quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Porto - A cidade e o rio


É sempre bom saber

Através das páginas do Tripeiro, Vol. V, Nº 1 de Janeiro de 1986, que estive a reler recentemente, encontrei uma nota sobre a cidade e o rio, que julgo ser da maior oportunidade para finalizar a série de posts sobre o mesmo tema. Escreveu João Pereira Baptista Vieira Soares um manuscrito em 1845, onde descreve com detalhe e a ironia da época, aspectos pitorescos sobre a cidade, dos quais seleccionamos os seguintes:

§ 28º - A barra da Foz do Douro ainda é muito perigosa como d'antes era. Pouco, ou nenhum melhoramento hão produzido as quantiosas somas gastas com ela. Já se mandou pela Portaria de 7 de Dezembro de 1837, pôr a concurso o plano das obras da barra. Nós estamos certos que se elas tivessem sido confiadas a alguma empresa nacional, ou estrangeira, já há muito tempo se gloriava a Invicta Cidade de ter uma barra de fácil entrada e saída para os navios mercantes e até para os vasos de guerra. Mas por fatalidade em 15 de Fevereiro de 1799 foi cometida à Junta da Companhia das Vinhas do Alto Douro a inspecção das obras da barra; e atendendo às grandes contribuições aplicadas para elas, podemos com segurança afirmar, que se desperdiçarão milhões de cruzados. Eis o fatal resultado das Administrações. Proscriptas sejam elas do nosso país. Sempre foram consideradas entre nós morgados, ou benefícios colados para os Administradores: a experiência o tem mostrado desgraçadamente.
(Pela Portaria de 3 de Março de 1838 mandou o Governo formar o programa para a construção de um molhe, que nas ocasiões de temporais sirva de abrigo às embarcações que aportarem à barra do Douro. E a Portaria de 11 de Junho de 1839 estranhou a fatal demora de se formar o dito programa. O certo é que tal molhe ainda não se fez e muito útil seria que se fizesse. A proposta para o melhoramento da barra foi aprovado pelo Decreto de 13 de Agosto de 1844. O empresário era Jacinto Dias Damazio por escritura de 6 de Março do dito ano, e fiador o Conde de Farrobo. Ficou sem efeito a proposta e o decreto).

Valeu a pena esperar! O molhe está quase pronto...

§ 29º - Também temos experimentado ser desnecessário, e assaz prejudicial o lugar de Piloto Mór da Barra. Outrora, à sombra dos Governos corrompidos da Cidade, ele a fazia mui dificultosa por seu interesse particular; de sorte que nenhuma embarcação saía, nem entrava, senão quando ele muito bem queria. Era o Piloto Mór um verdadeiro e temível régulo, e ao seu capricho, orgulho e ambição estavam sujeitos os donos, caixas e capitães dos navios; e por consequência padecia o Comércio e o Público. Navio houve que andou meses fora da barra sem o deixarem entrar. E para se evitarem estas e outras violencias e despotismos, seja em todo tempo livre a cada proprietário, ou consignatário, ou capitão de navio escolher Piloto aprovado, e da sua confiança, sem que o Piloto Mór se intrometa na saída, ou entrada das embarcações. Hajam por tanto bons e experimentados Pilotos da barra; mas nunca um Piloto Mór com tal e tão danosa ingerência.
(Os nossos maiores fizeram construir a Torre da Marca para servir de baliza aos mareantes; porém arruinou-se pelo decurso dos anos, e o Governo pela Portaria de 31 de Janeiro de 1839 mandou reedificá-la, autorizando a Comissão Administrativa d'Alfandega para proceder à reedificação. Até hoje nada se fez).

Genial !!! Assim foi no Porto. E Viana ? E Aveiro ? E na Figueira ?
Quanto interesse, quanta vontade, quanto tempo ?...

1 comentário:

Rui Amaro disse...

Caro Reimar
O tal Senhor piloto-mor era mesmo um “mauzão” e se calhar “arranjista”! Olha se o Guterres e o Cravinho fossem desse tempo, o homem não se safava, consideravam-no logo como pertencendo a uma “seita de malfeitores” e morria condenado a trabalhos forçados nas colónias. Se calhar era piloto grevista!
Navios andarem meses e meses ao largo da barra a aguardar entrada, era mesmo demais. Antes da guerra de 1939/45, navios houveram, que não tendo água suficiente na barra do Porto, aguentaram à volta de 15 dias fora da barra e com piloto embarcado, mas não era por vontade do piloto-mor, era devido às circunstancias da barra dessa altura ser problemática. Agora recue-se até aos anos 30 do século XIX, ainda era mais perigosa. Hoje, ali junto da barra, apreciando o que ela era assoreada, cheia de escolhos, sem qualquer quebra-mar (estariam em construção, levaram anos e anos a ser concluídos, devido às lutas civis, que grassavam no país).
Aqui na barra do Porto, quando havia um acidente, os pilotos da barra é que eram os “maus da fita”, eram sempre os culpados. Foi nos desastres do Porto, Deister e muitos mais, nem que o piloto-mor, em ocasiões de mar na barra, águas de cima e barra assoreada, dessem movimento à barra de ânimo leve. Era realizada consulta entre todos os pilotos disponíveis, após uma aturada avaliação da situação. E, então os jornalistas, com a mania de questionar a primeira pessoa que lhes aparece, não o fazendo com profissionais, relatam logo asneira.
Março de 2005, dois navios flúvio-oceanicos, de pouco calado, estiveram retidos cerca de uma semana, sem possibilidades de saída, devido ao estrangulamento e assoreamento, quase de margem a margem e os nossos experimentados pilotos viram-se e desejaram-se para dar movimento à barra.
Nessa ocasião, os opositores à construção dos actuais molhes, reclamavam que a barra chegara àquela situação devido aos novos molhes, cuja obra ainda estava no inicio. Francamente!
Saudações marítimo-entusiásticas.
Rui Amaro