quarta-feira, 5 de setembro de 2018

História trágico-marítima (CCLXVII)


O naufrágio da escuna francesa “Madeleine”

Naufrágio na barra do rio Douro
Um sinistro marítimo ocorrido ontem, ao princípio da tarde, na barra do Douro, em que se perdeu por completo a escuna “Madeleine”, e morreram dois homens, assinalou tristemente o dia na cidade do Porto.
Foi um drama que se desenrolou à vista da população da Foz e que teve passagens pungentes, de intensa comoção e rasgos de abnegação, quando se empregam os meios mais extremos para se salvar a vida aqueles que estavam em iminente risco, numa situação aflitiva.

Desenho de navio do tipo escuna, sem correspondência ao texto

Características da escuna “Madeleine”
Armador: Bonet & Fils, Saint Brieux
Nº Oficial: N/d - Iic: N/d - Porto de registo: Saint Brieux
Construtor: Julienne, Granville, 1876
Arqueação: Tab 155,00 tons - Tal 139,00 tons
Dimensões: Pp 36,37 mts - Boca 8,15 mts - Pontal 5,59 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 6 tripulantes

A escuna “Madeleine”
A escuna francesa “Madeleine”, pertencente â praça de Saint Brieux, de 139 toneladas de registo, era um navio velho, mas em muito boas condições de navegabilidade. Além do capitão, sr. Toussaint Chelveder, o navio tinha mais cinco homens de tripulação.
Era a terceira vez que vinha ao Porto, tendo entrado a última vez aqui no dia 11 do corrente, vinda de Swansea com um carregamento de carvão, consignado a M. de Almeida & Santos. Demorou-se neste porto onde recebeu um carregamento de toros de pinheiro para Swansea.
Ontem, por volta das duas horas da tarde a “Madeleine” levantou ferro e foi rio abaixo, rebocada pelo vapor “Liberal”, a fim de seguir para o seu destino.
O sinistro e os socorros
Quando o rebocador “Liberal” que comboiava a “Madeleine” passava em frente a umas pedras denominadas «Ponta do Dente», foi forçado a parar porque o cabo lançado para a escuna se prendeu à cadeia da boia de marcação da barra.
Empregaram esforços para safar o cabo, até que, a certa altura ou rebentou o cabo, ou o largaram do “Liberal”, e a escuna ficou à deriva e daí a pouco foi rio abaixo, levada pela corrente da água, indo bater violentamente nas pedras junto ao molhe do farolim da Foz.
De terra havia presenciado o que se passava o guarda-civil nº83, António Soares Pinho, de sentinela à esquadra da Foz, o qual depois de participar o desastre ao chefe, sr. Vilaça, agarrou num cabo e boia que havia no cais e, acompanhado do piloto da Foz, sr. Alexandre Cardoso Meireles, seguiu com toda a urgência para o molhe do farolim.
O mar era muito e por vezes as vagas faziam cair ali grandes massas de água, que varriam o molhe. Os dois lutando com muita dificuldade, conseguiram prender o cabo ao farolim e dali arremessaram a boia para a escuna, que tinha água aberta e que, pouco a pouco ia adernando para bombordo. O mar, inquieto em demasia, fazia balouçar imensamente o navio, o que era um enorme embaraço para os pobres náufragos, que, dificilmente se conseguiam manter presos ao cabo, e, à maneira que se lhes proporcionava o melhor ensejo, iam subindo por ele e saltando para o molhe.
Dois dos infelizes tripulantes não se aguentaram quando tomaram o cabo e caíram ao mar, não tornando a ser vistos, morrendo afogados.
O último náufrago a sair do navio foi o capitão e pode dizer-se que se não se retira tão rápido, seria vitima, porque a escuna, fortemente sacudida pelas vagas, afastou-se um pouco e começou a soçobrar, voltando-se por completo, largando desde logo bastantes toros de pinheiro, que, ao lume d’água, iam desaparecendo pela barra fora.
Enquanto o guarda-civil nº83 e o piloto Cardoso Meireles tratavam dos salvamentos, o chefe Vilaça, com alguns agentes, prestou um importante serviço, não deixando que as numerosas pessoas que se juntaram no local, avançassem para perto do farolim, evitando não só o atrapalhar dos socorros, como algum desastre para os imprudentes, que podiam ser apanhados pelas vagas que galgavam o molhe.

Os náufragos sobreviventes
Os náufragos sobreviventes foram levados para a estação de Socorros a Náufragos, que fica junto da esquadra de polícia, ao fundo do jardim do Passeio Alegre.
Algumas pessoas bondosas, moradoras na Foz, ofereceram roupas e reconfortantes aos quatro náufragos salvos, que são: o capitão Toussaint Chelveder, de 35 anos; o 2º piloto Eugène Geslin, de 38 anos; o cozinheiro Roger la Croix, de 16 anos; e o criado Joseph Bornin, de 18 anos.
Os pobres homens detiveram-se ali durante bastante tempo, verificando-se que o capitão estava ferido numa perna e num pé.
Consta que este marítimo perdeu uma carteira com alguns papeis importantes e 2.200 francos em notas e uma bolsa contendo algumas moedas de ouro e prata.

A Cruz Vermelha – Remoção dos náufragos para o Porto
Na estação de Socorros a Náufragos, à Foz, compareceu um automóvel com a ambulância da Cruz Vermelha, o médico dr. Ramos Pereira e mais pessoal, sendo prestados aos náufragos os cuidados de que necessitavam, nomeadamente ao capitão, por estar ferido.
Depois compareceram no local os consignatários do navio, que se inteiraram do que se passou, sendo os quatro sobreviventes transportados no mesmo automóvel para o Hotel Malhão.
O capitão deitou-se imediatamente e declarou que até hoje não receberia pessoa alguma.

Os cadáveres dos dois infelizes náufragos
Pouco tempo depois de se haver submergido a “Madeleine”, o mar, sempre alteroso, arrojou à praia das Pastoras os cadáveres dos dois tripulantes, que não lograram salvar-se. São eles os marinheiros Julien le Beux, de 37 anos, e Henri Maudin, de 19 anos.
A polícia fez conduzir os dois cadáveres ao Hospital da Misericordia, onde o clínico de serviço verificou os óbitos, sendo depois removidos para o depósito do cemitério de Agramonte.

Notas diversas
- No local do desastre esteve o sr. capitão do porto e no Departamento Marítimo está sendo levantado um auto acerca deste sinistro.
- Foi muito elogiado o serviço prestado pela polícia da esquadra da Foz.
- A Guarda-fiscal estabeleceu o serviço na Foz, por causa dos salvados.
- Os tripulantes, além das roupas, perderam o dinheiro que levavam.
- O navio naufragado estava seguro numa Companhia estrangeira.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 31 de Março de 1915)

Naufrágio – O desastre de ante-ontem
O comissário de polícia deu conhecimento ao juízo de investigação criminal da catástrofe marítima ocorrida ante-ontem na barra do Douro, onde se perdeu a escuna francesa “Madeleine”, onde morreram dois tripulantes, comunicando que os cadáveres serão removidos para o necrotério do Instituto Médico-Legal, a fim de serem autopsiados.
No Departamento Marítimo do Norte estão sendo reunidos elementos para servirem de base a um inquérito sobre o sinistro, com o fim de se apurarem responsabilidades.
(Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 1 de Abril de 1915)

Naufrágio - Valores perdidos pelo capitão da “Madeleine”
O capitão Toussaint Chelveder, da escuna francesa “Madeleine”, que naufragou no dia 30 do mês findo, à entrada da barra do rio Douro, perdeu os seguintes valores, na lamentável catástrofe:
- 24 libras esterlinas em notas inglesas de uma libra e bons da defesa nacional francesa: um de mil francos e outro de quinhentos, uma nota de vinte e outra de cinco francos do Banco Francês. Tudo fechado numa pasta cartonada, negra, amarrada com uma fita branca.
- Numa bolsa de couro negro, cerca de dez francos em moedas de dois francos, um franco e cinquenta cêntimos; uma chave com a marca «Fichet Paris» e tendo os números 3 e 9 ou 1 e 9.
- Numa outra pequena bolsa de couro escuro uma moeda de ouro de dez shillings ingleses e cerca de dez shillings em moeda de prata inglesa e um pequeno rosário de criança.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 2 de Abril de 1915)

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