quarta-feira, 14 de outubro de 2015

História trágico-marítima (CLXVII)


O naufrágio do vapor "Ilha do Fogo"

Na Espanha
Choque de vapores
Cadiz, 2 – O vapor italiano “Amalia Campechi” (a), que saiu de Glasgow com carregamento de carvão para a Itália, chocou com um navio português, também carregado com carvão para Itália. O navio português ficou com grandes avarias, receando-se que vá a pique. O vapor italiano recolheu a tripulação do navio português, conduzindo-a a Cadiz.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 3 de Dezembro de 1916)

(a) O vapor “Amelia Campisi” (1912-1918) era propriedade de Luciano Campisi, encontrando-se registado no porto italiano de Siracusa. Tinha 1.517 toneladas de arqueação bruta e 75 metros de comprimento.

Imagem do vapor "Ilha do Fogo"
(In "Ilustração Portuguesa", Nº 565 de 18 de Dezembro de 1916)

Naufrágio do vapor “Ilha do Fogo”
Telegramas de Cadiz, com data de ontem, dizem ter-se perdido o vapor português “Ilha do Fogo” que abalroou à entrada do estreito com o vapor italiano “Amelia Campecchi”, morrendo o capitão Custódio Rocha, o piloto, o contra-mestre e oito marinheiros. O “Ilha do Fogo” ia com carga de carvão e óleo lubrificante para Génova.
O “Amelia Campecchi” que ficou com a proa destruída navegava a toda a força da máquina, perseguido por um submarino alemão e daí o abalroamento.
Ao local do naufrágio chegou o navio de guerra espanhol “Bonifaz”. Trinta tripulantes do “Ilha do Fogo”, que se salvaram, estiveram na capitania do porto de Cadiz.
Outro telegrama de Cadiz refere o seguinte:
«Regressaram a canhoneira “Bonifaz” e o vapor “Cornelli” que não encontraram vestígio algum do vapor português “Ilha do Fogo”. Os tripulantes trazidos pelo vapor italiano “Amelia Campecchi” são o 1º maquinista, Miguel da Silva; o 2º maquinista, António Vicente Freitas Júnior; o 3º maquinista, José Manoel Lopes; o praticante de máquinas, Manoel dos Santos Lima; o moço praticante, Manoel Gomes da Silva; um fogueiro, o dispenseiro, Teófilo Rodrigues e outros, num total de 30 homens.
O 1º maquinista conta que o vapor saiu de Lisboa em 2 de Setembro e esteve 40 dias em Glasgow, carregando 7.500 toneladas de carvão, azeite para máquinas e madeira, tudo consignado ao governo italiano. No dia 23 de Novembro, saiu o “Ilha do Fogo” com rumo a Sabona. Na madrugada de 27, próximo do Finisterra, os tripulantes viram um submarino alemão.
Na madrugada de ontem, vinha o navio do Cabo de S. Vicente para o estreito de Gibraltar, navegando a nove milhas à hora, quando foi abalroado pelo “Campecchi” que ia carregado de carvão de Glasgow para Itália. O italiano investiu com a proa sobre o navio português e quase que o partiu pelo meio. Então, os maquinistas despejaram as caldeiras para explosões, depois embarcaram em botes com alguns homens da tripulação.
Supõe o 1º maquinista que o navio se tenha afundado em poucos momentos, e julga que morreram o capitão Custódio Rocha, de 28 anos, casado, natural da Ilha Brava, arquipélago de Cabo Verde; imediato Barreto de Carvalho, de 24 anos; contra-mestre Ernesto Ramos e marinheiros Teófilo Manoel Duarte, Vicente António da Silva, José Jesus Nascimento, Manoel Lourenço Fortes, António Roberto Lima, e o criado praticante João Monteiro.
O cônsul português atende com solicitude os náufragos que aqui se encontram e a estação radiográfica não cessa de perguntar se há notícia dos restantes tripulantes.»

Segundo comunicação recebida no Ministério da Marinha, o 1º Maquinista e 29 homens da tripulação do navio “Ilha do Fogo”, fretado pelo governo inglês, foram salvos por um vapor italiano.
Acerca do capitão e mais dez tripulantes que ficaram a bordo e ainda sobre o destino do navio, aguarda o sr. ministro da Marinha as devidas informações.

A tripulação do vapor “Ilha do Fogo” era assim composta: Capitão, Custódio Rocha, 28 anos; imediato, Ruy Barreto Carvalho, 24 anos; contra-mestre, Ernesto Ramos Évora, 33 anos; marinheiros, Teófilo Manoel Duarte, Vicente António da Silva, José Jesus Nascimento, Geraldo Forte Lobato, Manoel Lourenço Fortes, António Roberto Lima; moços praticantes, Manoel Gomes da Silva, Pedro Taumaturgo de Brito, António Teófilo Duarte, Álvaro Vera Cruz Pinto; moços, Pedro Leitão, Gualdino Gomes Delgado, António Miguel Lima; 1º maquinista, Miguel Mateus da Silva; 2º maquinista, António Vicente de Freitas Júnior; praticante de máquinas, Manoel dos Santos Lima; 3º maquinista, José Manoel Lopes; fogueiros azeitadores, Fortunato José Andrade, João Fortes, Vicente de Lima; fogueiros, João Claro dos Santos, Domingos da Luz, Teodoro André de Oliveira, Abel João Campos, João Paes, Pedro Ignez, João Lourenço do Paraíso, António Nascimento, Vitor Lopes; chegadores, Manoel Mariano Roque da Silva Barros, António João Brito, João José dos Santos; dispenseiro, Teófilo Alfredo Rodrigues; cozinheiro, Alberto da Silva Lejo; ajudante de cozinha, João Manoel Lopes; criado praticante, João Monteiro Cléofas dos Santos; criado Joaquim Gomes Faria Rocha.

Um telegrama recebido no Ministério dos Estrangeiros, vindo de Gibraltar, diz estarem salvos todos os tripulantes do vapor “Ilha do Fogo”.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 5 de Dezembro de 1916)

Imagem do vapor "Ilha do Fogo" conforme registo fotográfico
Desenho (excelente) de Luís Filipe Silva

Características do vapor “Ilha do Fogo”
1916-1916
Nº Oficial: ?-E - Iic: H.I.D.F. – Porto de registo: Lisboa
Armador: Transportes Marítimos do Estado, Lisboa
Construtor: Craig Taylor, Stockton-on-Tees, Inglaterra, 08.1901
ex “Burgermeister Hachmann”, G.J.H. Siemers & Co., 1901/1916
Arqueação: Tab 4.315,00 tons
Dimensões: Pp 109,70 mts - Boca 14,80 mts
Propulsão: Craig Taylor, 1901 - 1:Te - Veloc. 9,5 m/h

A chegada da restante tripulação do “Ilha do Fogo”
Com o imediato, contra-mestre e oito marinheiros, chegou hoje aqui o sr. Custódio Rocha, comandante do vapor “Ilha do Fogo”, abalroado e metido a pique à entrada do Mediterrâneo por um navio italiano.
Aquele oficial apresentou-se à Comissão de Transportes Marítimos, onde lhe foi notificado que estava investido no comando do vapor “Ilha Brava”.
Hoje, de tarde, houve ocasião de apresentar ao valoroso marinheiro felicitações pelo seu feliz regresso e dos seus companheiros, que se supunha tinham sido vítimas do desastre.
O capitão Custódio Rocha é uma criatura insinuante, que rapidamente conquista as simpatias de quantos lhe falam. Sem a mais leve jactancia, narra as circunstâncias em que se deu o abalroamento e o propósito que o levou a ficar a bordo do navio depois de verificar o grande rombo que o navio tinha.
«O vapor italiano que veio chocar com o “Ilha de Fogo” vinha, como nós – diz aquele capitão – da Inglaterra e dirigia-se também ao Mediterrâneo. Fizemos a viagem sempre na mesma linha e, na noite do desastre, o nosso companheiro de derrota parecia ter avançado um pouco. Pelas duas horas deu-se o choque. Ao terrível embate, o navio italiano deu toda a força à ré e afastou-se».
«Verifiquei que o “Ilha do Fogo” tinha 20 pés de água e tornando-se impossível a intervenção do pessoal de máquinas, dei ordem para que ele tomasse a primeira baleeira e que partissem em direção ao navio italiano, dando ali parte das circunstâncias em que se encontrava o navio, para que nos viessem dar reboque».
«Com o restante pessoal fiquei a bordo para tomar as providências que o caso requeria. A tripulação que seguira na baleeira não voltou porque o comandante do navio italiano afirmara que tinha pressa e nas condições em que o nosso navio estava já não o podia rebocar».
«O navio ainda se aproximou e fez-me saber quais as suas resoluções e, por fim, afastou-se de vez, levando a bordo os nossos camaradas».
«Entretanto, o “Ilha de Fogo” ia metendo cada vez mais água e mandei que o resto da tripulação saltasse para a outra baleeira».
«Conservei-me a bordo até à última, isto é, até às 8 horas da manhã, ocasião em que o vapor perdeu o equilíbrio, começando a afundar-se mais rapidamente. Metidos na baleeira, arvoramos a vela à espera que a boa fortuna nos deparasse um barco salvador».
«Navegamos até às 9 horas e meia e então apareceu o lugre inglês “Milyh Patten” (b), que, descobrindo-nos, se apressou a socorrer-nos».
«Fomos recebidos a bordo com todo o carinho. A nosso pedido, o comandante do lugre atravessou o navio, podendo eu assistir ao afundamento total do “Ilha do Fogo”. Depois retomou o seu caminho, desembarcando-nos, a mim e aos meus camaradas, em Gibraltar».
«Ao entrar em Portugal tive ocasião de ver o que a imprensa escreveu acerca da nossa aventura. Estou deveras sensibilizado com as referências que nos fizeram».
O capitão Custódio Rocha, antes de assumir o comando do “Ilha do Fogo”, em S. Vicente de Cabo Verde, tinha já comandado seis navios, não sendo, portanto, esse o primeiro, como por aí se afirmou.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 10 de Dezembro de 1916)

(b) Não foi encontrado qualquer lugre que tenha correspondência ao nome citado no texto.

A tripulação do “Ilha do Fogo”
Chegaram hoje a Cadiz os tripulantes do vapor “Ilha do Fogo”, que foi a pique à entrada do Mediterrâneo.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 12 de Dezembro de 1916)

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