, companheiro de Sacadura Cabral, no voo do “Lusitânia”, que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro, com um contratempo de permeio, mas com uma aterragem feliz na baía de Guanabara.
Se é verdade que a vida lhe proporcionou viajar nos melhores transatlânticos, nos melhores aviões da época e ter evocado Cabral, repetindo-lhe a derrota em viagem desde Santos, no Brasil, até Lisboa, a bordo da barca “Foz do Douro”, que teve início em finais de 1943, também é verdade ter suportado grandes privações, tal é o caso pouco conhecido da viagem ao Brasil, a bordo da corveta “Mindelo”, da Marinha Portuguesa, resultando ser um dos seus sobreviventes.

Foto da canhoneira "Mindelo", da Marinha Portuguesa
Imagem previamente publicada no blog «Restos de Colecção»

Aconteceu em 1893, quando Gago Coutinho era 2º Tenente da Armada. Saiu do rio Tejo, a bordo da corveta “Mindelo”, uma unidade da marinha que navegava mais à vela do que a vapor. No final do período áureo da navegação a pano, Gago Coutinho fez-se acompanhar por um quadro a óleo, que colocou numa parede do seu camarote, com a imagem de um iate a transpor a barra do Mondego, tendo na curva do rio, à distância, o edifício da Universidade de Coimbra.
Nos dias que se seguiram após o navio ter fundeado na baía de Guanabara, dá-se uma revolta na Armada Brasileira. Entretanto, a bordo da “Mindelo”, parte da guarnição morre vitimada por um surto de febre-amarela, que assolou o Rio de Janeiro. Dos seis oficiais internados no Hospital de Beneficência Portuguesa, apenas dois escaparam com vida: os 2ºs. Tenentes Metzener e Gago Coutinho. Face à inesperada circunstância, foi demorada a estadia do navio, todavia como a recuperação dos tripulantes hospitalizados se prolongou mais do que o previsto, a “Mindelo” regressou a Portugal com uma tripulação reduzida, destacando-se a presença a bordo de apenas dois oficiais: o Comandante Castilho e o Tenente Machado Santos, tendo ficado sepultados no cemitério do Caju, entre outros, quatro oficiais e dez marinheiros.
Com Gago Coutinho ainda hospitalizado, a sua bagagem ficou esquecida a bordo, quando a “Mindelo” se fez ao mar, pelo que a partir de então só podia dispor da roupa que trazia no corpo, ficando obrigado a viver tristemente na antiga capital federal brasileira. A cidade não conhecia ainda o martelo reformador de Pereira de Passos. O mar batia em cheio nas casas da rua de Santa Luzia. As ruas encontravam-se sujas e sinuosas. Mas havia teatros que despertavam interesse e davam animação, entretendo-se o marinheiro português a apreciar, ainda convalescente, a alguns espectáculos. Sem melhores alternativas, almoçava e jantava no hospital. Não tinha recursos, por isso acompanhava as notícias todas as manhãs através da leitura dos jornais, que ia conseguindo por empréstimo.

Foto do vapor "La Plata" da Messageries Maritimes
Imagem da Photoship.Uk
Trata-se por exclusão de partes, do vapor referido no texto

Assistiu, depois de receber um abono provisório de setenta mil réis, feito pelo cônsul português, ao decorrer do movimento revolucionário brasileiro. E preparava-se igualmente para assistir às grandes festas comemorativas do descobrimento do Brasil, quando surge a oportunidade para viajar no navio misto “La Plata”, que se aprontava para viajar para a Europa. Embarcado como passageiro, com bilhete pago pelo consulado, desembarcou no Tejo, depois de penosa viagem, que durou cerca de 23 dias, trajando à civil, sendo esperado à chegada por seu pai e pela Dª Maria Augusta – governanta dedicada que o criara como se fosse seu filho. Esta terá sido uma das viagens que mais o impressionou, comentou anos mais tarde, quando se encontrava já reformado.
Deste relato se conclui a existência de bons e maus momentos, recriados a partir de episódios vividos por uma das personalidades mais interessantes do país, cujo vínculo ao mar, foi durante séculos o exaltar e sentir da alma nacional. E como facilmente se depreende, muitos outros nomes ligados ao mar, tal como Gago Coutinho, são e estarão sentenciados a perpetuar para sempre, com brilhantismo, na história marítima portuguesa.

sábado, 13 de outubro de 2012

O passado, sempre actual...


Vapor “Archimedes”
Resumo histórico do primeiro vapor a utilizar propulsão a hélice

O vapor "Archimedes" a navegar
Gravura de autor desconhecido

Data de Julho de 1874 a primeira construção bem-sucedida de um vapor, tendo-lhe sido aplicada uma hélice para a respectiva propulsão, em substituição das pás laterais, que se utilizaram em larga escala nesse período. Essa novidade, que veio a generalizar-se até à actualidade, deve ser considerada como um dos processos de desenvolvimento mais inovadores, só comparável à introdução das máquinas com caldeiras a vapor, nos navios que até então utilizavam apenas a propulsão à vela. Coube a responsabilidade desta construção em ferro no cais 192, ao estaleiro de Hall Russel & Co., em Aberdeen, segundo encomenda da companhia Liverpool, Brazil & River Plate Steam Co., que julgo possam saber ter a empresa Lamport & Holt Line, como principais operadores.
O navio que durante décadas cruzou o atlântico terá muito provavelmente efectuado escalas em portos nacionais, continuadas posteriormente por outros navios durante muitos anos, no tráfego entre a Europa e a América do Sul, que incluía simultaneamente o transporte de carga e passageiros. Matriculado no porto de Liverpool, tinha 1.520 toneladas de registo bruto, 82,69 metros de comprimento entre perpendiculares e 9,78 metros de boca. A propulsão era mantida por uma máquina compound fabricada pelo construtor, de 2 cilindros, com uma potência de 150 Bhp, assegurando uma velocidade na ordem da 10,5 milhas por hora.
Capitães embarcados: J. Verril (1876-1879 e 1882-1883), Davies (1884-1885), Fairlan (1886-1887) e Ballantine (1890-1891).
O jornal de Aberdeen, na sua edição de 16 de Setembro de 1874, comentava a saída do navio para provas de mar com resultados muito satisfatórios, tendo atingido a velocidade de 10,5 milhas por hora, com um consumo de 1-7/8 libras de carvão, de acordo com a potência especificada. Que estava previsto para breve a saída do navio para Londres, seguindo à posteriori com destino ao Brasil, sob o comando do capitão Ferguson. De acordo com o jornal Glasgow Herald, de 28 de Dezembro de 1874, o navio chegou a Southampton a 25 de Dezembro, após terminada a viagem realizada ao Brasil e ao Rio da Prata. Já o jornal Belfast Newletter, de 11 de Janeiro de 1875, publica a confirmação da saída do vapor, em viagem directa para Montevideo e Buenos Aires.
Naturalmente, pelo interesse que o navio despertava, notícias como as atrás citadas foram aparecendo nos jornais um pouco por todo o lado, correspondendo às escalas em curso, pelo menos até à venda do vapor à companhia francesa H. Duchon-Doris, em 1894, época em que lhe foi alterada a matrícula para o porto de Marselha e rebaptizado com o nome “Helene”.
Capitães embarcados: Ausenac (1895-1896), Queguiner (1896-1897) e Caccialupi (1898-1899).
Em 1899 o vapor é novamente posto à venda, sendo adquirido por outro armador francês, desta feita o sr. G. Levit. O navio manteve o mesmo nome e o mesmo capitão, todavia alterou a matrícula para o porto de Bordéus. E obviamente o navio continuava a preencher colunas nos diários. Como exemplo, valemo-nos primeiro através da escrita no jornal Liverpool Mercury, a 27 de Fevereiro de 1895, comentando que o vapor na antevéspera havia colidido com um ferry a vapor francês, no interior do porto de Bordéus, provocando-lhe o afundamento. E mais tarde, o mesmo jornal noticiava em 13 de Novembro de 1896, que o “Helene” chegara ao porto de Marselha, com 300 emigrantes oriundos da Síria, sendo que a maior parte deles iriam continuar viagem para a América do Sul.
Já em 1902 o navio muda novamente de proprietário, após concretizada a compra pela firma Devoto & Beraldo. Passa desde então a navegar com a bandeira italiana, sob o nome “Riconoscenza”, mas lamentavelmente por um curto período de tempo. O vapor por motivo de encalhe em Montana, no leste da ilha de Caprera, na Sicília, naufraga a 8 de Março de 1904, vindo a ser considerado perda total.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Companhias de Navegação Portuguesas


A Companhia Marítima Portuguesa

Esta companhia com sede no Porto, foi proprietária de um único navio comprado em Inglaterra, por 29:000$000 réis, à Cie. de Navigation Méditerranéenne, com origem em Cette, França, ficando matriculado na Capitania do Douro, com o nome “Bussaco”. Serviu um tráfego regular entre os portos nacionais e os portos ingleses de Bristol e Swansea, efectuando igualmente escalas em portos franceses.
Entrou pela primeira vez no rio Douro, no dia 23 de Maio de 1907, procedente de Londres, após 5 dias de viagem, sob o comando do capitão Nelson. No porto da cidade, ficava habitualmente consignado à firma Tait & Rumsey, que dividia com o armador os seus escritórios, patrocinando a angariação da mercadoria a transportar, em função do bom relacionamento que mantinha com algumas congéneres britânicas, nos respectivos portos de destino.

O vapor “ Bussaco “, saindo de La Rochelle, França
Postal ilustrado - Colecção Francisco Cabral

A primeira viagem com bandeira portuguesa levou o navio a Lisboa, com carga e 5 passageiros, 6 dias após a chegada do navio ao Porto, agora sob o comando do capitão Machado, eventualmente o mesmo oficial da marinha mercante responsável pela viagem inicial.
Visita regular nos diversos portos portugueses, escalou frequentemente o porto de Viana do Castelo, onde por força do mau tempo ficava retido, tal como consta na lista do movimento portuário do dia 27 de Abril de 1908. Por idênticos motivos, o navio tem registado um ligeiro encalhe no rio Douro em 1912, sem graves consequências, pelo que após providenciado o desencalhe, desde logo regressou ao serviço comercial.
Volvidos seis anos de actividade contínua, foi posto à venda, tendo cancelado o registo nacional no dia 12 de Abril de 1913, passando desde então à propriedade da empresa francesa S.A. Transports Gôtiers, que lhe alterou o nome para “Lacydon”. Nos anos 20, a navegar sob a propriedade da Cie. de Navigation Méditerranéenne, efectua diversas escalas ao rio Douro, agenciado pela firma Kendall, Pinto Basto, colocado a operar num tráfego regular entre os portos do Porto e Marselha.

O vapor “ Bussaco “, no rio Douro próximo ao cais de Gaia
Foto de autor desconhecido - Colecção Francisco Cabral

Características do navio “Bussaco” - 05/1907 até 04/1913
Nº Oficial: n/t - Iic.: H.B.J.F. - Porto de matrícula: Porto
Construtor: Osborne Graham & Co., Sunderland, Out.1880
ex “Gervase”, G. Bazeley & Sons, Inglaterra, 1880-1884
ex “Gervase”, Cie. Méditerranéenne, França, 1884-1907
Arqueação: Tab 618,86 tons. - Tal 397,37 tons.
Dimensões: Pp 56,50 mtrs - Boca 7,80 mtrs - Pontal 4,30 mtrs
Propulsão: G. Clark & Co. - 1:Cp - 2:Ci - 95 Nhp - 10 m/h
Capitães embarcados: Augusto Fernandes da Silva (1910-1913)
dp “Lacydon”, S.A. Transports Côtiers, França, 1913-1920
dp “Lacydon”, Cie. Méditerranéenne, França, 1920-1923
dp “Invidia”, Proprietário não identificado, 1923-1923
dp “Leonardo”, L. Palomba, França, 1923-1929
Perde-se por naufrágio devido a colisão com um casco de navio submerso, na posição 42º17’N 5º36”E no mar Mediterrâneo, a sul de Marselha, em 23 de Dezembro de 1929.