sexta-feira, 28 de setembro de 2018

História trágico-marítima (CCLXXVI)


O naufrágio da chalupa “Primavera”, em Leixões

Ocorrência marítima
Na nossa costa a tempestade tem feito sentir os seus efeitos. Pela madrugada de ontem, cerca das 3 horas e meia, a ventania apanhou em cheio a chalupa “Primavera”, procedente de Lisboa, com carregamento de petróleo para Viana do Castelo.
O mar era muito e a chalupa tentou arribar a Leixões; quando, porém, estava prestes a transpôr a abertura dos molhes, desgovernou, tendo por isso de lançar mão do recurso único na ocasião: largar a âncora. Todavia, momentos depois a corrente rebentava e a chalupa foi de encontro ao rochedo denominado «Orça», situado ao oeste de Leixões.
Depois caiu sobre o enrocamento do molhe sul, em frente à praia de D. Carlos, em Matosinhos, e aí submergiu-se.
Imagine-se quantas angústias as da tripulação, composta de oito homens, naquele transe, com a morte diante dos olhos.
A catraia dos pilotos de Leixões, valeu-lhes em tão aflitiva situação, acudindo prestes e salvando a marinhagem. O rebocador “Águia” saiu também de Leixões, mas os seus serviços já não puderam ser utilizados.

Desenho de navio do tipo chalupa, sem correspondência ao texto

Características da chalupa “Primavera”
Armador: António Marques, Lisboa
Nº Oficial: N/d - Iic: S.T.D.H. - Porto de matrícula: Lisboa
Construtor: Não identificado
Arqueação: Tab 86,41 tons
Dimensões: Informação indisponível
Propulsão: À vela
Equipagem: 8 tripulantes

Matosinhos, 29 – A chalupa “Primavera”, encalhada hoje nas pedras que ficam na parte exterior do molhe sul do porto de Leixões, pertencia ao sr. António Marques, de Lisboa. Saíra daquele porto na quarta-feira passada, transportando 3.310 caixas de petróleo para Viana do Castelo.
A tripulação era composta de oito homens, incluindo o mestre, sr. Joaquim António da Silva, de Ílhavo. Este salvou-se em trajes menores, pois estava já preparado para se atirar ao mar, receando que não chegassem a tempo os socorros que estiveram pedindo para terra.
O mestre trazia a bordo um filho de dez anos de idade e ao qual, no momento de maior perigo, entregou uma boia de salvação para seguir desde logo a nado para terra; mas o rapazito, segundo disseram, recusou-a, ficando junto de seu pai.
Quando os tripulantes reconheceram o risco que corriam, acenderam fogachos a bordo e, para melhor serem vistos de terra, um dos marinheiros subiu ao mastro grande, enquanto que no convés outros pediam socorro pelo «porta-voz».
Numa ansia desesperada combinava-se já a bordo a maneira de tentar o salvamento, quando os tripulantes avistaram a catraia dos pilotos, que saía do porto. Os pilotos propuseram a chamada do “Águia”, para melhor lhes prestar auxílio. O mestre aceitou, mas os tripulantes opuseram-se, protestando contra a demora. Então a catraia aproximou-se e tomou a bordo os oito marinheiros e o rapazito, levando-os para bordo do “Águia”.
Daí a pouco o mar arrebatava a “Primavera”, que logo começou a desfazer-se de encontro aos blocos que guarnecem exteriormente o molhe sul. Os tripulantes foram levados para o posto de Socorros a Náufragos, onde lhes prestaram reconfortantes e roupas de agasalho.
De manhã afluiu muita gente à praia de D. Carlos a ver a chalupa, que acabou de se desfazer cerca do meio-dia.
Um banheiro, com o auxílio de um cabo, conseguiu ir até junto do navio perdido e trouxe para terra o cão de bordo.
As providências fiscais que é costume adoptar em tais casos foram tomadas logo de manhã cedo pelo sr. tenente Almeida, da secção fiscal, que pessoalmente compareceu no local a dirigir a fiscalização para a boa arrecadação dos salvados e destroços do navio.
O carregamento está seguro na Colonial Oil Company. Quanto ao navio consta que não estava no seguro.
O mestre do navio conseguiu trazer um colete com alguns objectos e uma pequena quantia em notas. Os tripulantes não salvaram nada.
O mesmo mestre naufragou no dia 27 de Agosto último, no iate “Modelo”, em consequência de ter rebentado a amarreta do rebocador, que o conduzia para fora da barra da Figueira da Foz.
Parece não restar dúvida que se em Leixões estivesse um vapor de prevenção, a “Primavera” não teria naufragado, pois ainda se deve ao acaso o aparecimento da catraia, que saía com destino a visitar um paquete que tinha avistado fora, ou por outra, por parecer de terra que os fogachos da chalupa eram do vapor “Funchal”, a pedir visita.
À praia veio já uma enorme quantidade de caixas com latas de petróleo, exalando muito cheiro.
No local do naufrágio compareceu o consignatário da chalupa no Porto, o sr. Artur José Rebelo de Lima.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 30 de Outubro de 1907)

O naufrágio da chalupa “Primavera”
Matosinhos, 30 - Continuam a ser arrojadas à praia D. Carlos grande quantidade de caixas com latas de petróleo, da carga da chalupa “Primavera”, que naufragou ontem por não lhe ter permitido o temporal arribar a Leixões, como pretendia. É provável que já no próximo Domingo seja vendido em leilão algum petróleo.
(Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 31 de Outubro de 1907)

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