sábado, 8 de agosto de 2015

Memorativo da Armada


O patrulha "Porto Santo"
Assistência no mar e vigilancia costeira

Imagem do navio-patrulha "Porto Santo"
Desenho de Luís Filipe Silva

Foi apresada, nas Selvagens,
uma embarcação com contrabando
Funchal, 8 - Uma embarcação com contrabando foi apresada nas Selvagens, pelo navio patrulha “Porto Santo”, em missão de serviço na Madeira. Trata-se de um barco denominado “Palo Azul”, comandado por Juan Rodriguez, de 43 anos, que interrogado, disse ter estado em Lisboa em Novembro de 1954.
A embarcação apreendida vinha de Tanger, com uma carga de 60 toneladas. Da tripulação, composta por mais quatro homens, consta um português.
(In jornal “Comércio do Porto”, segunda, 9 de Fevereiro de 1959)

Por uma questão de proximidade, já no dia anterior a notícia tinha vindo publicada no Jornal da Madeira, com o seguinte texto:

1ª página do Jornal em questão

Foi aprisionada anteontem, nos mares das Selvagens pelo
patrulha “Porto Santo” uma embarcação costa-riquenha
O patrulha “Porto Santo” sob o comando do oficial José Paulo da Costa Santos, que esteve no Funchal, fez-se ao largo quinta-feira passada e a bordo levava um botânico inglês que desejava colher elementos científicos, na ilha Selvagem Pequena, onde desembarcara acompanhado dum marinheiro do patrulha e ali ficara, enquanto este foi até à Selvagem Grande.
Ontem, cerca das 18 horas, o marinheiro e o estrangeiro viram aproximar-se uma embarcação de nacionalidade desconhecida e logo se esconderam a fim de não despertar as atenções dos estranhos, enquanto a patrulha voltava, aproximadamente nessa hora, conforme o estabelecido.
Em dado momento a referida embarcação fundeou, distanciada a cerca de 50 metros do litoral. Fez descer um pequeno bote com dois tripulantes, que logo começaram a analisar a costa da ilha.
Nesta altura, surge o patrulha “Porto Santo” e o marinheiro e o estrangeiro puderam denunciar ao patrulha a presença de estranhos. Depois o patrulha intimou o desconhecido a identificar-se, tendo este logo hasteado a bandeira da Costa Rica e chamar-se “Palo Azul”.
Entretanto num gasolina do patrulha dirigiram-se ao “Palo Azul” três praças e um sargento, sob o comando do oficial Duarte Costa. A bordo, após as formalidades da praxe, realizou-se a busca, tendo sido encontrada alguma carga indocumentada.
O “Palo Azul” com as três praças e o sargento tiveram de vir para o Funchal, escoltado pelo patrulha para onde, em momentos antes, regressara o oficial Duarte Costa acompanhado do capitão do “Palo Azul”, chegando ao Funchal cerca das 17 horas.
As autoridades locais que previamente haviam sido informadas, do bordo do patrulha acerca do sucedido, compareceram a bordo. Depois das formalidades requeridas, a tripulação e a mercadoria indocumentada deram entrada na Alfandega do Funchal, onde se procedeu à instauração dum processo iniciado com o auto levantado e apresentado pelo comandante do patrulha “Porto Santo”, 1º tenente José Paulo da Costa Santos.
O “Palo Azul” trazia como capitão Juan Venceslau Rodriguez; 1º motorista Belgeiveis, natural da Letónia, de 43 anos de idade, que diz ter estado em Lisboa há cinco anos, no mês de Novembro, durante três dias, como passageiro a bordo do navio britânico “Lenabee”. Residia há dez anos em Tanger, onde deixou mulher e filhos. Falava corretamente o inglês e o espanhol, além da sua língua natal; 2º maquinista Domingo Martinez, natural de Reynes, Vila Carla, Baleares, de 26 anos; um marinheiro Miguel Gomez, natural de Valleres, Espanha, de 35 anos e o cozinheiro Miguel Castilho, natural de Tanger, de 42 anos de idade. Estava ainda a bordo um português, que apenas se sabe chamar-se Manuel, natural de Olhão.
O navio procedia de Tanger e seguiam para a África Central. Eram 9 os volumes de mercadoria encontrados. A embarcação é de 60 toneladas e tem a velocidade máxima de 9 milhas e a mínima de 5.
(In “Jornal da Madeira”, Domingo, 8 de Fevereiro de 1959)

Para aquilatar com segurança dos factos noticiados, foi auscultada a opinião do distinto comandante Francisco Duarte Costa, que recorda este acontecimento com a nostalgia dos anos passados em serviço na Armada, como segue:
«Naquele ano a Marinha decidiu reativar as comissões dos Patrulhas na Madeira e destacou para esse efeito o PC “Porto Santo”, onde embarquei como 3º Oficial.
Algum tempo depois de termos chegado, numa saída para patrulha e fiscalização das águas do Arquipélago que nos levou às Selvagens, fomos encontrar fundeada uma embarcação de aspecto indefinido, um misto de embarcação de pesca e de carga, pintada de uma cor acinzentada. O aspecto e a situação levantaram suspeitas da sua actividade e Comandante mandou-me a bordo para a inspecionar.
Os seus papéis não estavam em ordem e não tinha manifesto de uma pequena carga estivada a bordo que parecia ser o resto de um transbordo de contrabando que teria ficado para os tripulantes.
Em face da situação o foi decidido apresá-la e comboiá-la para o Funchal. Entretanto após comunicar com a Capitania, que por sua vez contactou as autoridades judiciais, todos deram o seu acordo à acção do comandante.
Chegados ao Funchal a embarcação foi entregue às autoridades mas, como nota da eficiência da organização a que pertencia, já tinha no cais um advogado para sua defesa, pois “parada estava a causar prejuízo”!
Passado muito pouco tempo a Marinha, segundo constou, fez uma revisão do seu dispositivo e decidiu retirar o “Porto Santo” da Madeira e enviá-lo para os Açores. Nada nos tinha feito prever essa alteração e foram-nos dados muito poucos dias (+/-3) para resolver toda a situação administrativa, que naturalmente nos ligava a terra, dada uma previsão de comissão de alguns meses.
Lembro também uma curiosidade da época, relacionada com a chegada dos navios da Marinha para comissão na Madeira, um responsável do Marítimo (se a memória não me falha) ia a bordo ver se havia “habilidosos” para jogar na equipa. Nos navios encontrava-se muitas vezes pessoal que tinha jogado no clube da sua terra e lá ficava o “Marítimo” com uns reforços, quando o serviço o permitia. Estávamos muito longe “dos ronaldos e das transferências milionárias”!
Um apontamento final:
- Quanto à embarcação parece-me que pagou uma multa e lá foi “à sua vida”. Possivelmente não será difícil encontrar a história da sua “passagem forçada” pelo Funchal nos Arquivos Judiciais.»
Estamos muito gratos ao digníssimo comandante Francisco Duarte Costa, pela partilha de informações relacionadas com este episódio, acreditando tenha saído diretamente de um extenso rol das histórias de vida e de bons momentos, no cumprimento das suas funções, que certamente lhe deixaram saudosas recordações.

Sem comentários: