quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Os princípios do Instituto de Socorros a Naufragos


1º - Tempos difíceis

A nossa história esteve quase sempre ligada ao mar, com uma costa de contornos complicados, coberta de rochedos nas praias, durante séculos sem iluminação ou sinalização adequada. Na sua grande e plena importância, por se tratar do corredor de ligação do norte ao sul da Europa, sublinham-se relatos da visita de Romanos e suas colonizações, de Vikings, Celtas e outros povos, que tiveram o mar por estrada.
Por cá passaram comerciantes Fenícios e piratas Árabes e Turcos, que depois de atacar e despojar os navios mercantes das respectivas mercadorias, deixavam-nos à deriva, muitas vezes sossobrando encalhados nas pedras da linha de costa, com grande prejuízo de vidas humanas. Através de fachos e faróis na antiguidade, entre os quais é exemplo resistente o farol quinhentista de S. Miguel-o-Anjo, na foz do Douro, dá-se início no país após 1828, à inédita preocupação de atender aos náufragos, situação impar por toda a Europa da época.
Promovido por S. Majestade o Princípe D. Miguel, tem lugar no ano seguinte a construção do edifício da Real Casa de Asilo dos Naufragados, também na foz do Douro, cujos objectivos visavam o estudo para proceder a melhoramentos na barra do rio e o recolhimento de sinistrados, que tivessem a coragem de sobreviver aos naufrágios, pelos seus próprios meios. A intenção por ousada foi muito elogiada, mas lamentavelmente teve vida efémera pois ao fim de meia dúzia de anos, o edifício foi vendido e os náufragos esquecidos.


Quis o destino que a situação se deteriorasse, para acontecer a renovação do interesse pela defesa dos navios e suas equipagens, mas só depois da catástrofe ocorrida com o naufrágio do vapor “Porto”, ainda na barra do Douro, a 28 de Março de 1852. Nesse acidente foram vitimas 29 tripulantes e 37 passageiros do navio e de entre eles pessoas de grande influência e reconhecimento na cidade, onde se inclui o pai de Ana Plácido, mulher de Camilo Castelo Branco, provocando uma imensa onda de total constrangimento por todo o país.

Gravura alusiva ao naufrágio do vapor " Porto "

E da mesma forma cruel, fica registado a 27 de Fevereiro de 1892, na Póvoa de Varzim, o falecimento colectivo e dramático de 94 pescadores, quando as suas lanchas tentaram em vão transpôr a barra do pequeno porto de pesca. Tornou-se desde então prioridade absoluta modificar a situação existente de abandono, para se tentar evitar mais vitimas de afogamento, sem qualquer tipo de apoio ou auxílio.

2º - O Instituto de Socorros a Náufragos

O Instituto de Socorros a Náufragos nasce por Carta Régia de D. Carlos e por Decreto-Lei datado de 21 de Junho de 1892, tendo a Rainha D. Amélia chamado a si a Presidência e a ela se ficando a dever o extraordinário desenvolvimento do novo organismo, nos anos que se seguiram. Ao ver-se forçada a abandonar o país, com a implantação da República em 1910, deixou o Instituto com 31 barcos salva-vidas, dois dos quais com motor, 61 porta-cabos, 2 equipamentos porta-cabos sem viaturas e 7 espingardas lança linhas, além de diverso material espalhado pelas Estações de Socorro e 2.727 cintos de salvação, entregues às Autoridades Marítimas, para serem distribuídos, gratuitamente, pelos pescadores pobres.

A actividade do Instituto manteve-se até 1957 como Instituição particular, sempre amparada pelo Estado e tendo como Inspector um Oficial General, ou superior da Marinha, normalmente da Reserva da Armada. A 30 de Junho de 1954, como consequência de um estudo muito bem elaborado pelo então Inspector do I.S.N., o Ministro da Marinha em exercício, Almirante Américo Thomás, exarou o seu Despacho Nº 180, em que afirmava afigurar-se-lhe que se fizesse uma reforma dos Serviços do Instituto, antes de se atacar o importante problema do reapetrechamento em material e meios de salvação.

Daí surge o Decreto-Lei Nº 41.279 de 20 de Setembro de 1957, passando o Instituto a constituir um organismo do Ministério da Marinha, com autonomia administrativa. Passando desde então a funcionar na dependência directa do Director Geral de Marinha, norteia-se pelos seguintes propósitos :

a) Prestar socorros a indivíduos que naufraguem no litoral e rios da Metrópole ;
b) Prestar assistência a banhistas, nas praias de banhos marítimas e fluviais, durante as épocas balneares ;
c) Propagar os princípios e processos tendentes a salvar a vida dos navegantes em perigo ;
d) Estudar as causas dos sinistros marítimos e as medidas a pôr em prática para lhes restringir o número ;
e) Prestar os primeiros socorros pecuniários aos náufragos pobres e às famílias necessitadas ;
f) Recompensar, monetária e honorificamente, os actos de salvação marítima ou fluvial, de socorros a socorros a náufragos e de filantropia e caridade ;
g) Conceder pensões a indivíduos que se inutilizarem, temporária ou definitivamente, no serviço de socorros a náufragos ;

h) Conceder pensões a pessoas das famílias dos indivíduos que morrerem no serviço de socorros a náufragos, quando esses indivíduos forem o seu único amparo.

Volvido meio século sobre estas deliberações, esperamos que se alguma destas alíneas evoluiu, possa ter sido obviamente para melhor, pois quem zela pela vida da imensa comunidade que continua a trabalhar no mar, bem o merece. E posto isto, parabéns Marinha Portuguesa, pela passagem do 1º Cinquentenário na Direcção do Instituto de Socorros a Náufragos.

Comentário

Depois de termos escrito este texto sobre os Socorros a Náufragos, constatamos ter a Marinha Portuguesa comemorado com elevada solenidade o 115º aniversário do Instituto, em cerimónia que teve lugar no dia 23 de Abril de 2007. A omissão deste acontecimento seria imperdoável, devendo merecer o devido reconhecimento público, na pessoa do Director em exercício, o Exmº Comandante Garcia Esteves. Simultâneamente esta comemoração por ser extemporânea, atropelou os 50 anos em que a Marinha é responsável de pleno direito pelo Instituto. Isto porque o Instituto sem o apoio de uma entidade próxima do Estado, viveu períodos decadentes, próximos do total abandono, tendo somente conseguido sobreviver à custa de alguns beneméritos. E obviamente a Marinha não pode e não deve ser responsabilizada por isso.


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