quinta-feira, 29 de março de 2018

História trágico-marítima (CCXLVII)


A colisão e afundamento da canhoneira “Faro”

Navio de guerra no fundo – Mortes
Ontem, ao entardecer, em frente da barra de Alvôr, o rebocador “Josephina”, da praça de Lagos, abalroou com a canhoneira “Faro”, a qual foi ao fundo, havendo seis mortes. A catástrofe está sendo o assunto de todas as conversas em Lisboa, onde só se teve conhecimento hoje, por volta do meio-dia.
Acerca da triste ocorrência recebeu-se, de manhã, na Majoria general da Armada, este telegrama:
Faro, 28 de Fevereiro, às 9 am – Ontem, pelas sete horas, defronte da barra de Alvôr, o rebocador “Josephina”, da praça de Lagos, pertencente ao armador Correia Cruz, abalroou com a canhoneira “Faro”, metendo-a no fundo e causando seis mortes: comandante Henrique Metzner, imediato Carlos Primo Guimarães Marques, maquinista Francisco Maria Antunes, 1º contra-mestre Higino e mais duas praças. Bastantes marinheiros, salvos a muito custo, acham-se no hotel da vila de Portimão.
A ocorrência só aqui se soube daquela vila às dez horas. Diz-se que a canhoneira está completamente perdida.
Ao quartel dos marinheiros, Arsenal de Marinha, Ministério da Marinha e outras estações oficiais tem ido muita gente procurar informações acerca do trágico caso.

Desenho da canhoneira "Faro" da autoria de Luís Filipe Silva

A canhoneira "Faro" foi adquirida em 1878, na Inglaterra, para o serviço de fiscalização aduaneira. Deslocava 134 toneladas, tinha 27 metros de comprimento, 4,70 metros de boca e 2,28 metros de pontal. Construída em aço, estava equipada com um motor compósito de 200 Ihp, que lhe assegurava 10,4 nós de velocidade.

Lisboa, 28 de Fevereiro – Não são por enquanto conhecidas as causas do desastre, o qual se deu com uma rapidez extraordinária, sendo os referidos oficiais vítimas do cumprimento do seu dever, pois tentaram salvar primeiro toda a tripulação, que se compunha, além dos dois oficiais e maquinista, de 36 praças de marinhagem.
A canhoneira “Faro” era um pequeno navio de ferro, construído em 1878, que pertenceu à Alfândega durante muito tempo e que mais tarde passou para o Ministério da Marinha e era empregada na fiscalização da pesca nas águas do Algarve.
Tinha 134 toneladas, 27 metros de comprido por quatro metros de boca. A máquina era da força de 200 cavalos e estava armada com uma peça de 47 de tiro rápido.
Como foi dito, foram vitimas do sinistro o comandante, 1º tenente da Armada sr. Augusto Henrique Metzner, o imediato 2º tenente da Armada sr. Carlos Guimarães Marques, o maquinista, que não pertencia ao quadro da Armada, pois era contratado e mais três praças de marinhagem.
Para o local do sinistro seguiu o rebocador “Bérrio”.
O sr. Ministro da Marinha telegrafou ao chefe do Departamento Marítimo do Sul para que, em seu nome dê as condolências às famílias dos dois oficiais mortos e que o represente nos funerais.

Lisboa, 28 de Fevereiro – O sr. Ministro da Marinha recebeu de Vila Nova de Portimão o seguinte telegrama:
«A canhoneira “Faro” veio ontem aqui buscar o ministro inglês e comitiva para digressão a Sagres, tendo saído daqui com o cônsul inglês nesta terra e o capitão do porto. A canhoneira foi até Sagres, onde fundeou e desembarcou, voltando todos para bordo e largando às 17 horas para Lagos, onde desembarcaram todos os que não pertenciam à guarnição do navio.
Em seguida a “Faro” marchou para Faro, mas quando passava pelo través de Alvôr, abalroou com o rebocador “Josephina”, da praça de Lagos, que havia saído de Portimão tempos antes.
Como o “Josephina” fosse de proa contra a amurada de bombordo da “Faro”, fez-lhe um rombo, por onde meteu água em grande quantidade, não dando mais tempo de que para arriar as duas embarcações, onde a guarnição veio para terra, vindo também o comandante Metzner, mas este, devido a congestão, faleceu ao chegar a terra.
Reconheceu-se faltar: o imediato Guimarães Marques; o maquinista contratado Francisco Maria Antunes; 1º contra-mestre Nº 402 Higino Tomás António; 2º fogueiro Nº 3.325 Joaquim António; e grumete Nº 5.579 José Roma.
Logo que tive conhecimento do desastre pedi socorro para Alvôr, mandando ir outra vez ao mar uma das baleeiras que tinham trazido a guarnição, a fim de verificar se não haveria mais algum náufrago.
A baleeira dirigiu-se a uma luz, que reconheceu ser do “Josephina”, o qual já estava a ser rebocado pelo vapor “Colombo”, porque tinha um rombo à proa, mas flutuava, devido ao compartimento estanque.
O “Josephina” tinha dois homens mortos a bordo, com queimaduras, encontrando-se já ali o dono do rebocador e o capitão do porto.
Como a baleeira nada mais visse, retrocedeu, trazendo o cadáver do comandante para aqui, de onde seguirá para Faro amanhã, no comboio das 15.30 horas. O ministro inglês manifesta desejo de assistir ao funeral em Faro.
Nada falta aos náufragos, que no mesmo comboio vão seguir também para Faro, onde têm família.
A canhoneira flutuou apenas dez minutos depois do rombo, submergindo-se e ficando só com metade dos mastareus fora da água. A catástrofe ocorreu à distância de meia milha de terra e a uma profundidade de nove braças.
Até agora, os salvados são apenas duas pequenas embarcações (ass. O Capitão do Porto)».

Lisboa, 28 de Fevereiro – O 1º tenente sr. Augusto Henrique Metzner, comandante da canhoneira “Faro”, era natural de Lisboa, onde estudou no Colégio Militar, passando depois para Cavalaria 2, como aspirante, frequentando em seguida a Escola Naval, onde esteve também como aspirante de Marinha.
Era cavaleiro da Torre e Espada e da Ordem de S. Bento de Aviz e possuía as medalhas de prata de serviços e campanhas no ultramar e de comportamento exemplar.
Combateu, juntamente com Mouzinho de Albuquerque, contra o régulo Gungunhana, tomando também parte em algumas batalhas que se deram em Luanda e na Guiné contra o gentio.
Por ocasião da revolta ocorrida no Rio de Janeiro, encontrava-se ali a bordo da canhoneira “Mindelo”, da qual era comandante o almirante sr. Augusto de Castilho, A bordo daquele navio de guerra foram recolhidos, sob palavra de honra, os comandantes dos navios insurrectos e os partidários de Saldanha da Gama e de Custódio José de Melo.
Comandou o transporte de guerra “Salvador Correia” e desempenhou, sempre com zelo inexcedível várias outras comissões de serviço.
O falecido tem família em Lisboa.
O rebocador “Bérrio” seguiu para o local do sinistro.
No Algarve ficam agora as canhoneiras “Lagos” e “Lúrio”. 

Faro, 28 de Fevereiro – Causou aqui profunda consternação a notícia da catástrofe da canhoneira “Faro”, sucedida perto de Alvôr.
O comandante Metzner, o imediato Primo Marques e o maquinista Antunes, eram aqui muito conhecidos e estimados, ouvindo-se por toda a parte lamentar o triste fim que tiveram.
A canhoneira ia à ordem do ministro inglês, que consta virá a Faro assistir aos funerais.
Em casa da família das vítimas dão-se cenas lancinantes, vendo-se na rua mulheres e crianças das famílias das praças, que também pereceram, chorando os seus mortos queridos.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 29 de Fevereiro de 1912)

Ilustração Portuguesa, Nº 315, p.293, de 4 de Março de 1912

Navio de guerra no fundo – Mortes
Lisboa, 29 de Fevereiro – O sr. Ministro de Inglaterra escreveu de Portimão uma carta ao sr. Ministro dos Estrangeiros dando sentimentos pela catástrofe da canhoneira “Faro”, acrescentando que assistirá aos funerais das vítimas.
Saiu para Lagos o rebocador “Bérrio”, levando a bordo um mergulhador do Arsenal de Marinha e pessoal do troço de mar.
O Departamento Marítimo do Sul telegrafou ao sr. Ministro da Marinha dando parte de terem aparecido na praia da Luz os cadáveres do maquinista Francisco Maria Antunes e do 1º contra-mestre Higino Tomás António.
Parece que os funerais das vítimas só se realizarão depois de verificadas as investigações no navio afundado, para retirar dali, caso existam, os cadáveres dos tripulantes vitimados.
Ao Ministério da Marinha continuam a afluir telegramas de condolências de várias entidades oficiais e corporações.

Lisboa, 29 de Fevereiro – Parece resolvido que o 1º tenente Metzner, o desventurado comandante da canhoneira que se afundou, será sepultado no cemitério de Faro.
Em muitos prédios ainda hoje se conservava a bandeira nacional a meia haste, como sinal de sentimento pela catástrofe que acaba de enlutar a Marinha portuguesa.
Parece ser certo que o sr. Ministro da Marinha vai a Faro, a fim de assistir aos funerais das vítimas.

Lisboa, 29 de Fevereiro – O sr. Presidente da República encarregou o seu secretário de ir apresentar, em seu nome, condolências às famílias das vítimas da catástrofe da canhoneira “Faro”.

Lisboa, 29 de Fevereiro – O sr. Ministro da Marinha encarregou o seu ajudante de ordens, o 2º tenente sr. Athias, de desanojar a família do 1º tenente sr. Augusto Metzner.
O mesmo Ministro só partirá para Faro quando estejam determinados os funerais das vítimas da catástrofe da canhoneira.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 1 de Março de 1912)

Ilustração Portuguesa, Nº 316, p.329, de 11 de Março de 1912

Características do rebocador “Josephina”
Armador: Correia da Cruz, Lagos
Nº Oficial: A-175 - Iic: H.F.K.V. - Porto de registo: Lagos
Construtor: Desconhecido, Lisboa, 1904
Arqueação: Tab 26,02 tons - Tal 9,10 tons
Dimensões: Pp 16,29 mts - Boca 3,50 mts - Pontal 2,12 mts
Propulsão: 1 motor compósito - 140 Ihp
Equipagem: 6 tripulantes

A canhoneira “Faro”
Lisboa, 1 de Março – Regressou ao Tejo o rebocador “Bérrio”, constando que não encontrara nenhum cadáver nas pesquisas feitas na canhoneira “Faro”, que se afundou.
O Governo vai conceder pensões às famílias das vítimas do lutuoso desastre, correspondentes aos soldos dos extintos, na efectividade.

Lisboa, 1 de Março – No comboio da manhã, chegaram hoje de Faro dois marinheiros de torpedos, que faziam parte da guarnição da canhoneira “Faro”. Foram licenciados.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 2 de Março de 1912)

A catástrofe da canhoneira “Faro”
Lisboa, 2 de Março – Continua a ser ainda o assunto do dia o naufrágio da canhoneira “Faro”, fazendo-se comentários de toda a espécie sobre quem seria o verdadeiro culpado do sucedido.
Até agora, porém, nada se apurou de definitivo e só o inquérito que se vai proceder é que poderá esclarecer o que hoje se mostra ainda bastante confuso.
Os tripulantes do rebocador “Josephina” são os primeiros a lamentar a desgraça, da qual também foram vítimas dois dos seus companheiros.
O rebocador era tripulado, além dos dois homens que faleceram, pelos marítimos Pedro António, Francisco Barão, Augusto e Manuel Afonso, os quais já depuseram na capitania do porto de Lagos a respeito do desastre.
Os que morreram foram atingidos por um jacto de vapor: o José Diogo, quando subia as escadas da casa da maquina e o José Faustino, no momento em que estava a lavar o convés. Nestas posições foram encontrados.
O rebocador “Josephina” foi para próximo do cais da Borda Nova, em Lagos; tem a roda de proa arrombada e grossa avaria na máquina.
Os cadáveres do maquinista Francisco Maria Antunes e do 1º contra-mestre Higino Tomás António, que se achavam na casa da autópsia do regimento 43, foram metidos em caixões de chumbo, a fim de seguirem para Faro.

Lisboa, 2 de Março – Dizem de Lagos que acaba de regressar aquela baía o rebocador “Colombo”, da casa Fialho, que esteve no local do desastre procedendo a pesquisas.
O mergulhador Joaquim Azevedo, em serviço na casa Parreira Cruz, que tinha ido com o respectivo pessoal a bordo do mesmo rebocador, mergulhou por duas vezes, visitando os camarotes da ré, tendo feito uso de um escopro para arrombar a porta de um deles, não encontrando ali cadáver algum. O pessoal vai novamente no “Colombo” visitar os camarotes da proa.
A “Faro” está no fundo aproada ao norte, mas inclinada para oeste.

Lisboa, 2 de Março – No gabinete do sr. Ministro da Marinha foi recebida a seguinte informação:
«O comandante Metzner deixa mãe, viúva e três filhos menores de seis anos em más circunstâncias; o maquinista Antunes, viúva e quatro filhos; o contra-mestre Higino, viúva e três filhos; o fogueiro Nº 3.325, viúva; e o grumete Nº 5.579, pais de avançada idade. Todas estas famílias ficam em grande pobreza.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 3 de Março de 1912)

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