terça-feira, 18 de setembro de 2018

História trágico-marítina (CCLXXII)


O encalhe do cruzador "Adamastor", na China

O cruzador “Adamastor”
A má sorte persegue a Marinha de Guerra Portuguesa, já tão minguada de navios! O ano passado, o naufrágio do “S. Rafael”, o encalhe do “Almirante Reis” nos «Cavalos de Fão», e agora recebe-se a notícia de haver batido nuns rochedos, no mar da China, o “Adamastor”!
Este vaso não vale apenas para nós como uma unidade da nossa Marinha de Guerra: vale também como um sinal do despertar da alma nacional, profundamente ferida pelo ultimatum de 1890. Efectivamente, o “Adamastor” foi adquirido com o produto da grande subscrição nacional aberta num memorável e doloroso momento da nossa História contemporânea.
O cruzador “Adamastor” foi construído na Itália, pela casa Fratelli Orlando, e distingue-se principalmente pela sua velocidade, pela sua facilidade de manobra e pelas suas qualidades para resistir à perseguição inimiga. É um navio próprio para viajar às nossas colónias, em qualquer momento critico, e com a sua lotação relativamente avultada, e que em muitos casos poderia ainda aumentar, auxiliando a guarnição e defesa do litoral.
O “Adamastor”, de que foi primeiro comandante o conselheiro Ferreira do Amaral, mede 76,41 metros de quilha, 10,63 metros de boca; o pontal à linha de água carregado é compreendido entre 4,70 a 5 metros, segundo o navio se considere com ou sem carvão de reserva. Os motores, aparelhos acessórios, geradores de vapor e as duas hélices eram dos melhores, quando o “Adamastor” foi construído.
O armamento do “Adamastor” consta de duas peças 15/30 calibres Krupp; quatro peças de 10 5/40 tiro de rápido Hotkiss; quatro peças de 0,65 /16 de tiro rápido Hotkiss; duas peças 0,037/42 de tiro Hotkiss; duas metralhadoras Nordenfeld de 0,006; 120 espingardas Meneliker; 40 revolveres Abbadie; três tubos lança torpedos; e seis torpedos Whitehead. As munições estão dispostas em três paióis.
Os elementos militares de maior importância no “Adamastor”, são:
1º - A velocidade que, num golpe de fogo, pode atingir 18 milhas durante algumas horas, permite-lhe, em muitas circunstancias, escapar à perseguição de navio mais bem armado.
2º - Um raio de acção que excede 8.000 milhas, o que lhe permite realizar longos cruzeiros sem ter de recorrer às estações de carvão.
3º - Os compartimentos estanques repetidos, que lhe permitem isolar e restringir as avarias causadas pelo fogo do inimigo, sendo esta a base teórica da sua defesa.
4º - Facilidade de evoluções derivadas da enorme porta do seu leme compensado e da distância relativamente considerável das hélices ao seu plano médio longitudinal.
5º - Notável desempachamento da sua bateria e instalação engenhosamente simples dos seus tubos lança torpedos laterais, que lhe permitem uma fácil manobra da bateria e a essencial instalação de parques de aprisionamentos correspondentes à ligeireza do tiro.
Da tripulação do “Adamastor” fazem parte o 2º tenente sr. Henrique Owen Pinto, natural do Porto, filho do benquisto juiz do Supremo Tribunal de Justiça, sr. conselheiro Henrique Pinto; e o guarda-marinha sr. Sebastião das Neves Silva Monteiro, filho do falecido general desta divisão, sr. José Joaquim da Silva Monteiro.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 12 de Maio de 1913)

Notícia publicada na revista Ilustração Portuguesa
Nº378 de 19 de Maio de 1913

O “Adamastor” em perigo
Lisboa, 12 – No Ministério da Marinha foram recebidos hoje os seguintes telegramas:
- Do Governador de Macau:
«Informações que recebi do comodoro inglês e cônsul de Hong-Kong, o “Adamastor” encalhou na passagem entre as ilhas Lautan, Chung Chan, Conhua, sendo a sua situação perigosa. A água invade os compartimentos de vante e as máquinas. Não há perda de vidas. A maior parte da tripulação passou para bordo da “Pátria”, tentando estancar a água o rebocador das docas de Hong-Kong. Fiz seguir embarcações para receberem a artilharia e bagagens. O comodoro inglês mandou o contra-torpedeiro “Otter” e o rebocador “Atlas”.
O governador telegrafou agradecendo o auxílio prestado.
- Do comandante do “Adamastor”:
«O navio encalhou nas pedras do canal, entre as ilhas Chung. Não há nenhum desastre pessoal. Julgo ser possível salvar o navio com recursos de Hong-Kong. O comodoro inglês enviou navios auxiliares para salvamento. A canhoneira “Pátria” está também fundeada junto do navio. Está desembarcando todo o material, ficando o pessoal necessário a bordo. Há facilidade no salvamento.
Do mesmo comandante:
«Continuo o trabalho de safar o navio, esperando bom resultado».

Lisboa, 12 – O comandante do “Adamastor” é o capitão de fragata sr. Aníbal de Sousa Dias, tendo como imediato o 1º tenente sr. Procópio de Freitas. Os restantes oficiais são os srs. 1º tenente Carlos Coutinho e Almeida Couceiro, 2ºs tenentes Botelheiro e Owen Pinto, guardas-marinha Barbosa Carmona, Junqueira Rato, Cunha Gomes, Pires da Rocha, Silva Monteiro, Vitor Serra, Pereira da Fonseca, Azeredo de Vasconcelos, Baeta Neves, e Adolfo Trindade, médico o dr. Emídio Pires, maquinistas, 1º tenentes João Carlos Costa, 2º tenente Adolfo Alcobia; e guardas-marinha Soares Mesquita, Pereira Bastos, Boaventura Real e Dias Silva; do serviço de administração naval 2º tenente Guilherme Rodrigues e guarda-marinha Abel Costa Lázaro.

Lisboa, 12 - Produziu geral impressão o encalhe sucedido com o cruzador “Adamastor”. Numerosas pessoas tem ido ao Arsenal de Marinha, quartel de marinheiros e ministério da Marinha, pedir informações acerca do caso.

Londres,12 – Telegrafaram ontem, de Hong-Kong, à agência Reuter, dizendo que o cruzador “Adamastor”, no seu regresso a Portugal, vindo de Macau, enviou ontem à noite, pela telegrafia sem fio, um despacho referindo que o navio tinha batido num rochedo perto da ilha de Duwebell, tendo ficado seriamente avariado, pelo que pediu socorro urgente. As autoridades navais enviaram-lhe o contra-torpedeiro “Otter” e o rebocador “Atlas”.
A canhoneira “Pátria”, partiu também para o local do sinistro. À meia-noite foi, pelo cônsul Leiria, enviado também um rebocador e aparelhos de salvação. Àquela hora não havia perda de vidas.

Londres, 12 – Um telegrama de Hong-Kong para a agência Reuter refere que o contra-torpedeiro “Otter” e o rebocador “Atlas” voltaram já ao local onde se deu o sinistro relatado no despacho anterior, e que o “Adamastor” ficou seriamente avariado, tendo a tripulação e as munições que conduzia sido transbordadas para a canhoneira “Pátria”. O rebocador partiu novamente para o local do sinistro, com novos aparelhos de salvação, levando a bordo um comodoro. Também parte para lá o chefe da marinha de Hong-Kong, a bordo do “Otter”.

Londres, 12 – Telegrafaram de Hong-Kong à agência Reuter, dizendo, às cinco horas da tarde de ontem, terem partido para Macau três juncos com parte da tripulação do “Adamastor”; que a descarga continua, as bombas funcionam bem e há esperanças de salvar o navio.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 12 de Maio de 1913)

O cruzador “Adamastor”
Lisboa, 13 – Numerosas pessoas foram hoje ao quartel dos marinheiros, ministério e Arsenal de Marinha, saberem com ansiedade informações referentes ao encalhe do cruzador “Adamastor”. Para Macau têm sido expedidos muitos telegramas de pessoas de famílias dos oficiais, também pedindo informações.

Lisboa, 13 – Em vista do desastre agora sofrido pelo cruzador “Adamastor” vai ser alterada a composição da divisão naval de instrução, que deve largar para o mar em Julho próximo.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 13 de Maio de 1913)

O cruzador “Adamastor”
Lisboa, 17 – Reuniu hoje extraordinariamente, o conselho superior de higiene, para consulta sobre o tratamento sanitário a aplicar ao cruzador “Adamastor”, que amanhã chega do Extremo Oriente, onde se manifestaram a bordo alguns casos suspeitos de cólera. Aquele tratamento está dependente da visita de saúde, que se realizará, quando o “Adamastor entrar a barra.

Lisboa, 17 – O comandante do cruzador “Adamastor” enviou hoje um radiograma ao sr. Ministro da Marinha, por via Cadiz, dizendo continuar a viagem sem novidade, devendo estar antes do meio-dia de amanhã, no seu fundeadouro no Tejo, solicitando que à chegada sejam concedidas todas as facilidades sanitárias.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 18 de Outubro de 1913)

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