sábado, 21 de agosto de 2021

A inundação a bordo do paquete "Serpa Pinto"


O paquete “Serpa Pinto”
esteve em risco de se afundar na doca de Alcântara, devido a ter
sofrido forte inundação que chegou a atingir três metros de altura
Cerca das 2 horas da madrugada de ontem, o piloto de serviço a bordo do paquete “Serpa Pinto”, da Companhia Colonial de Navegação, atracado dentro da doca de Alcântara, notou que o navio perdia a sua posição normal, adernando para estibordo. Numa rápida volta pelo navio, teve a certeza que o navio estava a meter água por qualquer circunstância, que ainda se ignora e, auxiliado pelo pessoal de serviço a bordo, distribuiu os homens para diversas missões, enquanto uns iam à Administração Geral do porto de Lisboa pedir bombas para esgotar a água, outros telefonavam para a residência do comandante do navio, sr. capitão Paulo Baptista e do imediato, sr. Vasconcelos e Sá, os quais compareceram sem demora, seguidos pelos restantes oficiais e outro pessoal, a pequenos intervalos.
Imagem do paquete "Serpa Pinto" - Postal da companhia
Entretanto, a inclinação do navio para bombordo acentuava-se, pondo, também, em risco o paquete “Guiné”, que estava atracado de braço dado, obrigando os rebocadores da empresa, com compreensível urgência a transferi-lo para o outro lado da doca.
Quando o comandante e o imediato tentaram descer à casa das máquinas, não puderam ir além do primeiro patim, porque a água já atingia, naquele compartimento, a altura de três metros, o que constituía uma indicação segura da gravidade da situação e da necessidade de assistência urgente. Todavia, os serviços do porto de Lisboa ainda não tinham comparecido e o navio continuava a adernar fortemente para estibordo. Foram então passadas para terra catorze fortes espias de aço, no sentido de manter o navio, pelo menos naquela posição, enquanto não fosse dado início ao esgotamento da água.
Às 5 horas da manhã, compareceu no cais o sr. Bernardino Correia, presidente da Companhia Colonial, tendo assistido aos vários trabalhos preliminares, para o ataque à crítica situação em que o navio se encontrava. A bordo, alguns dos tripulantes arrombaram portas de camarotes de estibordo, para fecharem as vigias, pois que a inclinação do navio fazia recear a entrada de água por ali, o que tornaria a situação irremediável.
Seis horas depois de terem pedido socorros, começou a trabalhar uma pequena bomba do porto de Lisboa, cujo rendimento não resolvia o problema. Compareceram, depois, bombas e outro material dos estaleiros Parry & Son e da C.U.F., com os respectivos engenheiros e outros técnicos, o que permitiu então encarar a situação sob um aspecto prático. A inclinação do navio, que chegou a ser de 25 graus, tornava difícil andar a bordo, mas todo o pessoal revelou grande decisão e perfeito espírito de trabalho.
O inspector da C.C.N., sr. comandante Júlio Ramos, e o seu adjunto sr. comandante Benevenuto, permaneceram por largos períodos a bordo e no cais, dirigindo vários trabalhos ou coadjuvando os oficiais do navio e os técnicos dos estaleiros, numa árdua tarefa, que se prolongou por quase todo o dia.
Com a baixa-mar, cerca das 8 horas, o navio assentou no fundo da doca, mas quando a maré subiu, o navio ainda oferecia tendência para adernar mais, apesar do intenso trabalho das bombas de esgotamento. Assim, entre as 11 horas e o meio-dia, rebentaram duas espias de aço e o “Serpa Pinto” adernou mais um pouco. Em face da situação, não houve almoço à hora habitual, para o pessoal empregado naquela faina, pelo que foram estabelecidos turnos às bombas, a fim de evitar interrupções no trabalho de esgotamento da água.
Logo que a notícia da ocorrência se espalhou pela área das docas, onde a estranha posição do navio chamava as atenções, começaram a acorrer muitos curiosos à muralha. Um serviço de Polícia mantinha os populares à distância, especialmente longe dos peoris de amarração, dado o risco das espias rebentarem, como algumas vezes se verificou.
Ainda sem certezas, os técnicos supõe que o alagamento do navio possa ter ocorrido através duma válvula de um condensador. A água continua a ser esgotada, estando agora o “Serpa Pinto” com 10 graus de inclinação, antecipando estar definitivamente fora de risco.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 1 de Setembro de 1948

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