Com o imediato, contra-mestre e oito marinheiros, chegou hoje aqui o sr. Custódio Rocha, comandante do vapor “Ilha do Fogo”, abalroado e metido a pique à entrada do Mediterrâneo por um navio italiano.
Aquele oficial apresentou-se à Comissão de Transportes Marítimos, onde lhe foi notificado que estava investido no comando do vapor “Ilha Brava”.
Hoje, de tarde, houve ocasião de apresentar ao valoroso marinheiro felicitações pelo seu feliz regresso e dos seus companheiros, que se supunha tinham sido vítimas do desastre.
O capitão Custódio Rocha é uma criatura insinuante, que rapidamente conquista as simpatias de quantos lhe falam. Sem a mais leve jactancia, narra as circunstâncias em que se deu o abalroamento e o propósito que o levou a ficar a bordo do navio depois de verificar o grande rombo que o navio tinha.
«O vapor italiano que veio chocar com o “Ilha de Fogo” vinha, como nós – diz aquele capitão – da Inglaterra e dirigia-se também ao Mediterrâneo. Fizemos a viagem sempre na mesma linha e, na noite do desastre, o nosso companheiro de derrota parecia ter avançado um pouco.
Pelas duas horas deu-se o choque. Ao terrível embate, o navio italiano deu toda a força à ré e afastou-se».
«Verifiquei que o “Ilha do Fogo” tinha 20 pés de água e tornando-se impossível a intervenção do pessoal de máquinas, dei ordem para que ele tomasse a primeira baleeira e que partissem em direção ao navio italiano, dando ali parte das circunstâncias em que se encontrava o navio, para que nos viessem dar reboque».
«Com o restante pessoal fiquei a bordo para tomar as providências que o caso requeria. A tripulação que seguira na baleeira não voltou porque o comandante do navio italiano afirmara que tinha pressa e nas condições em que o nosso navio estava já não o podia rebocar».
«O navio ainda se aproximou e fez-me saber quais as suas resoluções e, por fim, afastou-se de vez, levando a bordo os nossos camaradas».
«Entretanto, o “Ilha de Fogo” ia metendo cada vez mais água e mandei que o resto da tripulação saltasse para a outra baleeira».
«Conservei-me a bordo até à última, isto é, até às 8 horas da manhã, ocasião em que o vapor perdeu o equilíbrio, começando a afundar-se mais rapidamente. Metidos na baleeira, arvoramos a vela à espera que a boa fortuna nos deparasse um barco salvador».
«Navegamos até às 9 horas e meia e então apareceu o lugre inglês “Milyh Patten” (b), que, descobrindo-nos, se apressou a socorrer-nos».
«Fomos recebidos a bordo com todo o carinho. A nosso pedido, o comandante do lugre atravessou o navio, podendo eu assistir ao afundamento total do “Ilha do Fogo”. Depois retomou o seu caminho, desembarcando-nos, a mim e aos meus camaradas, em Gibraltar».
«Ao entrar em Portugal tive ocasião de ver o que a imprensa escreveu acerca da nossa aventura. Estou deveras sensibilizado com as referências que nos fizeram».
O capitão Custódio Rocha, antes de assumir o comando do “Ilha do Fogo”, em S. Vicente de Cabo Verde, tinha já comandado seis navios, não sendo, portanto, esse o primeiro, como por aí se afirmou.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 10 de Dezembro de 1916)
(b) Não foi encontrado qualquer lugre que tenha correspondência ao nome citado no texto.
A tripulação do “Ilha do Fogo”
Chegaram hoje a Cadiz os tripulantes do vapor “Ilha do Fogo”, que foi a pique à entrada do Mediterrâneo.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 12 de Dezembro de 1916)