domingo, 20 de janeiro de 2008

O 1º Centenário da Independência do Brasil - A viagem atribulada a bordo do paquete " Porto"


O Presidente da República
Dr. António José de Almeida


O Dr. António José de Almeida nasceu em Vale da Vinha, concelho de Penacova, a 27.07.1866 e terminou os estudos doutorado com distinção em Medicina, na Universidade de Coimbra, no ano de 1895. Politicamente além de se ter revelado excelente orador, colaborou com vários escritos no jornal Republicano «Ultimatum» e fundou a revista «Alma Nacional». Foi desde muito novo um dos responsáveis pela revitalização do partido Republicano, ainda em plena monarquia, exercendo funções de Deputado nomeado pelo partido.

Após disputar uma acérrima eleição à Presidência da República, foi eleito Presidente em 05.10.1918, cargo que ocupou durante os 4 anos do mandato. Como pontos altos ocorridos nesse período, devem ser referidas as visitas oficiais ao nossos país pelos Reis da Bélgica e pelo Princípe do Mónaco, a travessia aérea do Atlântico-Sul, por Gago Countinho e Sacadura Cabral e a viagem oficial ao Brasil, nas comemorações do 1º Centenário sobre a data da Independência, entre 17 e 27 de Setembro de 1922.
Em sentido oposto é forçoso realçar a falta de capacidade para gerir e manter a estabilidade governativa no país, cujo governo alterou diversas vezes, numa época extremada por greves em quase todas as áreas económicas, situação agravada por um clima de grande perturbação social, vividos ao longo da 1ª República. Viria a falecer em Lisboa, no culminar de doença prolongada a 31.10.1929.

As comemorações do 1º Centenário da Independência do Brasil
A viagem no paquete " Porto "

No dia 7 de Setembro de 1922 estão decorridos 100 anos após a Independência do Brasil, forte motivo enquanto potência colonizadora para estar presente, num momento de júbilo e exaltação patriótica do país novo que exigiu ser livre. O Rio de Janeiro engalanou-se para celebrar o acontecimento. Uma enorme parada militar, visitas de Reis, presidentes de países amigos, governantes, políticos, homens da ciência e do clero de todo o mundo, são esperados para celebrar com as suas presenças, diversas exposições, colóquios, palestras, enfim tudo a condizer com a grandeza e dignidade do evento. Por cá o Presidente da República, com o beneplácito parecer do governo decidiu; vou...

Estava garantida a efectiva representação do país ao mais alto nível nas festividades. Ficou apenas por decidir qual o navio que haveria de orgulhosamente transportar o Presidente. Foram sugeridos nomes de vários paquetes, mas porque estavam longe da capital, a melhor opção encontrada sugeria a utilização do paquete "Porto", navio magnífico para o efeito. Além do mais porque era um navio do Estado, evitavam-se mais despesas com a viagem, como seria o caso de fretamento às empresas privadas concorrentes. Contudo, ignoraram os governantes que a frota dos Transportes Marítimos do Estado, meio agonizante, já se encontrava em situação caótica, promovendo de imediato vozes de protesto. E desses protestos se fez eco que o paquete "Porto" estava imobilizado à mais de um ano, com as máquinas em mau estado, desmontadas e com falta de peças.

Seriam necessários pelo menos 60 dias para recondicionar o navio e para a máquina tornava-se essencial recorrer a peças de outros navios, igualmente fora de serviço, efectuar compras no estrangeiro ou fabricar as peças em falta prepositadamente. Assim, num esforço supremo e permanente de 24 horas diárias, talvez fosse possível dar o navio como apto a navegar, para acalentar poder chegar a tempo ao Rio de Janeiro na data pretendida. Chegados a 6 de Julho a decisão estava tomada, havia que cumpri-la. Em 5 de Agosto é comunicado que o navio deverá ser aprontado para saída imediata. Mas os trabalhos eram muitos, complicados e morosos, provocando atrasos e mais atrasos, com dificuldades acrescidas diariamente. Acertaram então com carácter definitivo, a imposição da partida de Lisboa imperativamente no dia 24 de Agosto.

Chegados ao dia 26 é finalmente acordada a saída do navio para as 18 horas, tendo a comitiva presidencial instruções para embarcar 2 horas antes. O Presidente depois de receber do Governo os cumprimentos da praxe, subiu a bordo e o navio desatracou do Posto de Desinfecção, para dar início à viagem. O navio zarpou, seguiu até a baía de Cascais e parou. Adivinha-se necessário um novo conjunto de reparações na máquina. Dia 28 a meio da tarde sai fumo branco da chaminé do "Porto", enquanto se faz ouvir um estridente apito, saudação de despedida da cidade.

O navio está em marcha a caminho do Rio de Janeiro. Começam a chegar os primeiros telegramas via rádio. No dia 30 dizem que o Presidente e acompanhantes estão bem. No dia 31 fica-se a saber que o Presidente e sua comitiva seguem com magnífica disposição e que o navio voga com normalidade. A 1 de Setembro prepara-se para ter lugar no Domingo seguinte uma festa a bordo, que visa a solene imposição da Cruz de Guerra e do Colar de Torre Espada, no porta-estandarte da guarnição do "Porto", que tomou parte na campanha do Sul de Angola, onde prestou serviços assinaláveis.

O navio viaja à velocidade máxima. Todos estão bem mas já se antecipa a possibilidade do navio não conseguir chegar ao Rio antes do dia 12. As máquinas tem exigido pequenas reparações, que o pessoal de bordo executa. No dia 2 nova avaria na máquina e no frigorífico obrigam o navio a arribar a Las Palmas, mantendo-se os maquinistas de bordo a trabalhar no pleno das suas capacidades. Chegam notícias do Rio de Janeiro; a comissão dos membros da Colónia Portuguesa, presidida pelo Sr. Duarte Leite, activa os preparativos para a importante recepção em honra do Dr. António José de Almeida, encontrando todo o auxílio junto das autoridades Brasileiras.

Entretanto, diversas individualidades Espanholas em Las Palmas, tendo conhecimento que o Presidente se encontrava no navio, deslocaram-se a bordo para apresentar cumprimentos, tendo formalizado um convite para um baile de honra no Casino local, que o Dr. António José de Almeida agradeceu, fazendo-se representar por alguns membros presentes na sua comitiva. Na madrugada do dia 3 de Setembro o paquete abandona Las Palmas e retoma a viagem. Consta-se que navega agora a 13 milhas por hora. Mas os problemas persistem e face ao mais grave receio do navio não conseguir chegar ao Brasil durante o período das comemorações, foi tentada nova solução; contactar o capitão do paquete "Arlanza", da Mala Real Inglesa, pedindo-lhe para aguardar a chegada do "Porto" à Madeira, a fim de embarcar a comitiva Portuguesa. A resposta do capitão trouxe a informação onde dizia que o navio era um paquete com horários a cumprir, pelo que por falta de instruções do armador em conformidade, largou nesse mesmo dia do cais no Funchal pelas 17 horas, como programado.


O paquete "Arlanza" da Mala Real Inglesa - postal da Companhia

No dia 5 chegam novas notícias do Rio, referindo a inauguração do sumptuoso Grande Hotel da Glória, que está pronto para acolher os convidados às comemorações de 7 de Setembro, governantes e políticos de países estrangeiros. Os cruzadores “Carvalho Araújo” e “República” aguardam a chegada do “Porto“ já próximo a Fernando de Noronha, para escoltarem o paquete.
Face ao atraso o "República" recebe instruções para seguir para o Rio, devendo a guarnição representar a comitiva nacional, juntando-se ao Almirante Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que dias antes foram recebidos em delírio na antiga capital Brasileira, verdadeiros heróis após a conclusão da 1ª travessia aérea do Atlântico-Sul, no biplano Luzitânia.

Eis-nos chegados ao dia 7 de Setembro. O Brasil está em festa. Multidões cobrem as ruas da cidade, acompanhando com desvelado orgulho patriótico as múltiplas cerimónias preparadas com esmero e rigor. Preside o Dr. Epitácio Pessoa, coadjuvado pelos membros do Governo, representações diplomáticas e estadistas convidados. A bordo do "Porto" as informações que chegam dizem que o navio mantém a sua marcha normalmente e que todos se encontram bem. Nesta data, o paquete embandeirou os mastros e para assinalar o acontecimento realizou-se uma imponente cerimónia comemorativa do Centenário. O navio não excede as 4 milhas por hora, encontrando-se algures ainda próximo do Equador.

No dia 12 mais novidades do Brasil. Continuam em clima festivo mas solene, as Comemorações do Centenário. Muitos membros da colónia Portuguesa, notaram a ausência da bandeira nacional junto das bandeiras das outras nações, no Palácio Monroe e em outros locais da exposição. O Delegado do Governo à exposição, logo tomou as providências necessárias, tendo aparecido então naqueles lugares a nossa bandeira, cuja falta foi devido a descuido do encarregado de proceder ao seu fornecimento. Do "Porto" sabe-se que se mantém firme na rota, estando previsto para breve a sua chegada ao Rio de Janeiro.

Chegam mais notícias do "Porto" no dia 14, através dos serviços do Ministério da Marinha, comunicando que o navio segue bem e o estado de saúde do Sr. Presidente é satisfatório, esperando chegar ao Rio no dia 16, pois estão a navegar ao largo de Pernambuco. Entretanto o jornal "A Pátria" publica no dia 15 um pedido formal alvitrando que o governo Brasileiro decrete feriado oficial, no dia da chegada do Presidente Português ao Rio de Janeiro. Nos demais jornais do Rio sai publicado um extracto desenvolvido do discurso proferido a bordo, no passado dia 7, alusivo à comemoração do Centenário da Independência do Brasil.

No dia seguinte é recebido em Lisboa um rádio do navio, confirmando a possibilidade do navio chegar nesse mesmo dia ao Rio, ao cair da noite, devido a um último grande esforço dos maquinistas. Todavia apesar desse esforço, o Sr. Presidente da República dá instruções para o navio abrandar, para aceder ao pedido do Presidente Epitácio Pessoa, no sentido da aproximação ao porto ser feita no dia seguinte, Domingo de manhã, pelas 8 horas, altura em que uma vasta comitiva aguardará no cais a chegada do Presidente Português.


O "Porto" que terá guarda de honra assegurada pelos Cruzadores "República" e "Carvalho Araújo", será igualmente acompanhado na fase final da viagem pelo Couraçado "Minas Gerais" e mais quatro Contra-torpedeiros Brasileiros. Outros navios de guerra decidem entretanto participar no cortejo naval; são eles o Couraçado Inglês "Repulse", o Americano "Nevada", o Mexicano "Nicola Bravo", o Argentino "Moreno" e ainda um vaso de guerra Japonês, não especificado.

Sempre a navegar à vários dias em velocidade moderada, o “Porto” vai mesmo chegar Domingo de manhã ao Rio de Janeiro. Prevê-se à chegada uma imponente recepção ao Dr. António José de Almeida, com honras militares, aquando do desembarque, no Cais da Praça Mauá, tendo a aguardá-lo o Dr. Epitácio Pessoa, os membros do Governo, altos funcionários do Estado, individualidades e os representantes da Colónia Nacional. Dado que o navio continua a penar por avarias na máquina, foi contactada a firma de reparações Lage & Irmãos, para colaborar nos melhoramentos que o navio carece, tendo sido feita a exigência à partida de um depósito adiantado de 50 contos.

O Rio de Janeiro continua eufórico. As festas em honra do Presidente da República tem sido imponentes, tendo a recepção dada pelo Presidente Epitácio Pessoa sido revestida de grande brilhantismo e cordialidade. No dia 19, decorreu com toda a formalidade a apresentação de cumprimentos ao Dr. António José de Almeida, no Palácio Guanabara, pelas representações diplomáticas, a que se seguiu um banquete oferecido pelo Presidente do Brasil.

Por outro lado a continuação da reparação nas máquinas do “Porto”, prometiam demorar ainda alguns dias. Nesse sentido e apesar do Governo Brasileiro disponibilizar um navio de Guerra, para trazer de volta o Presidente da República, foi decidido que a escolha recaísse novamente sobre o navio “Arlanza”, que tinha a viagem de regresso à Europa marcada para o próximo dia 25, com chegada a Portugal no dia 11 de Outubro.


Efectivamente assim aconteceu, o Presidente deixa o Rio, continuando até ao último momento a ser alvo de grandes manifestações de carinho, quer de emigrantes, quer da população em geral, no culminar de uma visita verdadeiramente apoteótica. Simultaneamente devem ter ficado muito decepcionados, os heróicos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, pois contando realizar a viagem para Portugal no “Arlanza”, ficam no Rio mais uns dias a aguardar pela saída do “Porto”, acompanhados pelo grosso da comitiva presidencial.


Para terminar regista-se ainda o facto do Capitão do "Porto" ter formalizado uma reclamação sobre a qualidade do carvão que alimentou as caldeiras do navio, durante a viagem, de certo modo na tentativa de limpar o nome da Companhia, os Transportes Marítimos do Estado. Mais grave, fica a péssima impressão deixada ao obrigar o Presidente a chegar ao destino com 10 dias de atraso, situação apenas ultrapassada pela amizade e consideração posta à prova pelos governantes Brasileiros.

Esta notícia pretende ser acima de tudo o retrato de uma época, que nos ajuda a compreender melhor as venturas e desventuras da história marítima do país, que nos tem sido sistematicamente ocultada. Para que se saiba, para que se aprenda com os erros do passado.



O paquete "Porto" dos T.M.E. - foto de autor desconhecido

1 comentário:

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Esta foto do PORTO é da Foto Perestrellos, do Funchal.