segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Divulgação


Sociedade de Geografia de Lisboa
Sessão Comemorativa do Dia Nacional do Mar

terça-feira, 14 de junho de 2022

Cultura e arte! (2)


A navegação espantosa de Diogo Botelho
O pequenino barco atravessou o Oceano Índico. Em Melinde, onde ninguém ficou, tomaram mais água e mantimentos, antes de se isolarem nos imensos mares do Sul. As tempestades foram tremandas. Ondas alterosas varavam a fusta de proa à popa. Escacearam a água e as provisões. Um português morreu e outros caíram doentes. Os escravos, mal humorados, resmungavam. Diogo Botelho, de espada cingida, conservava-se dia e noite no chapitéu, e dormia numa cadeira. Sabia que os «negros» aguardavam pela melhor oportunidade.
Esta chegou certo dia de tormenta, em que o vento arrastou as velas para o mar. Os portugueses precipitaram-se para reavê-las, e então estalou a revolta. A bordo da casca de noz, balançando-se nas ondas, travaram uma luta espantosa. Com machados, chuços e uma espada roubada, os escravos assaltaram os brancos, que se defendiam como leões. Diogo Botelho recebeu uma pancada na cabeça, que lhe tirou a fala, e outros ficaram gravemente feridos. Apesar de tudo, conseguiram lançar os atacantes ao mar. Uns pereceram afogados, outros pediram perdão a fim de poderem regressar a bordo.
Seguiu esta viagem de pesadelo. Dois dos feridos morreram à míngua de cuidados. Diogo Botelho manteve-se dias a fio sem recuperar a fala. Ainda assim conseguiu, por acenos, dirigir a navegação. Contavam poder reabastecer-se na Ilha de Santa Helena, porém, um espesso nevoeiro não o permitiu. Sequiosos, e definhados pela fome, chegaram por altura dos Açores; mas Diogo Botelho não ousou tocar na Terceira, com receio de ali o prenderem. Resolveu arriscar-se antes no Faial. Não podia adivinhar que justamente aí se encontrava o Corregedor das ilhas. E este, com todos os habitantes, esperava na praia, no pasmo de ver barco tão pequeno, vindo de tão longe.
Diogo Botelho refletiu, ajuntando um feixe de papeis. Desembarcou, agarrado ao volume, como se fosse um tesouro. Trazia cartas urgentíssimas para o rei, explicou. Por isso o mandara o Governador.
O Corregedor não despregava os olhos dele. Aquela cara era-lhe conhecida. A propósito, perguntou-lhe se não seria parente dum Diogo Botelho, degredado na Índia?
Diogo Botelho não pestanejou. Era ele mesmo!, respondeu. Nuno da Cunha não achara outro, que se atrevesse a levar de tal maneira, as importantíssimas cartas ao rei. E indicou o feixe que trazia. O Corregedor ficou na dúvida. Deixou, porém, a fusta reabastecer-se e partir. Ao mesmo tempo preparou uma caravela para seguir-lhe ao alcance. Quem sabia se o homem não iria para a França?
Diogo Botelho viu a caravela e largou com três horas de antecedência. Desviou a rota por dois rumos da agulha e, assim, não foi visto daquela, a qual aportando a Lisboa e não vendo aí a fusta, saíu de novo à sua procura. Na tarde desse mesmo dia, Diogo Botelho entrava a barra do porto da capital e surgiu em frente do Paço da Ribeira. O rei, disseram-lhe, estava em Évora. Então Diogo Botelho comprou um cavalo e à noite galopou para o Alentejo.
O rei e a rainha, já deitados, foram despertados por uma forte pancada na porta do quarto. Novas da Índia!, gritou-lhes o guarda-mór. O mensageiro chegara nesse instante! À luz das tochas, minutos depois e na antecâmera, o casal real espantou-se ao ver magro e macilento, mas como sempre confiado, o degredado Diogo Botelho.
Ajoelhou: A boa nova que trazia, disse, era tal, que lhe dera ousadia para o seu passo inauturizado. O rei houvera-o por traidor. Assim, «porque Vossa Alteza fique fora desta dúvida, arrisquei a vida numa fusta, em que parti da Índia, e naveguei em minha liberdade para mostrar que venho de geração para antes padecer morte que errar um só ponto com seu real serviço». Então falou da fortaleza de Diu: «ela é feita e acabada na altura das ameias... Para este caminho não pedi licença ao Governador, porque ma não havia de dar!... E esta é a mostra da fortaleza», acrescentou, apresentando o seu desenho.
O rei ficou jubiloso com a nova, e louvou a façanha, muito embora não ficasse talvez de todo fora das suspeitas que de si tinha. «João de Barros diz que este não teve a satisfação que tamanha façanha merecia». Mas sempre lhe foi perdoado o degredo, e como homem livre tornou a servir na Índia. (1)
O pequeno barco, a fusta que trouxera de tão longe, ficou em Salvaterra, enchendo de pasmo os numerosos visitantes, naturais e estrangeiros. Depois, o rei mandou levá-la a Sacavem, onde foi queimada. Não que D. João III não quisesse que fosse sabido no mundo poder fazer-se a viagem desde a Índia em navio tão pequenino!
(1) Diogo do Couto diz que el-rei, decorridos alguns anos, lhe deu a capitania de S. Tomé. De Gaspar Correa, consta, porém, que no tempo do vice-rei D. Garcia de Noronha, Diogo Botelho estava na Índia. Sanceau, Elaine, A navegação espantosa de Diogo Botelho

domingo, 12 de junho de 2022

Cultura e arte! (1)


A navegação espantosa de Diogo Botelho
«Os pilotos não podem ser capitães de fortalezas!» Isto foi dito a sorrir, mas o mancebo ficou magoado. Porque não havia ele de ser capitão de Chául, como, em tempos passados, o fora Cochim de seu pai! Com o ressentimento a ferver-lhe no peito, Diogo Botelho atravessou a ante-câmara. «Então teve bom despacho do rei?» inquiriu o Escrivão da Puridade, entre o irónico e solicito. «Senhor,» - retorquiu o rapaz furiosamente – «bom despacho eu o buscarei por mim!».
Os ouvintes entreolharam-se. Que queria isso dizer? Não faltou quem se lembrasse de um tal Fernão de Magalhães, que, saíndo indignado da presença do falecido rei D. Manuel, levara depois o estandarte de Castela pela redondeza da Terra até às Molucas. Um piloto ofendido era um homem perigoso. O rei foi devidamente prevenido e Diogo Botelho foi encarcerado no castelo de Lisboa.
Este jovem seria talvez o primeiro europeu de pai e mãe, que nascera na Índia. Era filho de António Real, capitão de Cochim, principalmente conhecido por ter sido caluniador de Afonso de Albuquerque. A mãe foi uma certa Iria Pereira, trazida por António Real à Índia em 1505. Lá, Iria enriquecera-se à custa de António Real ou de outros protectores ignorados – e criara o filho «com muita vaidade»
O rapaz era esperto. Tinha paixão pelas coisas do mar e pela ciência náutica. Para isto Cochim não era má escola. Podia conviver com os melhores pilotos, que se empregavam na carreira da Índia. Consta também que aprender com um frade dominicano, que «lia e ensinava o tratado da esfera», e mercê do qual «se fez mestre esférico». Tanto que desenhou um grande mapa-mundi, que trouxe para Portugal a fim de oferecê-lo ao jovem rei D. João III.
Todo o piloto e cartógrafro era bem recebido na corte portuguesa. Diogo Botelho teve muitas conversas com o soberano, que o tratou com assinalado favor, o que lhe subiu um pouco à cabeça. Esquecido da obscura origem, atrevera-se a pedir a capitania de Chául, com o resultado que já se viu.
Tinha amigos, que conseguiram a sua liberdade e levasse o vice-rei D. Vasco da Gama, consigo, à Índia, em 1524. D. Vasco apreciava a sua qualidade de piloto, mas tinha cuidado de abater-lhe a presunção: «Todos os homens que são muito pilotos tem fantasias de doudos», disse, e «vós, Diogo Botelho, por isto perdestes». Que tomasse juízo e se emendasse, porque «El Rey vos fará mercê e eu vo-la farei».
Curtindo as dores do orgulho lacerado, Diogo Botelho desembarcou na terra natalícia. Voltava como degredado banido do reino, e o que mais o humilhava era a desonra de ser tratado como suspeito de traição.
Diogo Botelho, altivo e destemido, jurou cometer algum feito espectaculoso – inaudito, que, demonstrando simultâneamente a sua perícia de piloto, convencesse da sua fidelidade inconcussa.
Proibiram-lhe que voltasse a Portugal, mas voltaria! Voltaria numa embarcação tão pequenina, que a todos havia de parecer impossível atravessar nela o oceano. Ver-se-ia assim como ele podia, se quisesse, navegar para França, Castela ou algures, e como de livre vontade se mantivera fiel a Portugal.
Qual o pretexto para tal acto de desobediência? Iria como portador de boas novas. Quem traz notícias agradéveis não é castigado. Diogo Botelho aguardou oportunidade até 1535, quando o governador Nuno da Cunha obteve enfim do rei de Cambaia a desejada licença para levantar uma fortaleza em Diu. Eis uma nova que Diogo Botelho podia transmitir antes de mais ninguém, se fugisse da Índia numa fusta!
Num esteiro escuso de Cochim, defendido dos olhares curiosos por cerca fechada, Diogo Botelho construiu a fusta – pequena embarcação chata de remo e vela. Deu-lhe 22 palmos de comprido por 12 de largo, fez-lhe uma coberta de popa à proa e «quatro fermosos tanques para água». Acabada a fusta, levou-a de Cochim para Baçaím, e lá recrutou tripulação: uns cinco – outros dizem oito – portugueses, além dos escravos para remar. A ninguém revelou o fim em vista. Iam juntar-se à armada do Governador, em Diu, foi o que propalou.
Deixando a fusta em Baçaím, Diogo Botelho deu uma saltada a Diu, para ver bem a fortaleza em construção. Observou, apontou, tirou medidas sem chamar a atenção, e finalmente, em segredo, desenhou a planta da obra.
O tempo apertava. Em Diu o Governador equipava uma caravela, para levar a boa nova ao rei. Diogo Botelho chegou apressado a Baçaím. Tinha de partir já para Chául, anunciou. Levava um recado urgentíssimo do Governador!
A fusta largou em Novembro de 1535. Chául fica perto de Baçaím. Porque então, perguntou o comitre, haviam de afastar-se tão longe da costa? Chegara o momento de desvendar o mistério. Rebelar-se-iam os homens? Com a espada na mão, Botelho revelou o seu intento. Iam ao reino com uma mensagem de grande alegria para o rei, que havia de fazê-los a todos muito ricos. Entretanto, Botelho pagou cem pardaus de ouro a cada um, prometendo que quem quisesse podia ficar em Melinde. Eram todos aventureiros pobres, não tendo senão as vidas para perder, que pouco estimavam. Vamos então para o reino!, concordaram.
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Fusta
Embarcação estreita de remos e vela, do género da galé, mas mais pequeno, muito usado no tempo das Descobertas. Tinha borda direita e proa de beque longo, armado de esporão. Pelas suas dimensões reduzidas e pequeno calado, podia navegar em águas pouco profundas e muito junto à costa. Tal como as galés, tinha uma capacidade de manobra bastante boa, pois não estava dependente apenas do vento. Possuía um a três mastros; o traquete com vela redonda, e o grande e a mezena ou artimão com velas bastardas triangulares. Armava com 3 a 5 remos por bancada, com 15 a 30 bancos de remadores. Tinham tendal à popa, sobre o qual se montava toldo, e alguns paveses pela borda. Possuía um ou dois pequenos canhões na proa. Sendo de comprimento relativamente longo, até uns 25 m, e de insignificante pontal, não podiam ter coberta, arrumando-se a aguada debaixo da xareta, e os mantimentos em paióis volantes à amurada. A ré e avante tinham chapitéu e castelo parecido com o das fragatas da navegação fluvial.
A fusta foi muito utilizada no Mediterrâneo pelos corsários do Norte de África e em Portugal já no reinado de D. Afonso Henriques, para o comércio e para a guerra. Os árabes chamavam-lhe falucho. No Oriente as fustas eram construídas no arsenal de Goa e noutras praças, sendo muito usadas pelos portugueses.
Continua...

sexta-feira, 27 de maio de 2022

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Conferência do Seminário do Mar
30 de Maio
"ANTÁRTIDA - OPERANTAR XL"

domingo, 15 de maio de 2022

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Conferência do Seminário do Mar
16 de Maio
"A (in)dependência energética da Europa
The Iberian Southern Gas Corridor"


sexta-feira, 29 de abril de 2022

Marinha do Brasil


O navio-escola "Almirante Saldanha"
O navio numa das visitas a Lisboa
Foto de autor desconhecido

Navio construído pelos estaleiros Vickers Armstrong, em Barrow in Furness, Inglaterra, cuja quilha foi batida em 11 de junho de 1933, sendo lançado ao mar em 19 de dezembro de 1933. Foi entregue ao Governo brasileiro em 11 de junho de 1934 e teve como madrinha a Sra. Darcy S. Vargas, representada pela embaixatriz Régis de Oliveira.
Recebeu o distintivo visual NE1, posteriormente alterado para H10. Primeiro navio com o nome de “Almirante Saldanha” homenageia o Contra-Almirante Luiz Philippe Saldanha da Gama, nascido em Campos de Goitacazes (RJ) e morto a 24 de junho de 1895, em Campo Osório, no Rio Grande do Sul. 
Destacou-se na Guerra do Paraguai e no comando de vários navios.
O Contra-Almirante Arnaldo Siqueira Pinto da Luz, quando Ministro da Marinha conseguiu do Congresso Nacional brasileiro os créditos necessários à construção de um navio-escola, mas em consequência da Revolução de 1930, não conseguiu a realização do projeto durante sua gestão. O presidente Getúlio Vargas no dia 7 de setembro de 1931 a bordo do couraçado “São Paulo” assinou o decreto autorizando a aquisição de um “navio-escola, de conformidade com as especificações, planos e mais estudos previamente organizados.
Assim, o contrato para a construção do navio foi assinado no dia 7 de janeiro de 1933, a bordo do navio auxiliar “Vital de Oliveira”, sendo na mesma ocasião escolhido o nome de “Almirante Saldanha”, destinado a viagens de instrução. No projecto, o navio teria propulsão à vela e seria provido de um motor diesel auxiliar, devendo ser construído de acordo com as necessidades e exigências dos serviços da Marinha brasileira, como consta das especificações, planos e arranjos gerais.
As suas características principais eram 80 metros de comprimento entre perpendiculares; 90 metros de comprimento total (excluído o gurupés); 13 metros de boca; 8,63 metros de pontal (tomado à meia, do comprimento, da parte interna da barra da quilha à parte superior do vão da tolda na borda); 6,71 metros de calado médio em plena carga; 3.800 toneladas de deslocamento; 11 milhas de velocidade com o motor; 300 toneladas de capacidade total de óleo; raio de ação com o motor de 15.000 milhas e superfície vélica de 2.600 m2.
O armamento do navio constava de quatro canhões de tiro rápido Armstrong de 4 polegadas, montados em reparos duplos, quatro canhões de 47 mm para salvas, uma metralhadora antiaérea de 0,5 polegada, um canhão antiaéreo de três polegadas; um tubo torpédico de 21 polegadas Weymouth, um canhão de 75 mm para desembarque e uma metralhadora Hotchklss de 7 mm.
O navio foi construído em aço, sistema transversal com proa lançada e popa elíptica e mastreação de escuna de quatro mastros, envergando pano redondo no mastro do traquete, velas latinas quadrangulares, velas de proa, gaff-tops e velas de estai dentre mastros. A máquina propulsora, a meio navio, constava de um motor diesel, dois tempos, 1.000 Hp de potência com todas as auxiliares necessárias.
Para produção de água doce e serviços auxiliares, o navio era equipado com uma caldeira cilíndrica de 200 cv com capacidade para suprir vapor a uma bomba de serviço geral, aos destiladores, etc. O navio possuía castelo e tijupá com agulha-padrão, diretoscópio, aparelhamento de direção de tiro, passadiço com holofotes nas extremidades, casa de governo com camarim de navegação e estação de rádio, suportes das embarcações, tombadilho e tolda.
Existiam no navio acomodações para o comandante e os oficiais, secretarias dos diversos departamentos e estação transmissora de radiotelegrafia, superestrutura com a secretaria do pessoal, pequenos paióis, cozinhas, lavanderia e padaria.
Por baixo do convés do castelo ficavam as acomodações para os suboficiais, arranjos sanitários para os mesmos e guarnição, açougue, etc. Na primeira coberta ficava as acomodações para os oficiais, praça d'armas, banheiros e aparelhos sanitários, refeitório dos guardas-marinha, alojamentos para os mesmos, sala de leitura, banheiros, enfermaria e profilaxia dos mesmos. Na primeira coberta tinha ainda a sala de operações, farmácia, secretaria do serviço de saúde, sala de curativos, gabinete dentário, coberta da guarnição e sala de leitura, alojamento para suboficiais, refeitório e copa.
A segunda coberta compreendia paióis, rouparia dos guardas-marinha, câmara e paiol da frigorífica para carne, legumes, peixe, frutas e laticínios, paiol de torpedos, de mantimentos, coberta de sacos da equipagem, baterias de acumuladores, barbearia e alfaiataria, coberta da guarnição e paiol do mestre. Os espaços dos porões compreendiam tanques de aguada, de combustível, sobressalentes, munição, compartimentos de colisão, tanques de equilíbrio, etc.
Seu primeiro comandante foi o Capitão de Fragata Sílvio de Noronha, nomeado a 30 de novembro de 1933, que fiscalizou o final das obras. O seu custo foi de 314.000 libras.
No dia 30 de maio de 1934, embarcaram no Rio de Janeiro para a Inglaterra a tripulação do navio e os guardas-marinha, que deviam fazer a primeira viagem de instrução. Eram em número de 40 e compunham a guarnição de 1933. A bordo foram ainda embarcados 16 segundos-tenentes e quatro académicos civis, dois de direito e dois de medicina. Zarpou de Barrow in Furness, Inglaterra para a primeira viagem de instrução no dia 7 de julho de 1934, chegando em Portsmouth, Inglaterra no dia 9.
Seguiu para Cherbourg na França e partiu para o Havre, também naquele país. Aportou em Lisboa, Barcelona, La Spezia e Las Palmas. Depois do percurso pelos portos europeus, chegou ao Brasil passando por Fernando de Noronha, Salvador e Vitória, fundeando no Rio de Janeiro no dia 24 de outubro de 1934, depois de ter navegado 8.800 milhas, das quais 1.720 à vela. Ao chegar, foi franqueado ao público. Pelo Aviso no 3.194, de 1o de novembro de 1934, ficou subordinado à Directoria do Ensino Naval.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Instituto de Socorros a Náufragos


130º Aniversário
A legislação
Para um melhor entendimento do aniversário, celebrado nesta data na Póvoa de Varzim, correspondente aos 130 anos do Instituto de Socorros a Náufragos, temos de recorrer à Carta Régia de D. Carlos e Decreto-lei datado de 21 de Junho de 1892, tendo a Rainha D. Amélia chamado a si a presidência e a ela se ficando a dever as bases do novo organismo.
Deixou o Instituto com 31 barcos salva-vidas, dois dos quais com motor, 61 porta-cabos, 2 equipamentos porta-cabos sem viaturas e 7 espingardas lança linhas, além de diverso material espalhado pelas Estações de Socorro e 2.727 cintos de salvação, entregues às Autoridades Marítimas, para serem distribuídos, gratuitamente, pelos pescadores pobres.
Ainda no decorrer desse mesmo ano, a Marinha propôs ao Governo novas directrizes de actuação no meio marítimo, que foram aceites, consolidadas e publicadas no Diário do Governo Nº 282, de 13 de Dezembro de 1892, sobre este mesmo assunto, no Capítulo IV; Dos capitães dos portos e suas atribuições, com o seguinte teor:
Artigo 9º - Prestar auxílio e socorro às embarcações em perigo, encalhadas ou naufragadas na área da sua jurisdição, empregando para isso os meios de que puder dispôr, envidando todos os seus esforços, principalmente para a salvação de pessoas, para o que lhe será permitido empregar a gente marítima e as embarcações da respectiva localidade, bem como lançar mão de todos os recursos que lhe possam fornecer os navios de comércio, nacionais, fundeados no porto. Na ausência da autoridade fiscal e sanitária, procurará, quanto possível, evitar a transgressão dos respectivos regulamentos.
a) A despesa com o pessoal e com o material que não pertença ao Estado, e tiver sido empregado em acudir a náufragos ou embarcações em perigo, será, quando não houver ajuste prévio ou tabela reguladora de serviços, estimada ou avaliada pelo capitão do porto, e paga pelos proprietários, capitães ou consignatários das embarcações socorridas ou ainda, conforme as circunstâncias e sob proposta do chefe do Departamento, pela fazenda Nacional.
b) Se o material empregado pertencer ao Estado será somente paga a quantia equivalente ao dano ou deterioração que houver sofrido, sendo a respectiva importância entregue, acompanhada da competente guia, no cofre da fazenda; isto quando fôr julgada devida, atento às circunstâncias que ocorrerem.
c) Na área da capitania do porto de Lisboa, pertence ao Arsenal de Marinha prestar, pelos meios ao seu alcance, imediato socorro aos navios ou embarcações em perigo; e para o que tanto de dia como de noite um dos ajudantes de serviço ao mesmo Arsenal, estará sempre pronto a desempenhar qualquer serviço no mar e a providenciar, fora das horas do expediente da repartição, sobre qualquer ocorrência ou sinistro no porto, como determina o artigo 250º do decreto de 14 de Agosto de 1892.

Assim se explica a excelente criação dum serviço, que utilizou esta legislação até 1954, amparada pelo Estado, tendo como Inspetor um oficial General, ou superior da Marinha, normalmente da Reserva da Armada. Só depois de 30 de Junho de 1954, como consequência de um estudo muito bem elaborado pelo então Inspetor do I.S.N., o Ministro da Marinha em exercício, Almirante Américo Tomás, exarou o seu Despacho Nº 180, em que afirmava afigurar-se-lhe que se fizesse uma reforma dos serviços do Instituto, antes de se atacar o importante problema do reapetrechamento em material e meios de salvação.
Daí surge o Decreto-Lei Nº 41.279 de 20 de Setembro de 1957, passando o Instituto a constituir um organismo do Ministério da Marinha, com autonomia administrativa, passando desde então a funcionar na dependência directa do Diretor Geral de Marinha, norteando-se pelos seguintes propósitos:
a) Prestar socorros a indivíduos que naufraguem no litoral e rios da Metrópole;
b) Prestar assistência a banhistas, nas praias de banhos marítimas e fluviais, durante as épocas balneares;
c) Propagar os princípios e processos tendentes a salvar a vida dos navegantes em perigo;
d) Estudar as causas dos sinistros marítimos e as medidas a pôr em prática para lhes restringir o número;
e) Prestar os primeiros socorros pecuniários aos náufragos pobres e às famílias necessitadas;
f) Recompensar, monetária e honorificamente, os atos de salvação marítima ou fluvial, de socorros a socorros a náufragos e de filantropia e caridade;
g) Conceder pensões a indivíduos que se inutilizarem, temporária ou definitivamente, no serviço de socorros a náufragos;
h) Conceder pensões a pessoas das famílias dos indivíduos que morrerem no serviço de socorros a náufragos, quando esses indivíduos forem o seu único amparo.
O novo salva-vidas "Cego do Maio"
Como exemplo, que tem tido continuidade ao longo dos anos, deve ser mencionada e aplaudida a renovação de meios ao dispôr das diversas estações espalhadas pelo país, tal como aconteceu durante este aniversário com a entrega do novo salva-vidas "Cego do Maio", para operar na Póvoa de Varzim.

Mas porque durante anos e anos, foi um trágico e doloroso salve-se quem puder, aproveito para proceder ao mais sincero elogio de algumas personagens identificadas, ou anónimas, que representaram um grupo de pessoas credoras duma extraordinária coragem e abnegação, prontas e dispostas a dar a vida pelos seus semelhantes.

12 de Novembro de 1876
O naufrágio da barca norueguesa “Chanticleer”, em Sesimbra
Pelas 9 horas da manhã do dia 12, naufragou no sítio do Cabo de Ares um navio norueguês, com carregamento de madeira e 10 pessoas de tripulação, morrendo o capitão e outro tripulante.Nada se salvou da carga. Os tripulantes que sobreviveram, havia dois dias que não comiam e estavam quase nús.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 16.11.1876

A barca norueguesa naufragada em Sesimbra chama-se “Chanticleer”. Era seu comandante M. Blissing. Seguia de Wiborg para Cette e conduzia carga de madeira. Dos seus 10 tripulantes estavam salvos 8. Não apareceu o corpo do comandante, mas há esperança de que se pudesse ter salvado na concavidade da rocha, onde não é possível ir por causa do tempo. Quem sabe se poderá vir a morrer de frio e de fome?!
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 17.11.1876

A caridade, que pertence a todas as religiões, não é atributo exclusivo dum povo, como não é o valor, nem a bravura, nem nenhuma dessas altas qualidades que exaltam e enobrecem o homem. Eis a descrição do terrível naufrágio e a história dos actos de valor praticados, por uns poucos de bravos:
Foi na manhã de 13. O navio vinha com água aberta e sem mantimentos. Havia dois dias que os tripulantes não comiam. O mar era de vaga alterosa e o vento soprava rijo. O temporal açoutava o oceano com fúria insana e tornava inacessível a costa em todos os pontos, quando a tripulação, já sem forças para lutar por mais tempo, sentia o navio a submergir-se. De longe viam-se aqueles dez homens numa agonia enorme a suplicar o socorro do céu, por julgarem impossível o dos homens.
O capitão e mais três tripulantes arremessaram-se às ondas; mas a bordo ficavam ainda seis inteiramente abatidos pela fome e pela fadiga. Por entre os penhascos da margem corriam a presenciar aquela aflição, procurando em vão acudir-lhe, grupos de pescadores. Se eles pudessem ao menos lançar um cabo aqueles desgraçados! Mas a distância era longa e não havia força de braço que a vencesse. Lembraram-se dum meio: atirar um cordel amarrado a uma pedra; tentaram-no repetidas vezes, mas a pedra impelida pela força do vento caía na água; não chegava a bordo e o navio ia-se embebendo no abismo.
Então chegou a vez de fazer a tentativa um dos valentes daquelas companhas. Era Manuel da Silva «o Matuto», já experimentado em audácias semelhantes. Manuel tomou a pedra, fixou o alvo, ergueu o braço e arremessou o projectil com o maior impulso da sua força muscular e um grito de alegria saiu de todas as bocas; a pedra enfim caíra a bordo. Os aflitos náufragos agarraram-na com sofreguidão e amarraram um cabo ao cordel, que foi logo alado de terra pelos pescadores. Estava estabelecido o vai-vem. Os seis desgraçados agarraram-se a ele na ansia de quem salva a vida na crise suprema e partem de bordo, sulcando as vagas.
Mas já quase chegados aos penedos da margem, o navio afunda-se e o vai-vem perde o apoio de bordo. Novo e iminente perigo. Então o «Matuto» tocado por um febril entusiasmo que produz os grandes heroísmos, atira-se ao mar. Nada, braceja fortemente e consegue segurar o primeiro dos seis homens, nadando com ele para terra e rebocando os demais. Mas a luta era superior às forças e à coragem daquele Hercules.
Iam então morrer todos os sete ali a poucos palmos de salvamento, sem que nada pudesse valer-lhes? Não. As acções generosas criam nobres estímulos. Outro bravo das companhas da costa João Gomes «Casado», joga a sua vida sobre a sorte dos outros sete. Atirou o corpo para cima das montanhas líquidas, no dorso das quais flutuavam já quase mortos os sete infelizes. Conseguindo agarrar valentemente o primeiro daquela enfiada humana, pode, ao fim de alguns minutos, firmar o pé em terra e pô-los a todos a salvo. Não se descreve a alegria daquela boa gente ao saudar, na sua linguagem rude e verdadeiramente fraternal, esta bela e heroica vitória.
A alguma distância dos lugares que serviam de cena a este dramático episodio, passava-se um lance mais extraordinário ainda deste doloroso drama marítimo, lance que constitui uma situação talvez nova nos tão variados anais dos naufrágios nas costas de Portugal. O capitão e outros 3 marinheiros haviam-se lançado ao mar, como dissemos; o primeiro dos marinheiros que havia acompanhado o seu capitão, não conseguiu vencer a fúria das ondas, abaixara a exalar aos seios do abismo os últimos alentos. O capitão lutava ainda, rasgadas as carnes e o fato pelas pontas das rochas. Ia também entregar a vida aos despotismos do oceano, seguir na morte o misero companheiro. Mas a providência divina velava por ele.
No alto de um rochedo encarpado, que se ergue a prumo por entre as águas, estava, mirando o espectáculo tremendo do naufrágio, um pobre pastor, o José Vitorino. O pastor vira saltar de bordo o capitão e o outro marinheiro; observara cheio de aflição a luta enorme dos dois náufragos, contra o poder dos elementos enfurecidos; doera-lhe a alma e estremecera-lhe o coração, ao ver afundar-se já moribundo o pobre marinheiro e tremera-lhe a ideia que o capitão ia ter igual sorte. Nisto, tomado de uma inspiração superior, mirou a voragem que se erguia aos pés e cego, alucinado pela sua própria aflição, ofereceu o seu corpo em sacrifício à providência pela salvação do desgraçado capitão norueguês.
Nunca ninguém descera pelas escarpas da rocha? Seria ele o primeiro! Deixou-se escorregar de ponta em ponta, de cavidade em cavidade e baixou como um ser fantástico ao amago da voragem. Na ponta da última pedra formou o pulo, deitou-se às águas, nadando para o náufrago, agarrando-o tendo seguido para as cavidades da rocha. O pastor portara-se como um herói. O capitão que perdera já os sentidos, tinha o corpo crivado de feridas e o fato todo despedaçado.
José Vitorino amarrou-lhe os pés com a sua cinta, mas agora era preciso subi-lo para o alto do penhasco. Dois pescadores apareceram a querer coadjuvar esta nobilíssima acção. Eram o António Lopes e o Jerónimo António. Os três sob pesaram o corpo inerte do náufrago e fizeram uma ascensão de gigantes, por entre a eriçada fraga. Lá em cima, vestiram com a sua roupa o capitão e José Vitorino que uma segunda vez lhe dera a vida, deu-lhe todos os extremos da sua dedicação sublime.
Os outros dois marinheiros que se tinham lançado ao mar com o capitão, lutavam também com as ondas e a morte, quando porém, por sua vez, lhes apareceu um anjo salvador. Era o pescador António Francisco, que não quis, que não pode deixar de mostrar que aqueles nobres heroísmos são partilha dos pescadores da costa de Sesimbra.
O sr. Administrador do concelho de Sesimbra recomendou estes bravos à munificência régia.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 19.11.1876
Mercês honoríficas
Foram concedidas algumas mercês honoríficas e estrangeiras e a medalha de prata aos valentes Sesimbrenses, que com risco de vida salvaram os náufragos do navio norueguês, que foi a pique na costa de Sesimbra. Eis mais uma vez os seus nomes:
Manuel das Dores, José Victorino, Manuel da Silva «Matuto», António Francisco, José Gomes «Casado», António Lopes e Jerónimo António.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 2.12.1876

quarta-feira, 23 de março de 2022

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