terça-feira, 27 de março de 2018

História trágico-marítima (CCXLVI)


O naufrágio do lugre "Douro", em Inglaterra

Por telegrama recebido no Porto, sabe-se ter naufragado em 2 de Novembro, à saída de um porto de Inglaterra (Llanelly), devido a grande temporal, o lugre português “Douro”, pertencente à importante firma da praça do Porto, J. Mourão & Cª.
A tripulação morreu, tendo aparecido já vários cadáveres, entre os quais o do capitão do “Douro”.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 13 de Novembro de 1918)

Desenho de um lugre, sem correspondência ao texto

Características do lugre “Douro”
1917-1918
Armador: J. Mourão & Cª., Porto
Nº Oficial: N/d - Iic: H.D.O.U. - Porto de registo: Porto
Construtor: Desconhecido, Bangor, Maine, Estados Unidos, 1875
ex “Carlos”, Serras & Sousa, Lda., Cidade da Praia, Cabo Verde
ex “Harry Smith”, Crosby Brothers, Bangor, Maine, Estados Unidos
Arqueação: Tab 521,45 tons - Tal 469,95 tons
Dimensões: Pp 41,50 mts - Boca 9,35 mts - Pontal 5,18 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 12 tripulantes

O naufrágio do lugre “Douro”
Pormenores
Acerca do naufrágio do lugre “Douro, pertencente à importante firma da praça do Porto, srs. J. Mourão & Cª., já referido da edição de quarta-feira passada, foi possível recolher os seguintes pormenores:
O lugre “Douro” tinha 480 toneladas de registo, 134.1 pés de comprido, 30.9 pés de largo, 17.2 pés de pontal e fôra construído, em 1875, em Bangor, Inglaterra.
O “Douro” tinha saído do Porto para Bristol no dia 6 de Setembro último, com um carregamento de vinho.
No dia 1 do corrente o “Douro” saiu de Bristol com destino ao Porto, trazendo um importante carregamento de carvão para os caminhos-de-ferro do Estado.
No dia seguinte, porém, fôra apanhado por um grande temporal na baía de Carmarthen (País de Gales), que o desmantelou por completo, não tendo sido possível prestar qualquer socorro à tripulação, composta de 12 pessoas, havendo conhecimento de ter aparecido já dez cadáveres, entre os quais o do capitão.
A tripulação do lugre “Douro” compunha-se dos seguintes indivíduos: capitão, João Simões Paião; piloto, Mário E.S. Azevedo; contra-mestre, Augusto Coelho; cozinheiro, José Francisco do Bem; marinheiros, José Vicente Gomes, Cristiano Joaquim Santos, Francisco Simões Chuva e Luiz Casimiro; moços, Francisco Neves, Eugénio Fernandes Bagão, Carlos C. Silva e António Caramonete. Apenas foi possível saber que o capitão era natural de Ílhavo e o piloto do Porto.
Os cadáveres aparecidos traziam cintos de salvação que, infelizmente, para nada serviram.

Confirmação - O que diz um jornal inglês
A firma J. Mourão & Cª. recebeu o seguinte, dos seus correspondentes em Bristol:
«Horas depois de escrita a nossa última carta, soubemos, com grande pesar, do naufrágio do “Douro”, perecendo toda a tripulação.
Durante a longa estadia connosco encontramos o capitão Paião, um homem agradável e correctíssimo, com o qual era um prazer conviver. Enviamos aos seus irmãos e parentes as nossas condolências por esta perda e à sua firma, que se priva dos serviços de tão apto capitão.
Junto enviamos uma notícia dos jornais de 5 do corrente, que informam ter aparecido o cadáver do capitão e presumimos também o do piloto, um jovem prometedor de um largo futuro».

«Notícia do “Western Mail”, de Bristol:
Falta de um barco salva-vidas – Vitimas de naufrágio em Burry Port
No inquérito aberto pelo sr. W.W. Brodie, em Llanelly, na segunda-feira, relativamente ao naufrágio do lugre português “Douro”, na baía de Carmarthen, foi expressa a opinião de que, se houvesse em Burry Port um barco salva-vidas, a tripulação poderia ter sido salva. O inquérito foi feito na presença de seis cadáveres aparecidos em Llanelly e dois em Burry Port.
O oficial de polícia, J. Rees, informou ter achado sobre o corpo de um dos homens um certificado de registo de tripulantes estrangeiros Nº 1.050-L, emitido pela polícia da cidade de Bristol.
O documento apresenta seis carimbos oficiais, dos quais o último foi afixado pelo departamento da polícia distrital de Newport, em 31 de Outubro de 1918. Foi emitido em nome de João Simões Paião, de Ílhavo, e a licença de desembarque concedida em Bristol, em 15 de Outubro, indicando ser ele o capitão da tripulação do “Douro”».
O capitão Richard Samuel, superintendente do porto, interinamente, deu a opinião seguinte:
«Que o “Douro” navegou até Lundy Island e aí perdeu todas as velas. Foi atingido pela corrente da maré em Carmarthen Bay e gradualmente impelido até chegar ao Hooper Bank, à entrada do estuário. Verificando que os corpos estavam munidos dos cintos de salvamento, é seu parecer que os tripulantes estavam preparados para, como último recurso, deixar o navio».
«Quanto ao interrogatório de testemunhas, foi apurado o seguinte:
Oficial de justiça – Foi o lugre visto de qualquer forma de Llanelly?
Testemunha – Sim, senhor, eu mesmo o vi, às 12.30 horas de sábado. Encontrava-se no Hooper Bank, mostrando só uma das suas velas.
Oficial de justiça – Poder-se-ia ter feito alguma coisa em seu socorro?
Testemunha – Depreendi que quando o barco salva-vidas “Tenby” chegasse ao local, já não fossem vistos vestígios. Até há três anos havia um barco salva-vidas estacionado em Burry Port, e, sem dúvida, se houvesse ali um no sábado último os tripulantes do navio naufragado teriam podido saltar para ele, com os seus cintos salva-vidas.
Nesta altura a continuação do inquérito foi adiada para daí a 15 dias».
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 15 de Novembro de 1918)

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