quarta-feira, 3 de outubro de 2018

História trágico-marítima (CCLXXVII)


O incêncio a bordo do vapor África", em Lisboa

Manifestou-se incêndio com violência no porão nº1 do
paquete “África”, atracado no Jardim do Tabaco.
Os bombeiros trabalham com dificuldade na extinção.
O vapor “*Africa” pertencente à Companhia Nacional de Navegação, viera no dia 27 do mês findo do Porto, onde estivera a receber carga diversa, principalmente caixas de vinho e fardos de fazendas.
Acostara ao cais de Santa Apolónia, onde esteve a receber mais carga, a fim de seguir para os portos de África.
Hoje, cerca das 2 horas da tarde, foi visto sair muito fumo pelos respiradores do porão nº2. Dado o alarme compareceram, dentro em pouco, os bombeiros municipais e voluntários, assim como vapores e rebocadores, sendo estabelecido, imediatamente, o ataque ao fogo.
Foram fechadas as escotilhas e o porão começou por ser inundado, no local onde o incêndio se manifestara. Pelas 4 horas e 45 minutos foram abertas as escotilhas, sendo verificado que o fogo continuava, pelo que um bombeiro com escafandro desceu ao porão, a fim de localizar o sítio exacto, conseguindo extinguir assim o incêndio.
O vapor está um tanto adernado a estibordo.
Ao posto de socorros, estabelecido no cais, foram receber curativo o bombeiro voluntário da 3ª secção Amorim, tripulante Laranjeira, João dos Santos Ferreira, José Nunes Ferreira e Joaquim Mendes Raimundo dos Santos, 3º piloto, e o comandante João Augusto Ferreira, intoxicados pelo fumo, ao tentarem descer ao porão.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 8 de Novembro de 1921)

Foto-postal do "África", emitido pela Cª Nacional de Navegação
Minha colecção

Características do paquete “África”
Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa
Nº Oficial: 443-B - Iic: H.B.G.K. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Raylton Dixon & Co., Ltd., Middlesbrough, Agosto 1905
Arqueação: Tab 5.490,81 tons - Tal 3.582,87 tons
Dimensões: Pp 127,52 mts - Boca 15,70 mts - Pontal 5,80 mts
Propulsão: N.E. Marine Engineering, Newcastle, 1:Tv - 6:Ci - 752 Nhp
Equipagem: 156 tripulantes
Abatido à frota da companhia durante o ano de 1932

Imagem do incêndio no vapor "África" da autoria de Salgado
Ilustração Portuguesa, Nº 821 de 12 de Novembro de 1921, pp.371

O incêndio a bordo do “África”
Morte de um estivador – Os prejuízos materiais
Ficou hoje, ao meio dia, extinto o incêndio que ontem se declarou no porão nº2 do vapor “África”.
A experiência feita com uma máquina de ar quente, que encheu por completo o porão, não deu os resultados desejados, pois que às 4 horas da madrugada, sendo o porão destapado, viu-se que o incêndio continuava a lavrar com a mesma intensidade.
Foram então, para debelar o incêndio, postos a funcionar os rebocadores “Cabo da Roca”, “Buarcos” e “Josephina”, bem como duas bombas a vapor, uma auto-bomba dos bombeiros municipais e várias mangueiras, que começaram a despejar água em grande quantidade (850 metros cúbicos aproximadamente), sendo o incêndio debelado.
Pouco depois começaram a proceder ao esvaziamento da água que enchia o porão, a fim de serem recolhidos os salvados.
Os prejuízos, tanto no porão como no resto do vapor são importantes, principalmente nos beliches que ficam próximo do porão e que a acção do calor muito danificou.
Os trabalhos decorriam com toda a regularidade, quando apareceu, numa embarcação, a mulher do estivador José Firmino Pinto, a dizer que o seu marido, que estava empregado no “África”, não tinha aparecido em casa.
Alguns empregados de bordo tiveram logo a suspeita de que o infeliz tivesse morrido no incêndio, pois que tinha sido visto a bordo quando este se declarou.
Vários bombeiros desceram imediatamente ao porão, sendo encontrado o cadáver do estivador à tona da água. Retirado para o cais, foi entregue à família, depois de verificado o óbito pelo respectivo sub-delegado de saúde.
Hoje de manhã também foi retirado o empregado de bordo Joaquim António Reis, sendo conduzido ao posto médico, onde foi submetido a ginástica respiratória, seguindo depois para sua casa.
Ao meio dia retiraram o material de incêndios e os rebocadores. Como medida de precaução, ficou junto do “África” uma bomba a vapor.
Os prejuízos estão cobertos por várias companhias de seguros.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 9 de Novembro de 1921)

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