sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

N.R.P."Viana do Castelo" - 30.12.2010


Marinha Militar
A partir do zero naval

Quando, no dia 29 de Maio de 1926, o Governo se demitiu perante a adesão do país ao movimento nacional que eclodira na véspera, na cidade de Braga, a Marinha de Guerra portuguesa tinha chegado a um período de dramática decadência, que reflectia bem a desordem na administração pública e nos espíritos, a par da penúria financeira que afligia a nação.
Deixava o poder um Ministro da Marinha que, em gabinetes sucessivos e durante três anos, se batera com denodo pela reorganização da Armada, sem todavia conseguir fazer mais do que levar os poucos e fatigados navios que restavam a navegar tanto quanto possível e deixar uma legislação que ficaria a constituir, sob vários aspectos, a base para a nova orgânica da Marinha: uma organização de serviços do Ministério, incluindo os fundamentos do Estatuto dos Oficiais da Armada; a criação do Estado-Maior Naval; o germe das Escolas de Mecânicos e de Alunos Marinheiros e um navio-escola à vela, que tão útil se revelaria para a instrução do pessoal da Armada em contacto com o mar.
O material naval arrastava-se, mantido penosamente por custosas reparações (quando havia verba para as fazer); o Arsenal de Marinha trabalhava num ritmo precário e, quanto a novas construções, um programa naval elaborado pelo ministro cessante e tornado público adormecia nas gavetas do Palácio de S. Bento, sem que se vislumbrasse a possibilidade sequer de o discutir e muito menos de o aprovar e, sobretudo, de o fazer executar.
Foi esse o quadro, que todos os dias adensava as preocupações do ministro Pereira da Silva e de todos os marinheiros portugueses, que dominou o seu pensamento e o encorajou a lutar contra a incompreensão, contra as limitações do erário público, contra o marasmo da Administração, enfim, contra os ventos da adversidade que, varrendo o País, atingiam a Marinha de Guerra, levando à estagnação e ao desânimo e minando os próprios fundamentos essenciais de uma corporação militar – a disciplina.
In (A Marinha nos últimos 40 anos, 1926-1966, Ministério da Marinha)

O N.R.P."Viana do Castelo"

O patrulha oceânico em Viana durante as provas de mar
Foto de Malheiro do Vale - Blog "The Pilot Boat"

Porque a história se repete a cada trinta, quarenta ou quase cinquenta anos, foi com decepção que verificava a tristeza que reinava no meio naval, pela falta de meios e pelo cansaço que advinha do facto das equipagens estarem ao serviço em navios, que à muito ultrapassaram a condição de obsoletos. De milagre em milagre, os poucos patrulhas resistentes lá se foram aguentando, aos quais se juntou o velho “Schultz Xavier”, para ser possível cumprir as imprescindíveis missões de apoio, prevenção e fiscalização da gigantesca dimensão da Zona Económica Exclusiva. Isto para além do atropelo moral, levado a cargo pelo Governo, ao colocar a Guarda Republicana no mar, em absurda competição e concorrência com a Armada, originando um difícil entendimento relativamente à duplicação de serviço no exercicío da mesma actividade.
Raramente acontece debruçar-me sobre os assuntos da Marinha, porque normalmente muito se diz e pouco se sabe. Hoje, através da notícia publicada nos jornais, que refere a entrega do primeiro navio patrulha oceânico à Armada, o N.R.P. “Viana do Castelo”, fez-me acreditar que os tais ventos mencionados no texto acima, comecem a soprar de feição para reavivar o orgulho marítimo, que se foi perdendo ao longo dos tempos.
É verdade que a construção dos navios foi demorada, face à recusa do Almirante Melo Gomes e da Armada, de aceitar os navios até que estivessem a funcionar em pleno. Julgo entender esse raciocínio relativamente à grande utilização a que vão estar sujeitos, para além do tempo em que as habituais dificuldades os vão expor.
Acredito e faço fé, que a experiência adquirida pelo pessoal dos Estaleiros de Viana, com a construção do “Viana do Castelo” e do “Sines”, permitam uma melhor sintonia entre ambas as partes interessadas, com vista à rápida evolução do projecto de construção do “Figueira da Foz” e dos outros patrulhas oceânicos que se seguirão. E obviamente do navio de apoio logístico, que os atrasos tem infelizmente levado a uma secundarização, quanto aos objectivos de modernização da esquadra em curso, quando se lhe reconhece extrema necessidade e urgência.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Navios e Navegadores


3º Aniversário

À passagem de mais um aniversário do blog, opto por lembrar um dos grandes paquetes de todos os tempos. Pelo seu extraordinário luxo interior, pela oferta de delícias gastronómicas diversificadas e de grande qualidade, pela rapidez com que conseguia unir os continentes Europeu (Le Havre) ao Americano (Nova Iorque), tendo sido baptizado com o nome da cidade luz.

“ Paris “
1921 - 1939
Compangnie Général Transatlantique, Le Havre, França

Paquete "Paris" - foto de autor desconhecido
Imagem de Photoship.Uk

Cttor. : Chantiers & Ateliers de St. Nazaire, França, 1921
Arqueação : Tab 34.569,00 tons > Tal 15.333,00 tons
Dimensões: PP 224,15 mts > Boca 26,00 mts > Pontal 18,01 mts
Máq.: Penhoet, St. Nazaire, 1920 > 4:Tv
Equipagem : 664 tripulantes

O "Paris" em postal da Companhia
Imagem Photoship.Uk

A construção iniciada em 1913, foi suspensa até Agosto de 1914, época que marca a retomar dos trabalhos. Entretanto, o casco foi lançado à água em 1916 e levado a reboque para a Baía de Quiberon, onde permaneceu até à decisão de fazê-lo regressar a Saint Nazaire, depois de terminada a guerra, para então ser possível terminá-lo. Recomeçado o ultimar da construção, muito demorada devido às varias paralisações, levou a que a máquina inicialmente prevista fosse substituída por turbinas a vapor, pelo que a combinação comprimento, muito embora não excessivo, tamanho e excelente performance tivessem produzido um navio impar e por conseguinte sem equivalente, que tivesse pertencido a qualquer das empresas concorrentes.
Muito poucos navios provaram ter resultado num fantástico êxito e almejado um tão avassalador sucesso no investimento. Dispunha de 94 cabines de luxo e uma não menos luxuosa primeira classe com acomodações para 468 passageiros, assinalando ano após ano uma pequena percentagem de desocupação, jamais igualada pelos outros paquetes. A segunda e a terceira classes acomodavam 464 e 2.210 passageiros, obviamente em condições menos sumptuosas, mas mesmo assim repletas de pleno conforto.

Foto de autor desconhecido sobre o incêndio
a bordo do "Paris" no porto do Havre
Imagem Photoship.Uk

Vitima de um primeiro incêndio com origem nos camarotes dos passageiros, quando atracado no porto de Saint Nazaire em Agosto de 1929, foi possível a sua reconstrução num período de 5 meses, contudo durante o ataque a um segundo incêndio de grandes proporções no porto do Havre a 19 de Abril de 1939, entrou em desequilibro, adornando e ficando parcialmente submerso. Tinha chegado o fim do paquete mais ousado e lucrativo do seu tempo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Boas Festas


Feliz Natal

Seca de bacalhau da Empresa Oceano
na Figueira da Foz - Postal Ilustrado

Por falta de tempo, vou aproveitar esta oportunidade para desejar a todos os amigos e seguidores do blog Festas Felizes. Reconheço que a mensagem deste ano é relativamente pobre. Ocorreu-me que para evitar mais faltas de produtos essenciais, como o açúcar, aqui fica registada a lembrança ao Pai Natal e distribuidores afins, que não nos deixem ficar sem bacalhau!
E já agora, lembrando o brilhante homem da comunicação que foi Carlos Pinto Coelho, sou a repetir uma das suas máximas, i.e. "Façam o favor de ser felizes".

sábado, 11 de dezembro de 2010

Encalhe nas Berlengas


O naufrágio do “ Riogrande “

Naufragou nas Berlengas o cargueiro Panamiano “Riogrande”, tendo-se salvo os seus tripulantes. O naufrágio foi motivado por um imenso manto de nevoeiro, provocando o seu encalhe nos rochedos dos Farilhões, a norte das Berlengas, quando em viagem de Roterdão para Génova, com um carregamento completo de carvão.
O barco foi considerado perdido às 5 horas da madrugada, do dia 21 de Outubro de 1947, altura em que o capitão perdeu todas as esperanças de poder salvar o navio, tendo dado instruções no sentido de ser efectuado o seu abandono.
O “Riogrande” ficou encalhado de proa, com a popa assente sobre um baixo, dando desde logo sinais que ia partir pelo meio. Poucas horas depois já quebrado, o casario e ré submergiram, ficando apenas fora de água a metade que vai da casa das máquinas até à proa.
O capitão embarcou com dois oficiais na lancha “Berlengas”, do Serviço de Faróis, que desde a madrugada foi enviada para o local, por ordem do Capitão do porto de Peniche, Capitão-Tenente Coutinho Garrido.
O navio que tinha capacidade para transportar 9.000 toneladas de carga, navegava sob o comando do capitão Sr. Constantinos Arbanites, de nacionalidade Grega, com uma equipagem de 28 tripulantes, sendo que quatro dos quais eram de nacionalidade portuguesa.
Alguns tripulantes acusavam ferimentos ligeiros, tendo sido socorridos pelas autoridades. Dado que a quase totalidade da tripulação teve de abandonar o navio apenas com a roupa que trazia vestida, logo foram carinhosamente confortados pela população, seguindo para uma pensão, onde ficaram alojados, até seguirem viagem para Lisboa.
Uma notícia posterior confirma que o barco submergiu completamente, tendo inclusive desaparecido a proa, que durante algum tempo permaneceu sobre os rochedos.

Com a providencial colaboração do Sr. Luís Filipe Morazzo, consegui finalmente encontrar os elementos do navio, como segue:

Nm “ Riogrande “
1947-1947
Armador: Companhia Naviera Rio Grande, S.A., Panamá

Construtor : Clyde Ship Building & Engineering Co. Ltd., Port Glasgow, Escócia, Agosto de 1921
ex “Remus“, Akties. Baja California, sendo operado por A.O. Lindvig, Christiania, Noruega, entre 1921 e 1928
ex “Foldenfjord“, Den Norsk Amerikalinje A/S, Oslo, 1928-1929
ex “Tivy“, A/S Oddsoe, sendo operado por Chr. Bolin og Odd Soerensen, Oslo, Noruega, entre 1929 e 1935
ex “Rio Grande”, Companhia Argentina de Navegacion Mihanovich, S.A., Buenos Aires, entre 1935 e 1942
ex “Rio Grande”, Companhia Argentina de Navegacion Dodero, S.A., Buenos Aires, ente 1942 e 1947
Características de origem à saída do estaleiro
Arqueação: Tab 4.893,00 tons. - Tal 3.078,00 tons.
Dimensões: Pp 106,68 mts - Boca 15,30 mts - Pontal 9,88 mts
Maq. do const., 1921 – 1:Te - 363 Nhp – 10 m/h
Equipagem : 28 tripulantes

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Navios Portugueses


Escuna construída em madeira “Laboriosa”
1917-1918
Armador : Antónia Giestal Gonzalez, Braz Joaquim Giestal, Caminha

Postal ilustrado de Caminha
Edição do Instituto Nun'Álvares
Com disse anteriormente, gostava muito que a escuna presente na imagem, ancorada no rio Minho, fosse efectivamente a "Laboriosa", mas lamento não poder fazê-lo porque presumo não existir forma de obter essa confirmação.

Nº Oficial: 9 > Iic.: H.L.A.B. > Registo: Caminha
Construtor : Estaleiro de E. Capon, Fécamp, França, 1902
ex “Le Laborieux“, Vve. P. Tougard, l’Averbrach, 1902-1916
Arqueação : Tab 195,45 tons > Tal 163,95 tons
Dimensões : Pp 29,04 mts > Boca 8,26 mts > Pontal 3,50 mts
Máquina : Não tinha motor auxiliar
Equipagem : 7-8 tripulantes

A embarcação foi colocada à venda no decorrer do ano de 1918, sendo adquirida por Daniel José Machado, que lhe manteve o nome. Deve igualmente ter conservado as mesmas características, mas transferiu a matrícula para o porto de Viana do Castelo.

Escuna construída em madeira “Laboriosa”
1919-1922
Armador : Daniel José Machado, Viana do Castelo

Nº Oficial: ? > Iic.: H.L.A.B. > Registo: Viana do Castelo
Não há alteração às características

Tanto quanto se pode ajuizar pelos documentos disponíveis, a embarcação esteve sempre a operar no trafego de pequena cabotagem, durante os cincos anos em que navegou com a bandeira Portuguesa. Não existe, ou desconhecemos qualquer registo, que nos permita admitir ter alguma vez sido utilizada na pesca longínqua, tanto em Caminha como em Viana do Castelo.

Relativamente ao naufrágio ocorrido a 26 de Setembro de 1922, o relato muito sucinto do jornal “O Comércio do Porto”, no dia posterior, informa que a escuna se afundou de véspera, pelas seis horas da manhã, a cerca de 8 milhas da Ericeira, quando em viagem de Setúbal para Peniche, transportando um carregamento de sal. Que pelas dez horas da manhã do dia 27, foi avistado um escaler com 8 (?) homens, próximo a Oitavos, rapidamente recolhidos e transportados para terra pelo vapor dos Pilotos.

Por sua vez o jornal “Diário de Notícias” do dia 28 de Setembro, faz saber que por motivo de forte agitação no mar, a escuna naufragou na baía de Cascais (?), transportando a bordo um carregamento de sal, folha e óleo. Que João Marinho, empregado do Posto Marítimo da Cidadela, tendo avistado a embarcação à entrada da baía a pedir socorro, de pronto comunicou à Estação do salva-vidas, que saiu para o mar sob as ordens do patrão José Matias. Aparentemente a saída do salva-vidas para o mar foi extemporânea, porque já o barco dos pilotos, de que era encarregado Manuel Caramelo, havia recolhido os 7 (?) náufragos.
O capitão da escuna Lúcio de Castro contou terem sido surpreendidos a 8 milhas da Ericeira, pela rebentação do mar e como a breve trecho a escuna tivesse água aberta, pediram socorro a um vapor que passava, o qual não atendeu. Resolveram por esse motivo tentado chegar a Cascais, quando à entrada da baía sem conseguir aguentar mais, a escuna submergiu.

Nestes casos, quem sabe se um amigo mergulhador de Cascais ou da Ericeira, nos ajuda a definir com mais exactidão o local onde é que a escuna se encontra, apesar da 2ª versão parecer ter mais consistência.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Documentário


A Outra Guerra

Apesar do tempo desagradável, que se fez sentir ontem ao final da tarde, aproveitei a sugestão proposta pelo amigo António Fangueiro , viajando até à Povoa de Varzim, onde assisti ao filme publicitado sobre a pesca longínqua.

O filme em questão

A curta-metragem explora com grande propriedade a guerra sobre a caça movida aos pescadores, dentro do espaço temporal a coberto da guerra colonial. Usa como base o relato de três pescadores, que participaram em diversas campanhas de pesca a bordo do lugre “Creoula”, durante uma viagem que decorreu dentro do próprio navio. Começa logo pela oportunidade de aquilatar as muitas diferenças encontradas no lugre, como o conheceram na época da pesca e agora como navio de treino de mar.
A apresentação do filme teve lugar na Póvoa de Varzim, como forma de agradecimento ao patrocínio e colaboração dado pelos responsáveis da autarquia e em simultâneo funcionou como homenagem à participação de um dos entrevistados, o Sr. Figueiredo, residente em Aver-o-Mar.

Como já todos sabemos, escusado será dizer que ouvimos a repetição de depoimentos pouco lisonjeiros à dura faina a bordo. É na realidade um rol depreciativo das más condições de trabalho, de ocupação incessante e por conseguinte de pouco descanso. Das horas de isolamento no mar, da alimentação deficiente, da crueldade dos capitães, do desinteresse dos armadores e inclusive dos processos pouco ortodoxos de tratamento a bordo do “Gil Eannes”. E obviamente, da perseguição policial que lhes era movida, em terra e no mar.

Os realizadores muito inteligentemente, inseriram a espaços notícias e entrevistas a personalidades ligadas ao Estado Novo, bem como sequências da actividade piscatória, imagens filmadas nos anos 60 pelas câmaras da RTP, onde se verifica a propaganda e a informação severamente controlada pelo aparelho situacionista. Por esse e outros motivos, a curta-metragem em nosso parecer, merece um justo aplauso pela concepção e principalmente pela importância de manter viva a memória histórica da pesca longínqua, no período da guerra colonial.

Somos apenas avessos à ideia, que sublinhamos a dado momento da filmagem, quando um dos protagonistas, oriundo da Nazaré e dirigente sindical, afirma que se não tivesse havido a guerra colonial, certamente também não teria existido a pesca do bacalhau.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Histórias do Portugal Marítimo (II)


O abandono do lugre "Fernanda"

Está desfeito o enigma, a resposta às questões em aberto existe e como era previsível, estava disponível em Viana do Castelo.

A odisseia do lugre “Fernanda” começou a 15 de Outubro, data que assinala a saída da embarcação de Viana do Castelo para Lisboa, com um carregamento completo de madeira, depois de efectuar um transporte de sacos de cimento desde Setúbal, que entretanto descarregou em Viana.

Desde então as viagens efectuadas decorreram sob condições de mau tempo, com o mar muito agitado, encontradas ao longo da costa, agravadas consideravelmente durante os três dias - (Domingo <30> a Terça-feira <1>) – anteriores à decisão de abandonar o navio, que teve lugar nesse dia, quando o lugre se encontrava a cerca de 20 milhas a Oeste de Viana do Castelo.

Nessa ocasião no comando do “Fernanda” continuava o mestre Bazilio Vieira de Carvalho, já referido anteriormente e de quem não se discute a competência, em função da experiência adquirida, tendo por companheiros de jornada os tripulantes José Gonçalves, contramestre, Leopoldo Vale, Custódio Vieira, Luís Vieira Carvalho, António Fernandes Verde, João Coelho Oliveira, Manuel Rodrigues e Eduardo Nascimento, marinheiros.

Ao contrário do que tínhamos previamente suposto a equipagem do lugre foi mesmo desembarcada do navio “Ange Schiaffino” em Lisboa, onde eram aguardados por diversos representantes da imprensa escrita da capital. Ouvido o mestre do “Fernanda”, todas as explicações sobre o sucedido convergem no protesto à fúria do mar, cuja violência foi de tal ordem que por ter rebentado a amura de bombordo, permitia a entrada das vagas sobre a coberta, despegando os encerados de cobertura às escotilhas e metendo água no convés, sem que a bombagem desse vazão, apesar dos muitos esforços feitos nesse sentido.

Que viveram a bordo dois dias de “medonho” temporal, sem que pudessem lograr descanso, como da mesma forma se revelou impossível cozinhar, pelo que sem dormir e sem comer, foram vividas a bordo horas de angustia e completo desespero. Entretanto partiu-se uma verga, que a muito custo foi substituída, pelo que a determinado momento acharam que era inútil tentar salvar o lugre, ficando à espera dum socorro providencial.

Decidido o abandono do lugre, avistaram um vapor americano, que ignorou os sinais que lhes fizeram de bordo e pelas 1300 horas perceberam que um navio francês navegava na sua direcção, à distância de poder ser feita a transferência da tripulação, que terminou por volta das 1345 horas. Do navio francês foi descida uma baleeira de grandes dimensões, que muito embora enfrentando grande dificuldade e perigo, os transportou para bordo do navio, onde foram carinhosamente recebidos.

Foi assim deixado o “Fernanda” à deriva, na perspectiva que o temporal o afundasse ou em última instância o atirasse para uma qualquer praia, só que tal não aconteceu, qual casca de noz sobre um oceano em fúria. O navio dinamarquês completou-lhe o resto da derrota, rebocando-o até Vigo, onde ficou em segurança.

O valor estimado do lugre foi orçado em Esc. 40.000$00 e da carga transportada (não especificada) era de Esc. 15.000$00. De acordo com as leis do direito marítimo, um terço dessa importância foi pago pelo resgate dos salvados. O “Fernanda” ultrapassado o drama regressou a Viana, onde foi reparado. Mantido a operar no trafego de cabotagem costeira por mais 15 anos, acabou por terminar o seu extenso rol de navegações nas Berlengas, num misterioso dia de nevoeiro.

Os meus agradecimentos ao amigo Manuel de Oliveira Martins, por ter mais uma vez colaborado com os seus apontamentos, permitindo encontrar o fim deste episódio do nosso Portugal Marítimo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Histórias do Portugal Marítimo (I)


O abandono do lugre “Fernanda”

A participação de abandono de lugre chegou a Lisboa, por telegrama recebido no Ministério da Marinha, no dia 2 de Dezembro de 1933, enviado pelo capitão do navio “Ange Schiaffino”, com a indicação de ter recebido a bordo a equipagem deste lugre e que seriam desembarcados em Lisboa ou em Algiers, como penso ter sido o caso, devido às adversas condições de tempo e mar encontrados durante a viagem.

O nm “Ange Schiaffino” (2)
1929-1940
Nacionalidade Francesa

Armador: Soc. Algérienne de Navegation pour l’Afrique du Nord, Algiers, (porto da cidade do mesmo nome, na Argélia sob colonização Francesa).
Operador: Charles Schiaffino & Co., Algiers, Argélia
Cttor.: Howaldtswerke A.G., Kiel, Alemanha, 1929
Arqueação: Tab 3.236,00 tons > Tal 1.917,00 tons
Dimensões: Pp 100,77 mts > Boca 14,66 mts > Pontal 7,22 mts
Máquina: Howaldtswerke, 1929 > 1:Te > 6:Ci > 227 Nhp > 10 m/h

Como se percebe pela mensagem supra, é participado oficialmente que os tripulantes foram resgatados do lugre abandonado. Por qualquer razão, que ignoramos, é omitido o motivo do abandono, que à priori sugere ter sido motivado por más condições climatéricas.

O lugre “Fernanda”
1931-1935

Foto do lugre "Santa Madalena" ex "Fernanda"
Imagem de autor desconhecido

Armador: João Alves Cerqueira, Viana do Castelo
Nº Oficial: 64 > Iic.: H.F.E.R. > Registo: Capit. Viana do Castelo
Construtor: Estaleiro Fr. Cerzon, Noya (Galiza), Espanha, 1918
ex “Galicia”, D.M. Linares, Villagarcia de Arosa, Esp. 1918-1919
ex “Fernanda”, Soc. Vianense de Cabotagem, Viana, 1919-1925
ex “Fernanda”, Bernardo Pinto Abrunhosa, Viana, 1925-1927
ex “Fernanda”, Herd. Bernardo P. Abrunhosa, Viana, 1927-1931

Por motivo de falecimento do proprietário anterior, o lugre passou à posse dos seus herdeiros, que supostamente o mantiveram sob fretamento ou operação do armador João Alves Cerqueira. Em Abril de 1931, foi concretizado o negócio de venda ao operador em exercício, pela importância de Esc. 3.000$00, a que se seguiu a respectiva matricula, ainda para o tráfego de pequena cabotagem, que teve lugar na Capitania de Viana a 18 de Maio do mesmo ano.

Arqueação: Tab 146,95 tons > Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts > Boca 7,50 mts > Pontal 3,11 mts
Máquina: Não tinha motor auxiliar
Equipagem: 7 tripulantes

Está ainda por esclarecer a data do naufrágio do lugre nas Berlengas, que certamente aconteceu entre 1948 ou 1949, por motivo de denso nevoeiro.
Como explico no post relativo a este mesmo lugre, com data de 10 de Junho deste ano, o navio sob o comando do capitão Bazílio Vieira de Carvalho, já tinha enfrentado fortes temporais, pelo que obrigatoriamente se reconhece a capacidade de resistência da embarcação e experiência da sua tripulação.

Todavia, no mesmo dia em que é participado o abandono do lugre, surge publicada em Espanha, no jornal “Faro de Vigo”, a seguinte notícia:

Deu entrada no porto de Vigo o lugre Português “Fernanda”, a reboque do vapor “Signe”, que o encontrou abandonado a cerca de 40 milhas a Sudoeste do Cabo Salliero.

Imagem do Cabo Salliero (Google Earth)

O nm “Signe”
1919-1939
Nacionalidade: Dinamarquesa

Armador: Dampskibsselskabet Torm, Copenhaga, Dinamarca
Operador: A. Schmiegelow & A. Kampen, Cphga., Dinamarca
Cttor.: A/S Kjoebnhavns Flydedok & Skibsverft, Cphga., 1919
Arqueação: Tab 1.191,00 tons > Tal 696,00 tons
Dimensões: Pp 71,75 mts > Boca 11,34 mts > Pontal 4,18 mts
Máquina: Kjoebnhavns, 1919 > 1:Te > 3:Ci > 83 Nhp > 10 m/h

À chegada a Vigo o capitão do navio Dinamarquês declarou, que o lugre como não levava faróis, o seu navio esteve a ponto de colidir com ele. De bordo do vapor foram efectuadas diferentes chamadas, não havendo do veleiro qualquer resposta. Depois decidiu enviar a bordo um oficial e três marinheiros, armados com revolvers e munidos de lanternas num bote, nada encontrando a não ser três latas de sardinhas.
Visto o lugre “Fernanda” não oferecer perigo de afundar-se, decidiu rebocá-lo para Vigo. Acrescentou que a operação foi difícil devido à agitação do mar, tendo rebentado as amarras por três vezes. Por sua ordem mandou hastear no lugre a bandeira da sua nacionalidade, visitando em porto o cônsul do seu país, a quem deu conta do sucedido e solicitando autorização para manter o navio em porto sob sustadia.

Em Viana do Castelo o caso foi tema de todas as conversas, visto que o barco estava bem apetrechado, havendo outros em muito piores condições e mesmo assim arribando a Vigo, quando e se necessário. Seria por falta de mantimentos a causa do abandono? Seria o temporal que fazia na ocasião de ser avistado pelo vapor que recebeu a tripulação? Estas e outras perguntas, ficaram sem resposta até ao regresso da tripulação. Respostas essas que desconhecemos, não estando por isso habilitados a decifrar este enigma.
Será que a resposta existe?