segunda-feira, 27 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLXIV)


O naufrágio do iate "Glória de Portugal"

Naufrágio
Por comunicação telegráfica dirigida à alfândega do Porto, soube-se que ante-ontem às 3 horas da tarde, naufragara ao sul da barra de Aveiro o iate “Glória de Portugal”, procedente de Sevilha em lastro. A tripulação foi salva. Este barco pertencia à praça de Aveiro e era propriedade do sr. António Pereira Júnior.

Aveiro 3 – Mais um naufrágio teve ontem lugar à entrada do porto desta cidade. Pouco depois do meio-dia foi avistado fora da barra e à distância de muitas milhas um navio com bandeira arvorada no mastro da ré. Pelas manobras que fazia dava a entender que desejava entrar no porto. A pilotagem da barra recusou-se, com justíssimo motivo, a levantar bandeira de assentimento porque o estado do mar era temível, a rebentação furiosa e o perigo certíssimo.
Apesar disso o navio cada vez mais se aproximava de terra, notando-se que trazia a bandeira amarrada em sinal de socorro. Incessantemente da torre respectiva os práticos faziam sinal para que o navio navegasse para norte. A nada parecia obedecer.
Pelas 2 horas foi-lhe disparado do forte um tiro de peça, a que não correspondeu. Às 3 horas e um quarto, já quando o navio se aproximava do banco, foi disparado um segundo tiro. De proa à terra, e sobre enormes vagalhões de um mar encapeladíssimo, o débil baixel tentava a todo o transe galgar o banco.
Testemunha presencial de todas estas peripécias, achávamo-nos por acaso sobre a extremidade do molhe da barra, junto ao oceano, ao lado do sr. Duarte Pinto Basto, ilustre director da fábrica da Vista Alegre.
Seriam 3 horas e meia quando o navio se tornou presa das ondas furibundas do banco, sobre as quais horrorosamente oscilava, mostrando alternadamente, ora toda a ré, ora toda a proa mesmo até à quilha. À mercê das vagas e sem vento nos panos sofreu o embate das tremendas pancadas de mar com tanta felicidade para a tripulação, que, arrastado pela corrente da costa, foi encalhar junto ao férreo esqueleto do vapor “Kate Forster”, naufragado o ano passado.
Para vergonha do nosso país, cumpre dizer aqui que no porto de Aveiro não há nem barco nem cabos de salva-vidas, não há bóias de salvação, não há marriate, não há nada, na mais genuína expressão da verdade, para socorrer a náufragos. Não sabemos até como os infelizes pilotos da barra se sujeitam a um serviço, muitas vezes violento, pelo misérrimo ordenado de 80 réis por dia! Isto seria incrível se não fosse simplesmente verdade!
Quando o navio bateu na praia nós e o nosso amigo Duarte Pinto Basto propúnhamo-nos fazer as honras da casa porque ninguém com caracter oficial ali estava. Por fortuna o navio encalhou bem e como a maré vazava muito fácil foi possível, depois de meia hora, aos tripulantes tocar em seco. Nesta ocasião já estavam a bordo dois práticos da barra, que foram guindados por um cabo.
O navio é o iate “Glória de Portugal”, pertencente ao sr. António Pereira Júnior, da praça de Aveiro. Vinha em lastro de volta de Espanha onde fora levar um carregamento de travessas de caminho-de-ferro para Sevilha. A tripulação compunha-se de 8 pessoas, que nada sofreram, sendo o capitão o sr. Joaquim de Oliveira e o piloto o sr. Bandarra. À excepção deste último, que é de Aveiro, todos os demais são ilhavenses.
Segundo palavras do próprio capitão, a quem não faltavam lágrimas, não foi possível desde muitas milhas governar o iate, não só por falta de vento como pela agitação do mar, que constantemente o veio impelindo para a costa. Tendo lançado ferro nada conseguiu, por se lhe ter partido a corrente. Lutando sem resultado e extremo recurso, tentou dirigir o iate para a em-bocadura da barra, mas infelizmente naufragou. O navio ainda hoje se conserva direito, mas é provável que a maré da noite o desfaça. Estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 4 de Setembro de 1883)

Desenho de navio do tipo iate, sem correspondência ao texto

Características do navio
Armador: António Pereira Júnior, Ílhavo
Nº Oficial: N/ tem - Iic.: H.C.L.P. - Porto de registo: Aveiro
Arqueação: 149,000 m3
Propulsão: À vela
Equipagem: 8 tripulantes

Iate "Glória de Portugal" - (Do jornal "Campeão das Províncias)
Aveiro, 19 de Setembro – O agente da Companhia Seguradora do iate “Gloria de Portugal”, o sr. Manuel dos Santos Vitorino, do Porto, tentou nas marés vivas na tarde de Domingo e segunda-feira, e com o auxílio de numeroso pessoal safar o navio do seco para o mar, visto que este anteriormente havia levado grande porção de areia, que o obstruía.
No primeiro dia conseguiram movê-lo bastante, mas, rebentando o bolinete, começou o trabalho braçal a ser mais difícil e moroso, e o mar, quebrando de encontro ao iate, foi-o aluíndo de tal modo que no segundo dia, quando conseguiram pô-lo a nado, afundou em razão da muita água que metia, sendo impossível esgotá-la; de sorte que se julga o casco inteiramente perdido. Conforme já se admitia, o mar ontem despedaçou completamente o casco.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 21 de Setembro de 1883)

(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 25 de Setembro de 1883)

Iate “Gloria de Portugal” - (Do jornal "Campeão das Províncias)
Aveiro, 22 de Setembro – O iate “Gloria de Portugal”, que há dias encalhou na restinga ao sul da barra, desapareceu totalmente há quatro dias. E, contudo, havia esperança de pô-lo a nado.
Ao vê-lo com a quilha na areia, ereto, perfilado, com os seus mastros levantados e aprumados, julgava-se que com as marés grandes o mar fá-lo-ia ainda navegar. Pois não sucedeu assim.
Na manhã de segunda-feira nem vestígios havia do iate. Já na véspera inclinara para fora; depois foi alquebrando, até que arrebentou, e apesar de não haver grande vaga, abriu em duas metades, que flutuaram ao capricho das ondas.
Alguma madeira arrolou à praia. O navio estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 26 de Setembro de 1883)

domingo, 26 de agosto de 2018

Leixões na rota do turismo! (6/2018)


Navios de passageiros em porto no mês de Julho

Apenas três navios estiveram de visita ao porto de Leixões, muito embora dois deles duplicaram as escalas.
Não me ocorre uma tão parca utilização das instalações portuárias, durante os meses de verão, nos últimos anos.
Obviamente, esta ausência de navios durante o mês não deverá causar qualquer tipo de apreensão,  ou constrangimento, porém, far-se-á sentir nas estatísticas, que vem apresentando números muito satisfatórios e em ascenção progressiva a cada ano que passa.

Navio de passageiros "Marella Spirit"
No dia 3, chegou procedente de Vigo, saíu com destino a Lisboa
No dia 24, repetiu a viagem, com escalas nos mesmos portos

Navio de passageiros "Azura"
No dia 5, chegou procedente da Corunha, saindo para Lisboa
No dia 23, tal como o navio anterior, repetiu as mesmas escalas

Navio de passageiros "Arcadia"
No dia 24, chegou procedente da Corunha, saindo para Lisboa

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLXIII)


O encalhe do vapor "Açor", no rio Douro

Vapor “Açor”
Cerca das 2 horas da tarde de ante-ontem, vindo a entrar a barra o vapor português “Açor”, procedente das ilhas dos Açores, por Lisboa, com vários géneros e consignado aos srs. W. e Geo. Tait, guinou ao sul e bateu nas pedras denominadas «Folga-manada», abrindo água.
Largou um ferro e ciou a toda a força à ré, até que veio outra vez para o canal, suspendeu o ferro e seguiu barra dentro, vindo fundear em Santo António do Vale da Piedade, onde encalhou ontem para examinar os rombos e uma chapa que tem aluída.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 29 de Março de 1895)

Imagem do vapor "Açor"
Desenho de Luís Filipe Silva

Características do vapor “Açor”
1877-1905
Armador: Empresa Insulana de Navegação, Lisboa
Nº Oficial: N/d - Iic: H.G.K.S. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Earle’s Shipbuilding Co., Ltd., Hull, 1877
Arqueação: Tab 1.204,17 tons - Tal 753,36 tons
Dimensões: Pp 72,63 mts - Boca 9,26 mts - Pontal 7,90 mts
Propulsão: 1 motor compound - 180 Ihp - 11,5 m/h

Vapor “Açor”
Este navio, que sofreu vários rombos quando vinha a entrar a barra, por motivo de ter batido nas pedras «Folga-manada», foi ontem vistoriado por peritos em Santo António do Vale da Piedade, onde se acha fundeado, informando o respectivo mergulhador que o vapor tem quatro rombos no costado, a estibordo, debaixo dos tanques de lastro, rombos que vão ser vedados com cunhas de madeira para depois ser esvaziada a água dos tanques, permitindo examinar as avarias sofridas e resolver as reparações a executar.
A carga está toda descarregada e não sofreu avaria.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 30 de Março de 1895)

O vapor “Açor”
Está praticamente concluída a vedação da água, que entrava pelas fendas nas chapas do costado do vapor “Açor”. Esperam que hoje fique completamente vedado, provisoriamente.
Depois de passar o tempo necessário para o cimento estar perfeitamente petrificado, o vapor seguirá para Lisboa ou Cadiz, a fim de receber novas chapas de ferro.
O sinistro sofrido pelo vapor “Açor” torna cada vez mais evidente a necessidade de ser construído o dique de reparações projectado para o porto de Leixões.
O dique de Cadiz está sendo constantemente utilizado por vapores que precisam de reparações, limpeza do fundo, etc., e por isso um dique em Leixões deveria ser também muito procurado para o mesmo fim. Basta mencionar que muitos vapores portugueses, quando precisam de limpar o fundo têm de ir a Cadiz, resultando em despesa e sacrifícios.
(Jornal “Comércio do Porto”, segunda-feira, 1 de Abril de 1895)

O vapor “Açor”
Este vapor, que já se acha provisoriamente reparado das avarias que sofreu quando entrou a barra do rio Douro, talvez saia depois de amanhã para Lisboa, indo para o dique do Arsenal da Marinha, a fim dali ser devidamente reparado.
Hoje realizar-se-á uma vistoria ao vapor, para ser verificado se está em condições de seguir para o Tejo.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 2 de Abril de 1895)

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLXII)


O naufrágio do brigue inglês "Jane & Mary"

(Jornal "Comércio do Porto", Domingo, 14 de Abril de 1907)

Desenho de navio do tipo brigue, sem correspondência ao texto

Características do brigue “Jane & Mary”
Armador: Crawford, Sunderland
Nº. Oficial: N/d - Iic: N/d - Porto de registo: Sunderland
Construtor: Não identificado, Sunderland, 1832
Arqueação: Tab 200,00 tons - Tal 184,00 tons
Dimensões: Informação indisponível
Propulsão: À vela
Equipagem: 5 tripulantes

Mais um naufrágio
Há hoje a registar mais um naufrágio nessa terrível voragem a que chamam barra do Porto. O brigue inglês “Jane & Mary”, capitão John Greny, ao entrar ontem a barra foi encalhar no Cabedelo e ficou completamente perdido.
O naufrágio teve lugar às 3 horas e 20 minutos da tarde, mas por felicidade poucos momentos depois estava salva a tripulação pelas catraias. O brigue vinha de Sunderland em 44 dias, com carvão para a Companhia do Gaz.
Segundo a parte do piloto que abaixo se reproduz, na ocasião em que o “Jane & Mary” vinha a entrar, afrouxou o vento, e o brigue desgovernado bateu na pedra «Folga-manadas», e começando a meter água foi encalhar no Cabedelo.
Porém, diz-se por aí, que concorrera para o naufrágio o ter sido necessário seguir na entrada um rumo muito tortuoso, para se desviar do casco do vapor “Bacchante”. Não asseveramos, referindo simplesmente estes comentários, para evitar reclamações.
O barco salva-vidas ainda chegou a sair, mas os serviços que ele poderia prestar no salvamento dos náufragos, já haviam sido prestados pelas catraias.

O ofício do piloto é o seguinte:
«Ontem, vindo a entrar os brigues “Star” e “Jane & Mary”, este dentro do banco, o vento abonançou, desgovernando o navio, pelo que foi bater na «Folga-manadas». Pude conseguir salvar toda a tripulação, e este brigue foi depois encalhar no Cabedelo cheio de água. O “Star” como estivesse mais um pouco por fora deste, pôde sair pelo canal do sul sem novidade. Foz do Douro, 13 de Abril de 1857 M.L. Monteiro – Piloto-mor».

Os dois últimos naufrágios, que foram presenciados nesses escolhos, que deveriam já estar destruídos, não despertaram ainda o letargo em que jaz! Tanta indiferença é na verdade altamente censurável.
Pelo menos deem a esse imposto, que o comércio da cidade está a pagar indevidamente, a aplicação que ele deve ter. Dos trezentos contos que os nossos governos terão já recebido para obras na barra, quanto se terá gasto no seu melhoramento?
Se não se pode conseguir tudo, quebrem-se ao menos algumas dessas pedras mais notáveis, e para isso chegará decerto a soma que já lá tem. Só em Portugal é que se vê tanta indiferença, descurando-se de uma obra da mais instante necessidade, e já não seria sem tempo se se fizesse alguma coisa.
(Jornal “Comércio do Porto”, segunda-feira, 13 de Abril de 1857)

domingo, 19 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLXI)


Encalhe do lugre-escuna "Felix", na praia de Matosinhos

Momentos de ansiedade – Salvamento da tripulação
Não só em terra o mau tempo se tem feito sentir. Também no mar o temporal tem causado grossas avarias a diversas embarcações. O mar, de há dias a esta parte, está agitadíssimo, sendo uma temeridade as embarcações tentarem aproximar-se de terra.
Ontem, pelas 11 horas e meia da manhã, o lugre dinamarquês “Felix”, que se encontrava ao largo do porto de Leixões, tentou aproximar-se para via ancorar na baía, fugindo assim ao temporal. Na ocasião em que demandava o porto, ao chegar à embocadura, as vagas grossas e alterosas e a falta de vento fizeram com que fosse direito à praia.
Na iminência do perigo, a tripulação largou os ferros, conseguindo assim que a embarcação se aguentasse durante algum tempo. Como fosse grande a agitação do mar, as amarras rebentaram, vindo o navio encalhar na praia da República (antiga praia de D. Carlos).
De terra logo prestaram socorro aos náufragos, sendo, depois de alguns esforços, salva a tripulação, composta de 5 homens, incluindo o capitão, pelo barco salva-vidas, vindo desembarcar na praia.
O lugre “Felix” procedia da Terra Nova, trazendo um carregamento de bacalhau para a Sociedade Mercantil Industrial, Lda. Vem consignado aos srs. Blackett & Magalhães e pertence à praça de Marstal. O “Felix” é um lugre de 99 toneladas.

Imagem do lugre-escuna "Felix" na praia de Matosinhos
Foto de autor desconhecido - minha colecção

Matosinhos-Leça, 3 – Pelas 10 horas e meia da manhã foi dada ordem, pela Capitania do porto de Leixões para a Estação de Bombeiros de Leça para avançarem com o barco salva-vidas e o material de socorros a náufragos para o navio de vela que estava em perigo pela parte de fora do molhe sul de Leixões, defronte da praia da República.
O salva-vidas “Leixões” saiu logo, tripulado pelo patrão José Rabumba, o «Aveiro», com 12 homens de guarnição, rebocado pelo salva-vidas a gasolina, até à entrada do porto de Leixões, indo nele o sr. capitão do porto, o patrão-mor José Amaral e mais tripulação.
Não obstante a vaga alterosa e ser uma verdadeira temeridade a saída do salva-vidas, o «Aveiro», homem experiente e arrojado que é, aproveitando ocasião propícia, saiu a doca.
Neste tempo já tinham chegado ao molhe sul os bombeiros voluntários com o carro porta-cabos nº 2 da estação de Matosinhos, que iniciavam o serviço de salvamento. Quando estava pronto para ser lançado o foguetão, dobrava o salva-vidas a curva do molhe sul, pelo que foi suspenso o lançamento do foguetão até ver se o salva-vidas conseguia abordar o navio.
Depois de várias tentativas frustradas, pelo muito mar, espectáculo imponente, presenciado por milhares de pessoas, o salva-vidas sempre conseguiu encostar-se ao navio, recolhendo a sua tripulação, que era de 5 homens. A dificuldade agora era trazer o salva-vidas para terra, pois voltar pela entrada do porto era um grande perigo para os salvadores e para os salvados.
Então, com um grande lance de audácia, o salva-vidas foi levado à força de remos para a praia, o que foi feito em tais condições de coragem pela tripulação. Já próximo da praia, uma vaga muito alterosa, quase virou o salva-vidas que ficou inundado de água por uma borda, não ficando voltado completamente, por ter seguido no dorso dessa onda, que o depositou na areia.
Após um momento de indiscritível regozijo para todos quantos presenciaram o arrojado salvamento, a multidão saudou calorosamente o intrépido «Aveiro» e os seus valentes companheiros, dirigindo-se ao salva-vidas, de onde retiraram os náufragos e tripulantes, trazendo o barco para lugar seguro.
Acções desta natureza honram quem as pratica e não há recompensas que possam premiar tanto arrojo e tanta abnegação.
O sr. capitão do porto acompanhou todos esses serviços, do molhe sul, onde desembarcou o salva-vidas motorizado, que estava pronto a socorrer o outro, caso fosse preciso.
O serviço do carro porta-cabos, dos bombeiros voluntários foi dirigido pelo seu prestigioso comandante, sr. coronel Alberto Laura Moreira.
Prestou, também apreciados serviços o condutor Manuel Augusto Valente, com a camionete da Fabrica de Conservas de Casebre & Cª., Lda., de Matosinhos, prestando-se espontaneamente, a rebocar para o molhe sul o carro porta-cabos, e conduzir para a capitania e para o hotel, aonde foram mandados hospedar os náufragos, e a conduzir da estação o salva-vidas e o material para o seu encalhe na praia.
O navio, que pouco depois das 2 horas da tarde, foi arrojado à praia, defronte da Fabrica de Conservas de Brandão, Gomes & Cª., por se ter partido a corrente de ferro que tinha no fundo, era o lugre-escuna dinamarquês “Felix”, que está completamente perdido bem como a sua carga, que era de bacalhau.
Consta que da tripulação do navio faltam dois homens, que há dias uma volta de mar arrebatou sendo um deles o capitão. O “Felix”, cujo casco é de madeira, vinha da Terra Nova. É da praça de Marstal, Dinamarca, e tem 99 toneladas brutas de registo.
Vinha consignado à firma desta praça Blackett & Magalhães e a carga era destinada à Sociedade Industrial Mercantil, Lda.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 4 de Fevereiro de 1922)

O naufrágio do lugre “Felix”
Pormenores
Matosinhos-Leça, 4 – O lugre-escuna “Felix”, naufragado ontem ao sul do porto de Leixões, mantem-se no mesmo estado. Em vista do mar o permitir, foram já hoje retirados, por ordem da Alfândega, vários apetrechos de bordo, como sejam velas, barricas, etc., ficando tudo na praia, convenientemente arrumado, sob a vigilância da Guarda-fiscal.
Como constasse que o mar tinha arrojado à praia o bacalhau, que constituía o carregamento do navio, apareceram lá diversos indivíduos que se tornaram suspeitos e que a guarda-fiscal tratou de dispersar.
Durante o dia tem ido à praia muitas pessoas que são mantidas à distância pela guarda-fiscal, esperando-se que amanhã a concorrência seja maior em virtude de ter terminado a greve da Carris.
(Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 5 de Fevereiro de 1922)

O navio foi posteriormente desencalhado, seguindo para o rio Douro em 21 de Junho, a reboque da traineira “Mediterrâneo”, entrando em estaleiro a fim de realizar os necessários trabalhos, pelo que depois de reparado regressou ao serviço comercial.

sábado, 18 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLX)


O naufrágio do vapor inglês “Emylton”, no dia 19 de Março de 1922, na viagem de Pomarão para Caen, França, com carga de pirites.

Navio abandonado
No Ministério da Marinha foi entregue um telegrama da capitania do porto do Porto nos seguintes termos:
«Foi recebido um rádio de bordo do navio “Cabo Creux”, (*) pedindo para ser avisada a navegação de que a 4 milhas de Montedor, latitude 41º48’N, e longitude 8º58’W, havia um navio inglês, o “Emylton”, abandonado, tendo aquele salvo a sua tripulação».
Em seguida a este aviso, saiu o cruzador inglês “Snapdragon”, que se encontrava ancorado em Leixões, regressando ontem ali, não encontrando navio algum abandonado.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 21 de Março de 1922)

Imagem de vapor, sem correspondência ao texto

Características do vapor inglês “Emylton”
1920-1922
Armador: Emylin Line Ltd., Cardiff, Grã-Bretanha
Construtor: John Chambers, Lowestoft, Inglaterra, 12.1920
Arqueação: Tab 700,00 tons
Dimensões: Pp 54,30 mts - Boca 8,40 mts
Propulsão: 1:Te
Sinistro marítimo
Viana do Castelo, 20 – Ontem, pelas 9 horas da manhã, apareceu a oeste da barra, muito ao largo, um vapor, adernado a estibordo, com sinais içados, que de terra foi impossível identificar.
Para o norte navegava um outro vapor, que parece não ter reconhecido os sinais que do semáforo lhe foram feitos e quando já muito ao norte do vapor em perigo, desfez de rumo, aproximando-se deste.
Depois de alguns esforços empregados para o socorrer e de fazer várias evoluções, desistiu de lhe dar reboque, seguindo para o norte; não se sabe se tomou a tripulação. Passados alguns momentos, o vapor em perigo, levado pela corrente, perdeu-se de vista.
O vapor que tentou socorrê-lo parece pertencer à linha Ybarra, de Sevilha. Consta-se que o vapor foi, mais tarde, rebocado para o norte.
O salva-vidas, como em terra corresse que duas baleeiras se aproximavam da praia, saiu a barra e navegou para o norte, no propósito de salvar vidas, caso as baleeiras fossem encontradas.

Viana do Castelo, 21 – Relativamente à informação anterior sobre o navio em perigo, acrescenta-se que era inglês e se chama “Emylton”, tendo a tripulação sido salva pelo vapor espanhol “Cabo Creux”.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 21 de Março de 1922)

Imagem do vapor espanhol "Cabo Creux"
Desenho de autor desconhecido

(*) O vapor “Cabo Creux”, 1919-1962, (segundo navio da firma armadora com o mesmo nome), era propriedade da empresa Ybarra & Cª., de Sevilha, Espanha, porto onde estava matriculado. Foi construído nos Astilleros del Nervion S.A., em Bilbao, arqueava 3.717 toneladas de registo bruto e tinha 99,16 metros de comprimento).

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

História trágico-marítima (CCLIX)


O naufrágio do vapor "Santa Maria"

Naufrágio do vapor português "Santa Maria"
Tripulação e passageiros salvos
Naufragou nas proximidades do cabo Finisterra, ao norte da costa de Espanha, o vapor português "Santa Maria", pertencente à Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, com sede em Ponta Delgada.
Sabendo que é seu agente no Porto o Sr. David José de Pinho, procuramos contactá-lo no seu escritório, na rua Nova da Alfândega, no sentido de obter algumas informações.
Amavelmente, os esclarecimentos surgiram, mas não tanto quanto seria para desejar. As informações do naufrágio eram poucas e estas, rápidas e breves. Constavam dum «rádio» do capitão do "Santa Maria" e de um telegrama proveniente de Leixões, tudo num laconismo impressionante.
Ficamos sabendo, no entanto, que o vapor naufragou, encalhando em pedra pelas 5 horas da manhã de ontem, quando navegava entre os cabos Vilano e Torinana.
A cauda do encalhe é ainda ignorada, depreendendo-se do radiograma enviado à agência desta cidade pelo capitão do navio, ter este sido abandonado pela tripulação, em auxílio da qual seguiram para o local do sinistro diversas embarcações.
O vapor "Santa Maria" procedia de Antuérpia, com carga e passageiros, cujo número não foi possível averiguar, considerando-se salvos, m virtude do rápido auxílio que lhes foi prestado.
A carga era de 900 toneladas, para o Porto e Açores.
Estava previsto ter entrado ontem na barra do rio Douro.
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O vapor "Santa Maria" era o antigo navio marroquino "Koutoubia", tendo sido construído em 1906, nos estaleiros de North Shields, Inglaterra, e ultimamente adquirido pela Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, que tem sede em Ponta Delgada, e o utilizava em carreiras entre o arquipélago dos Açores e portos no norte da Europa, Havre, Londres, Hamburgo e Antuérpia, com escalas por Lisboa e Porto.
Tinha 210.1 pés de comprimento, 32.1 de largura e 11.1 de pontal, deslocando 1.104 toneladas brutas e 750 toneladas liquidas.
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O Sr. David José de Pinho, agente no Porto da Companhia a que pertencia o referido vapor, seguiu ontem, à tarde, para o norte de Espanha, a fim de obter informações sobre o naufrágio.
(Jornal "Comércio do Porto", sexta-feira, 28 de Setembro de 1923)

Imagem do vapor “Santa Maria”
Desenho de Luís Filipe Silva

Características do vapor “Santa Maria”
26 de Janeiro de 1923 - 27 de Setembro de 1923
Armador: C.N. Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada
Nº Oficial: N/d - Iic: N/d - Porto de registo: Ponta Delgada
Construtor: Smith’s Dock & Co., Ltd., North Shields, 1906
ex “Libertad”, S.A. Lloyd Bahia Blanca, Argentina, 1906-1908
ex “Libertad”, M.M. Argentina, S.A., Buenos Aires, 1908-1920
ex “Koutoubia”, S.M. Protect. Maroc, Casablanca, 1920-1922
Arqueação: Tab 1.104,00 tons – Tal 750,00 tons
Dimensões: Pp 64,02 mts - Boca 9,81 mts - Pontal 3,37 mts
Propulsão: McColl & Pollock, Ltd. - 1:Te - 127 Nhp - 8 m/h
Equipagem: 33 tripulantes
Capitão embarcado: Francisco José de Brito

O naufrágio do vapor “Santa Maria”
Apesar de todas as diligências empregadas para conseguir informações mais detalhadas a propósito do naufrágio do vapor português “Santa Maria”, na costa norte de Espanha, nada mais foi possível saber, além do que está confirmado através do seguinte telegrama, enviado de Vimianzo, Corunha:
«Vimianzo, 28 – A tripulação e passageiros do vapor “Santa Maria” encontram-se salvos e sem novidade».
Todavia, a causa do sinistro é por enquanto desconhecida.
(Jornal "Comércio do Porto", sábado, 29 de Setembro de 1923)

O naufrágio do “Santa Maria”
Continua a falta de pormenores completos sobre o naufrágio do vapor português “Santa Maria”, cujo encalhe se deu na «Costa da Morte», perto de Corme, ao norte do cabo Vilano, ao sul da Corunha.
É de crer que a causa do sinistro obedeceu por força do intenso nevoeiro, que surpreendeu o vapor quando navegava naquela parte do norte de Espanha.
A tripulação do “Santa Maria” era composta por 33 homens, sendo comandado pelo capitão Sr. Francisco José de Brito. Tanto tripulantes como passageiros salvaram-se nos botes de bordo e nos navios que imediatamente acorreram a socorrer o vapor naufragado.
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Ontem correu a notícia de que os passageiros do “Santa Maria” chegaram ao Porto, no comboio correio do Minho, motivo que levou muitas pessoas a acudir à gare de S. Bento para esperá-los.
Tal, porém, não aconteceu, aguardando-se, no entanto, a todo o momento, ansiosamente, a sua chegada, que segundo se antecipa, será ainda hoje.
(Jornal "Comércio do Porto", Domingo, 30 de Setembro de 1923)

O naufrágio do vapor “Santa Maria”
A falta de informações sobre o naufrágio deste vapor português, ao norte da costa da Galiza, continua martirizando a curiosidade dos interessados, naturalmente desejosos de conhecer, em todos os seus pormenores, as circunstancias em que se deu o encalhe do “Santa Maria”, nas rochas de Corme.
À agencia do Sr. David José de Pinho, representante no Porto da Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, têm afluído muitos pedidos de informações sobre o assunto, mormente das pessoas que têm parentes entre os tripulantes e os passageiros.
Estes, segundo telegrama recebido ontem do Sr. David José de Pinho, encontram-se bem, não tendo regressado ainda em virtude de circunstancias diversas, cujas explicações não foram apuradas.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 2 de Outubro de 1923)

O encalhe do “Santa Maria”
O sinistro contado por um dos passageiros
Ante-ontem, chegaram ao Porto, vindos de Espanha, os passageiros do vapor português “Santa Maria”, naufragado no dia 28 do mês passado, entre os penedos terríveis da «costa da Morte». Todos o sabem, mas o que desconhecerão ainda é a forma como o sinistro se deu e as circunstâncias que o motivaram.
Continuada a procura de informações esclarecedoras, encontramos o Sr. Mário de Pinho, um dos passageiros do “Santa Maria”, filho do consignatário no Porto, da Companhia proprietária daquele vapor, o Sr. David José de Pinho.
Aquele senhor recebe-nos com uma amabilidade distinta. Tinhamos enfrentado uma enorme falta de pormenores.
- Compreendo a vontade de ver esclarecido este sinistro. A povoação onde desembarcamos dista três léguas da mais próxima caixa do correio… Já vê!
- A povoação chama-se?
- Arou. Um isolamento total, absoluto… Daí a falta de comunicações.
- Queríamos tê-las agora. Pode relatar como se deu o encalhe?
- Eram 3 horas e meia da madrugada do dia 28, quando, casualmente, subi à ponte de comando do navio a informar-me com o piloto do navio – o oficial que então se encontrava de quarto – da posição em que o navio se encontrava. Respondeu-me que, cerca das 3 horas, calculara a posição do vapor por meio de dois faróis, pelo que nos devíamos encontrar, naquele momento, muito perto do cabo Vilano. Apresentou-se-nos então uma nevoa cada vez mais densa e cerrada, tendo o piloto, que momentos antes havia diminuído a velocidade do navio, descido aos aposentos do comandante a comunicar-lhe o estado do tempo.
- E o que fez o capitão? – interrompemos.
- Este oficial, meu amigo pessoal, deu ordem imediata para que se fizessem rapidamente os sinais de nevoeiro, a fim de ser evitado qualquer abalroamento. Ordenou também que fosse alterado o rumo para posicionar o navio absolutamente safo dos escolhos, que tanto abundam nas costas da Galiza…
Quando foram dadas estas ordens, encontrava-me na casa de navegação, diligenciando ver a posição do navio em função da carta marítima. O piloto subiu para dar cumprimento às manobras quando, subitamente, decorridos dois minutos apenas, se deu o embate.
Imediatamente, o capitão, já vestido, apareceu no convés, berrando para a ponte que abrissem a máquina a toda a força à ré. A ordem foi cumprida, mas o navio não cedeu.
- Que fizeram, nesse caso?
- O comandante, em seguida, subiu à ponte e com energia mas calmo em absoluto, chamou a tripulação e ordenou-lhe que arreasse as baleeiras como medida preventiva.
- E os passageiros?
- …calmos, tranquilos, com um sangue frio inimaginável… Mas não só os passageiros. Todos o mantiveram, oficiais e pessoal da tripulação, constantemente, obedecendo, sem hesitação, a todas as ordens que, para bem comum, eram dadas pelo comandante, sr. Francisco Brito.
Arreadas as baleeiras, operação coadjuvada pelos próprios passageiros, que já então haviam afluído ao convés, o vapor começou a pedir socorro, quer pela telegrafia sem fios, quer por meio da sirene, que nunca deixou de apitar. O nevoeiro era então densíssimo, duma espessura profunda e negra…
Como eram desconhecidos os escolhos, pouco mais podia ter sido feito, além de tomar as medidas necessárias para evitar a perda de vidas. Porém, cerca das 4 horas e um quarto da madrugada, o vapor que até aí só tocava em rochedos à proa, e por vezes a meio do navio, começou também a bater de popa com tal violência, ocasionando novos rombos por onde a água começou a entrar com abundância, inundado dentro em pouco a casa das máquinas. O capitão ordenou imediatamente ao 2º maquinista de serviço que abrisse o vapor das caldeiras, para assim evitar uma explosão horrível.
Desta forma, a situação do navio tornou-se crítica, receando-se a todo o momento que os mastros desabassem, em virtude da extraordinária violência dos embates no casco resultantes da ondulação do mar.
- Em face disso, o capitão ordenou que os passageiros abandonassem o navio, o que foi feito na melhor ordem. Cada oficial tomou o comando da sua baleeira. Estas pairaram até ao amanhecer junto do navio encalhado. Quando era já dia claro, apareceram uns pequenos barcos de pesca, aos quais pedimos um «prático», que nos indicou um bom local para atracarmos na costa de Arou.
- Não ficou ninguém no vapor?
- Ficou o comandante a bordo, juntamente com o seu criado, que se negou a abandoná-lo. Uma vez desembarcados os passageiros, as baleeiras voltaram para o local do sinistro. Mais tarde, aproveitando a maré baixa, tratou a oficialidade e os tripulantes de atender ao salvamento da bagagem. O capitão continuou a bordo, de onde, até ante-ontem, não havia retirado, visto terem estado a tratar de salvar toda a carga possível e estancar os rombos.
- Será possível salvar o navio?
- Não creio. Para isso, já foram solicitados os socorros necessários. Mas parece-me impossível. À data da minha partida de Arou, já se encontravam descarregadas 300 toneladas de carga.
- A que atribui o encalhe?
- Na minha opinião, não houve o mais pequeno descuido que motivasse o sinistro, mas julgo-o devido a um grande desvio na agulha, sobre a qual aquelas costas têm grande influência.
Ultimamente, um navio de guerra espanhol andou a estudar as influências magnéticas da costa sobre as agulhas.
Em seguida, o Sr. Mário de Pinho refere, cheio de admiração, os actos de coragem e de abnegação, de que os oficiais deram provas, tal como o comandante, o telegrafista, e todo o pessoal do vapor.
Embebemo-nos também da mesma veneração por esse grupo de portugueses, valentes, disciplinados e generosos, que nos momentos de perigo sabem sacrificar-se por um dever de completa beleza moral.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 4 de Outubro de 1923)