Ocorrências marítimas na Figueira da Foz
O naufrágio do iate “Libânia & Adelaide”
Venho de assistir ao naufrágio do iate “Libânia & Adelaide”. O navio perdeu-se e não se sabe se vai ser possível salvar a carga; a tripulação salvou-se, à excepção do mestre Isaac Henrique, devido à muita dedicação dos esgueirões.
O iate da mesma casa, “Voador do Mondego”, também encalhou na barra, mas safou-se, não perdendo ninguém. Agora, vem a entrar uma galeota inglesa. É grande o risco. Deus a traga a salvamento.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 14 de Dezembro de 1872)
Características de ambos os navios
Iate “Libânia & Adelaide”
Armador: Manuel José de Souza, Figueira da Foz
Nº Oficial: N/d - Iic: H.C.W.S. - Porto de registo: Figueira da Foz
Construtor: N/d
Arqueação: 113,000 m3
Dimensões: N/d
Propulsão: À vela
Nº Oficial: N/d - Iic: H.C.W.S. - Porto de registo: Figueira da Foz
Construtor: N/d
Arqueação: 113,000 m3
Dimensões: N/d
Propulsão: À vela
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Iate “Voador do Mondego”
Iate “Voador do Mondego”
Armador: Manuel José de Souza, Figueira da Foz
Nº Oficial: N/d - Iic: H.F.R.V. - Porto de registo: Figueira da Foz
Construtor: N/d
Arqueação: 87,330 m3
Dimensões: N/d
Propulsão: À vela
Nº Oficial: N/d - Iic: H.F.R.V. - Porto de registo: Figueira da Foz
Construtor: N/d
Arqueação: 87,330 m3
Dimensões: N/d
Propulsão: À vela
Figueira da Foz, 15 de Dezembro – Uma grande desgraça ia ontem enlutando muitas famílias daqui. A Providência Divina, com o auxílio de alguns arrojados pescadores, permitiram, porém, que de tantos desgraçados só houvesse a lamentar uma vítima, que deixou a esposa na viuvez e os filhos na orfandade.
Eis o que aconteceu:
Fora da barra da Figueira, que está má, já andavam há dias uma galeota inglesa, a “My Queen”, com carga de ferro para a ponte do Mondego, e os dois iates do abastado comerciante desta praça, o sr. Manuel José de Souza, “Libânia & Adelaide”, vindo de Lisboa, e o “Voador do Mondego”, procedente da Ilha de S. Miguel.
O tempo era medonho: os sucessivos aguaceiros de oeste-noroeste (pura travessia) parecia que tudo levavam pelo ar, e as vagas do mar, que se encapelavam umas sobre as outras, mostravam a quase impossibilidade de qualquer navio lhes resistir!
Nestas circunstâncias em ambos os iates resolveram, em consulta, entrar a barra, visto que fora dela lhes era duvidoso sobrestarem, principalmente o “Libânia”, que já trazia o pano de proa em estilhaços. Por volta da 1 hora deitaram ambos a proa para a barra; Pouco depois estava o “Libânia” sobre o banco, onde uma montanha de água lhe partiu o traquete, atravessando-o e levando consigo o infeliz Isaac Henriques, capitão do mesmo.
Que quadro horrível e de desespero para os espectadores, que lhe não podiam valer! O navio desgovernado e sem pano sobre um banco de areia, onde se confundia com as próprias ondas! Pouco depois o mar safou-o daquele precipício, arremessando-o de encontro ao cabedelo, onde já se achavam postados uma porção de pescadores do lugar, que com a maior coragem, dedicação e sangue-frio salvaram com um cabo de vai-vem, não só todos os tripulantes que restavam como até o cão!
Cabe aqui dizer que temos lamentado e lamentaremos que o Governo de Sua Majestade, a Câmara Municipal ou mesmo a Associação Comercial não criem um prémio pecuniário para estes infelizes, que, mortos de fome, exaustos de forças, não vacilam em arriscar a sua vida em socorro dos seus semelhantes!
E não foi só isto: a alguns, que não tinham mais que o gabão e o fato do corpo, vimos tirá-los e com eles cobrirem os náufragos!
A carga deste navio era importante; constava de açúcar, aduela, madeira de Flandres e encomendas; quase toda está segura, ainda que não no seu real valor; o navio não. Durante a maré da noite salvaram bastante mercadoria, bem como parte do aparelho; na enchente, porém, o mar levou o fundo do iate, perdendo-se o resto. Os interessados devem aos proprietários muita dedicação e óptimos serviços, sem os quais as perdas seriam talvez completas.
O “Voador”, que, como foi dito, vinha para a barra na popa do outro, encalhou também sobre o banco, e ali, como o “Libânia”, sofreu mil baldões, mas felizmente não perdeu o governo nem pano, o que fez com que, livre do banco, viesse fundear no Mondego sem mais avaria que a falta de algumas folhas de cobre, que deve ter perdido.
Este navio estava seguro e a carga não. Este quadro horroroso fez recordar muita gente do drama «Pedro Sem». Devo em tempo acrescentar, que as guarnições destes dois navios, composta de 17 pessoas, são quase todas daqui.
Ontem de manhã, entrou também com muito risco o caíque “Senhor Jesus das Almas”, mestre Manuel da Cruz, procedente de Lagos com pescaria. Na proa deste vinha da mesma procedência e com a mesma carga o pequeno caíque “Flor de Maria”, mestre João Gomes, mas que se não viu. O mestre Manuel da Cruz, que é proprietário de ambos, supõe-no em Viana do Castelo, ou então perdido.
Na galeota “My Queen”, que estava à vista, mas distante, não devem ter visto a bandeira de entrada franca, que lhe içaram, no pressuposto de poderem salvar-se as vidas dos tripulantes. Este navio aparenta ter tido a viagem mais atribulada do que se pode imaginar: saiu há 100 dias da Suécia, bateu num banco no canal de Inglaterra, arribou a Plymouth, onde, para reparar as avarias, fez avultadíssima despesa, e devido ao capitão se ter suicidado; depois veio para aqui e nas águas da barra tem apanhado temporal desfeito há pelo menos vinte dias!
No dia 8 do corrente já esteve quase perdida próximo do Cabo Mondego; para se não perder valeu-lhe o mar não ser mau e o salva-vidas ir espiá-la para fora até conseguir velejar. Insistirá ainda o seu novo capitão pela entrada na barra da Figueira?
Embora me classifiquem de impertinente, creiam que não cessarei de pedir os aprestes necessário para lançar de terra os cabos de vai-vem. Se o fundão permitiu que o “Libânia” encalhasse tão próximo que dele pudessem dar o cabo para terra, não sucede a mesma situação na maior parte das vezes. E quando, devido a tal incúria, existam vitimas a lamentar, eu não só, ainda que com o meu débil brado, protestarei e rogarei a quem mais autorizado o faça, contra aqueles que tem obrigação de prevenir desastres de tal ordem.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 15 de Dezembro de 1872)
Eis o que aconteceu:
Fora da barra da Figueira, que está má, já andavam há dias uma galeota inglesa, a “My Queen”, com carga de ferro para a ponte do Mondego, e os dois iates do abastado comerciante desta praça, o sr. Manuel José de Souza, “Libânia & Adelaide”, vindo de Lisboa, e o “Voador do Mondego”, procedente da Ilha de S. Miguel.
O tempo era medonho: os sucessivos aguaceiros de oeste-noroeste (pura travessia) parecia que tudo levavam pelo ar, e as vagas do mar, que se encapelavam umas sobre as outras, mostravam a quase impossibilidade de qualquer navio lhes resistir!
Nestas circunstâncias em ambos os iates resolveram, em consulta, entrar a barra, visto que fora dela lhes era duvidoso sobrestarem, principalmente o “Libânia”, que já trazia o pano de proa em estilhaços. Por volta da 1 hora deitaram ambos a proa para a barra; Pouco depois estava o “Libânia” sobre o banco, onde uma montanha de água lhe partiu o traquete, atravessando-o e levando consigo o infeliz Isaac Henriques, capitão do mesmo.
Que quadro horrível e de desespero para os espectadores, que lhe não podiam valer! O navio desgovernado e sem pano sobre um banco de areia, onde se confundia com as próprias ondas! Pouco depois o mar safou-o daquele precipício, arremessando-o de encontro ao cabedelo, onde já se achavam postados uma porção de pescadores do lugar, que com a maior coragem, dedicação e sangue-frio salvaram com um cabo de vai-vem, não só todos os tripulantes que restavam como até o cão!
Cabe aqui dizer que temos lamentado e lamentaremos que o Governo de Sua Majestade, a Câmara Municipal ou mesmo a Associação Comercial não criem um prémio pecuniário para estes infelizes, que, mortos de fome, exaustos de forças, não vacilam em arriscar a sua vida em socorro dos seus semelhantes!
E não foi só isto: a alguns, que não tinham mais que o gabão e o fato do corpo, vimos tirá-los e com eles cobrirem os náufragos!
A carga deste navio era importante; constava de açúcar, aduela, madeira de Flandres e encomendas; quase toda está segura, ainda que não no seu real valor; o navio não. Durante a maré da noite salvaram bastante mercadoria, bem como parte do aparelho; na enchente, porém, o mar levou o fundo do iate, perdendo-se o resto. Os interessados devem aos proprietários muita dedicação e óptimos serviços, sem os quais as perdas seriam talvez completas.
O “Voador”, que, como foi dito, vinha para a barra na popa do outro, encalhou também sobre o banco, e ali, como o “Libânia”, sofreu mil baldões, mas felizmente não perdeu o governo nem pano, o que fez com que, livre do banco, viesse fundear no Mondego sem mais avaria que a falta de algumas folhas de cobre, que deve ter perdido.
Este navio estava seguro e a carga não. Este quadro horroroso fez recordar muita gente do drama «Pedro Sem». Devo em tempo acrescentar, que as guarnições destes dois navios, composta de 17 pessoas, são quase todas daqui.
Ontem de manhã, entrou também com muito risco o caíque “Senhor Jesus das Almas”, mestre Manuel da Cruz, procedente de Lagos com pescaria. Na proa deste vinha da mesma procedência e com a mesma carga o pequeno caíque “Flor de Maria”, mestre João Gomes, mas que se não viu. O mestre Manuel da Cruz, que é proprietário de ambos, supõe-no em Viana do Castelo, ou então perdido.
Na galeota “My Queen”, que estava à vista, mas distante, não devem ter visto a bandeira de entrada franca, que lhe içaram, no pressuposto de poderem salvar-se as vidas dos tripulantes. Este navio aparenta ter tido a viagem mais atribulada do que se pode imaginar: saiu há 100 dias da Suécia, bateu num banco no canal de Inglaterra, arribou a Plymouth, onde, para reparar as avarias, fez avultadíssima despesa, e devido ao capitão se ter suicidado; depois veio para aqui e nas águas da barra tem apanhado temporal desfeito há pelo menos vinte dias!
No dia 8 do corrente já esteve quase perdida próximo do Cabo Mondego; para se não perder valeu-lhe o mar não ser mau e o salva-vidas ir espiá-la para fora até conseguir velejar. Insistirá ainda o seu novo capitão pela entrada na barra da Figueira?
Embora me classifiquem de impertinente, creiam que não cessarei de pedir os aprestes necessário para lançar de terra os cabos de vai-vem. Se o fundão permitiu que o “Libânia” encalhasse tão próximo que dele pudessem dar o cabo para terra, não sucede a mesma situação na maior parte das vezes. E quando, devido a tal incúria, existam vitimas a lamentar, eu não só, ainda que com o meu débil brado, protestarei e rogarei a quem mais autorizado o faça, contra aqueles que tem obrigação de prevenir desastres de tal ordem.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 15 de Dezembro de 1872)
Notícias do reino, publicadas no jornal “Tribuno Popular”,
Coimbra, sábado, 14 de Dezembro de 1872
Coimbra, sábado, 14 de Dezembro de 1872
«Temos a registar mais um grande serviço prestado pelo Joaquim Lopes, da costa de Buarcos. Nada menos que uma tripulação e um navio salvos pelo valente patrão do salva-vidas, o sr. Jacinto de Abreu Guerra, o qual, apesar dos seus 70 anos de idade, afronta sem tremer os perigos do mar em socorro dos que nele se acham em perigo.
Eis as notícias que chegam da costa de Buarcos»:
«Sem comentários passo a narrar um facto ocorrido na baía de Buarcos no dia 8 do corrente mês. Naquele dia, às 8 horas da manhã, demandavam a barra da Figueira, para entrar, um iate nacional e uma chalupa inglesa. A curta distância de terra foram estas embarcações surpreendidas por uma espessa cerração, a qual de todo lhes ocultou a terra. Viraram na volta do mar, aproando ao Noroeste na intenção de subirem o Cabo Mondego e franquearem-se de terra.
Arrastados por grossa vaga de Oeste e desviados do rumo por uma vaga de água, que os encostava para o cabo, ao clarear da cerração, encontravam-se numa situação tão difícil quanto perigosa: o mar quebrava a pequena distância sobre os rochedos e o vento escasseava cada vez mais, restando-lhes por única manobra abicarem os ferros.
«Ficaram, portanto, os navios à mercê das amarras, não havendo espaço para arreiar suficiente filame, nem tão pouco largar outros ferros, no caso de aqueles faltarem; é, portanto, claro que a posição dos navios era arriscadíssima. O iate, que se achava em lastro e com uma suficiente tripulação, lançou a lancha ao mar, e com o auxílio de espias conseguiu fazer-se ao largo e velejar; porém a chalupa, que se achava carregada de ferro e com um pequeno número de tripulantes, não obstante tentar a mesma manobra, não o conseguiu; a cada momento se tornava mais critica a sua posição; o mar já quase lhe rebentava a pouca distância pela amura de estibordo; sem mais socorros, o naufrágio seria inevitável e a perda de vidas mais do que provável.
«Felizmente, as providências da terra foram tão prontas como a urgência do caso reclamava. Rapidamente saiu de Buarcos o bote salva-vidas, guarnecido com 22 homens, e, vogando com a máxima presteza em socorro do navio em pouco tempo conseguiu abordá-lo, e depois de 5 horas de aturado trabalho e repetidos esforços conseguiu pôr a salvo o navio, que horas antes se considerava perdido, de encontro ao sem número de escolhos que bordam aquela parte da costa.
Honra, pois, a todos que concorreram a tão prontas como acertadas providências – para o digno patrão do barco de socorro, o sr. Jacinto de Abreu Guerra, e para todos os tripulantes do mesmo barco, que pela vez primeira concorreram aquele humanitário serviço, sem a menor excitação. - Buarcos, 10 de Dezembro de 1872».
Eis as notícias que chegam da costa de Buarcos»:
«Sem comentários passo a narrar um facto ocorrido na baía de Buarcos no dia 8 do corrente mês. Naquele dia, às 8 horas da manhã, demandavam a barra da Figueira, para entrar, um iate nacional e uma chalupa inglesa. A curta distância de terra foram estas embarcações surpreendidas por uma espessa cerração, a qual de todo lhes ocultou a terra. Viraram na volta do mar, aproando ao Noroeste na intenção de subirem o Cabo Mondego e franquearem-se de terra.
Arrastados por grossa vaga de Oeste e desviados do rumo por uma vaga de água, que os encostava para o cabo, ao clarear da cerração, encontravam-se numa situação tão difícil quanto perigosa: o mar quebrava a pequena distância sobre os rochedos e o vento escasseava cada vez mais, restando-lhes por única manobra abicarem os ferros.
«Ficaram, portanto, os navios à mercê das amarras, não havendo espaço para arreiar suficiente filame, nem tão pouco largar outros ferros, no caso de aqueles faltarem; é, portanto, claro que a posição dos navios era arriscadíssima. O iate, que se achava em lastro e com uma suficiente tripulação, lançou a lancha ao mar, e com o auxílio de espias conseguiu fazer-se ao largo e velejar; porém a chalupa, que se achava carregada de ferro e com um pequeno número de tripulantes, não obstante tentar a mesma manobra, não o conseguiu; a cada momento se tornava mais critica a sua posição; o mar já quase lhe rebentava a pouca distância pela amura de estibordo; sem mais socorros, o naufrágio seria inevitável e a perda de vidas mais do que provável.
«Felizmente, as providências da terra foram tão prontas como a urgência do caso reclamava. Rapidamente saiu de Buarcos o bote salva-vidas, guarnecido com 22 homens, e, vogando com a máxima presteza em socorro do navio em pouco tempo conseguiu abordá-lo, e depois de 5 horas de aturado trabalho e repetidos esforços conseguiu pôr a salvo o navio, que horas antes se considerava perdido, de encontro ao sem número de escolhos que bordam aquela parte da costa.
Honra, pois, a todos que concorreram a tão prontas como acertadas providências – para o digno patrão do barco de socorro, o sr. Jacinto de Abreu Guerra, e para todos os tripulantes do mesmo barco, que pela vez primeira concorreram aquele humanitário serviço, sem a menor excitação. - Buarcos, 10 de Dezembro de 1872».
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«Por outra via consta que, quando o salva-vidas chegou ao pé do navio, já o mar lhe quebrava por fora, e tanto a Alfândega como o povo que se juntou de terra o julgavam perdido. Isto passou-se defronte da fábrica nova de vidros. O intrépido patrão do salva-vidas tentou e conseguiu, debaixo de muito risco, com a sua gente, lançar espias ao navio. Depois saltou-lhe dentro com a gente, deixando quatro homens no salva-vidas para o caso de rebentarem as espias e terem de abandonar o navio; mas não foi preciso, porque o navio obedeceu às espias e foi conduzido para a enseada de Buarcos.
Talvez hoje (dia 10), entre a barra. O navio traz o resto do ferro para a ponte da Portela. Os homens que tripularam o salva-vidas ganharam 2$000 réis cada um, e não foi muito em vista do serviço que fizeram e do risco que correram. – Buarcos, 10 de Dezembro de 1872».
(In jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 17 de Dezembro de 1872)
Talvez hoje (dia 10), entre a barra. O navio traz o resto do ferro para a ponte da Portela. Os homens que tripularam o salva-vidas ganharam 2$000 réis cada um, e não foi muito em vista do serviço que fizeram e do risco que correram. – Buarcos, 10 de Dezembro de 1872».
(In jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 17 de Dezembro de 1872)
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