domingo, 20 de agosto de 2017

História trágico-marítima (CCXXIX)


Sinistro marítimo
O “Highland Hope” encalhou nas Berlengas
3ª Parte

O naufrágio do “Highland Hope”
O paquete mantem-se na mesma posição
O “Highland Hope” mantem-se na mesma posição. Este facto faz supor que o paquete está já apoiado em rochas, porquanto se assim não fosse ter-se-ia afundado, pelo menos todo o meio-navio e a popa.
Junto a ele continuam algumas traineiras, recolhendo o que é ainda possível salvar. Está previsto que o navio começará a ser despedaçado, se o temporal aumentar de violência.
Cerca das 11 horas, retiraram para o Tejo o navio da Armada “Patrão Lopes” e o rebocador de alto mar “Valkyrien”. O primeiro destas unidades, que reboca duas embarcações, transporta um enorme carregamento de bagagens salvas pelos marinheiros da sua guarnição, que nesses serviços foram dirigidos por alguns oficiais e sargentos.
À praia continuam a chegar traineiras conduzindo algumas bagagens do paquete naufragado. A população de Peniche exigiu que se fizessem imediatamente buscas às residências dos pescadores, a fim de serem esclarecidos procedimentos menos correctos que lhes eram atribuídos por determinadas pessoas.
Durante as buscas passadas de manhã às residências dos pescadores, foram unicamente encontrados pequenos objectos, que constituem apenas recordações do naufrágio.
Os náufragos em Lisboa
Cerca das 13 horas chegaram à estação de Alcântara-Terra numerosos náufragos, que ali aguardavam com ansiedade, a chegada do comboio das 13 horas e 32, onde presumiam que viessem algumas das suas bagagens recolhidas durante o dia de ontem. A breve trecho, foram, porém, informados de que uma parte dos salvados seria transportada para Lisboa, hoje, à tarde, em camião e outra parte no “Patrão Lopes”.
Em Peniche estão ainda depositadas bagagens e outros haveres dos náufragos, que são unânimes em manifestar a sua admiração pela forma como estão montados os serviços da casa Pinto Basto, representante em Lisboa da empresa proprietária do paquete e pela maneira rápida e inteligente como lhes foram prestados socorros.
Todas as despesas têm sido prontamente cobertas, dispondo os náufragos de uma liberdade de acção, que lhes permite sem a menor dificuldade acorrer às suas mais urgentes necessidades. Os passageiros exteriorizam assim a cada passo, e em termos entusiásticos, o inteligente serviço de assistência e auxilio, que desde o primeiro momento da sua estada em Lisboa lhes são prestados.
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Todas as mercadorias que se encontram a bordo estão seguras em várias companhias da especialidade.
O “Highland Hope”, que fazia, agora, a terceira viagem e cuja construção custara 15 mil contos, é o oitavo navio que encalha no rochedo do Farilhão, muito próximo das Berlengas.
Os trabalhos do “Patrão Lopes”
Regressou hoje ao Tejo o “Patrão Lopes”, que trouxe alguma bagagem de passageiros, que salvou, bem como dois escaleres, que vieram a reboque daquele vapor, tendo ido um barco do consignatário do navio naufragado buscar a bordo do “Patrão Lopes” a referida bagagem.
O comandante do “Patrão Lopes” informou que o rebocador alemão, que fôra encarregado de proceder ao salvamento do “Highland Hope”, largou do local do sinistro às 2 horas e 10, abandonando o salvamento do material existente no referido vapor, tendo transportado ainda algum a bordo, deixando de o entregar à alfândega, como lhe competia e como determinam as nossas leis.
Informou mais que foi a bordo do “Highland Hope”, bem como o capitão de um rebocador dinamarquês, visitar o navio, tendo-lhe passado revista, com o auxílio de um mergulhador, considerando o navio perdido, opinião que mereceu a concordância dos capitães dos rebocadores alemão e dinamarquês.
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Seguiram hoje para Peniche o capitão e os oficiais do paquete “Highland Hope”, os quais se dirigiam para bordo daquele navio, na intenção de ali retirarem as suas bagagens e os documentos de bordo. Não conseguiram o seu intento, devido ao grande temporal que está a dominar naquela zona do litoral. Foi já salvo quase todo o mobiliário das 1ª e 2ª classes daquele paquete.
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No «sud-express», chegou o capitão P.F. Howe, representante do Lloyds, que ficou hospedado no Avenida Palace. Era aguardado pelo representante da Mala Real Inglesa e por um empregado da mesma firma, que ficou às suas ordens. Amanhã, às 6 horas da manhã, parte de automóvel para Peniche, a fim de examinar o “Highland Hope” e só depois transmitirá à imprensa as suas impressões.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 21 de Novembro de 1930)

Imagem do navio encalhado - Foto do Museu Municipal de Peniche
Venâncio, Rui; Ramos, Dulcineia; Veríssimo, Rodolfo; Silva, Ana Elisa,
Património Cultural de Turismo, um elemento diferenciador, 2007

O naufrágio do “Highland Hope”
As vagas tem açoitado fortemente o paquete,
sendo de esperar o seu breve desaparecimento
O vento, mais forte do que ontem, levantou muito o mar. As vagas começaram hoje de manhã a bater o paquete com violência, calculando-se que, a continuar, a destruição do “Highland Hope” não se faça esperar. Devido ao temporal, estão cortadas as comunicações de terra com o navio, desde ontem à noite.
Hoje de manhã, chegou a Peniche, em automóvel, ido de Lisboa, o sr. capitão P.F. Howe, delegado do Lloyds inglês, que desde ontem está em Portugal. Foi-lhe, porém, impossível seguir para bordo do paquete, devido ao estado do tempo.
As buscas nas residências dos pescadores continuaram hoje, não tendo dado qualquer resultado. A bordo de uma traineira foram apreendidos pelo pessoal da Alfândega alguns objectos e outros haveres recolhidos do “Highland Hope”, os quais não tinham sido ainda entregues às autoridades locais.
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O “Patrão Lopes” desembarcou no posto alfandegário da Rocha do Conde de Óbidos as bagagens recolhidas a bordo do navio. Esta manhã, os náufragos que estão em Lisboa dirigiram-se ao Posto de Desinfecção, procurando encontrar, entre os numerosos volumes salvos do paquete encalhado, as malas, as roupas e outros objectos que lhes pertencem. Alguns, mais felizes, puderam reaver todas as suas bagagens. Mas uma grande parte deles voltou sem ter encontrado os seus haveres.
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O sr. embaixador de Inglaterra testemunhou de viva voz ao sr. ministro dos Estrangeiros, em nome do seu governo, o mais vivo agradecimento pelo procedimento dos pescadores e população de Peniche, no auxílio prestado aos náufragos do “Highland Hope”.
Igualmente o sr. ministro da Argentina dirigiu uma nota de agradecimento, nos termos mais penhorantes para os pescadores e população de Peniche.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 22 de Novembro de 1930)

O naufrágio do “Highland Hope”
O “Highland Hope” que está abandonado, continua a ser fortemente batido pela rebentação do mar, sendo impossível a qualquer embarcação aproximar-se dele.
O rebocador de alto-mar “Valkyrien”, levando a bordo algumas praças da Guarda-fiscal, segue amanhã para junto do navio encalhado, a fim de tentar trazer alguns salvados.
No entanto, se o tempo não melhorar, serão infrutíferos todos os esforços e, se o vento rondar para leste, o navio passará a ser mais violentamente batido pelo mar, devendo começar a desfazer-se.
Durante o dia de hoje, o chefe do posto alfandegário, sr. Mário Noronha Oliveira, acompanhado de algumas praças da Guarda-fiscal, realizou algumas buscas às residências dos marítimos, tendo sido apreendidos vários objectos sem importância. Foram efectuadas, no entanto, prisões.
O estado do navio
A bordo de rebocador de alto-mar “Vakyrien”, chegou hoje a Peniche o capitão Howe, que conseguiu entrar a bordo do paquete naufragado.
Ao contrário do que se poderá pensar, a água não entrou ainda na maior parte do transatlântico. Compartimentos estanques preservam três quartas partes do navio, da invasão do mar. A sala de música está intacta, bem como a biblioteca, sala de fumo, salão de senhoras e muitas outras dependências.
Nos corredores acham-se amontoadas bastantes bagagens que os pescadores, dirigidos pelo imediato e por outro oficial do “Highland Hope” transportam constantemente para as traineiras, que por sua vez as transportam para terra.
Ao percorrer o navio, sente-se, por forma impressionante, a invasão da água que, entrando pelo rombo da quilha, próximo da roda da proa, sai com grande violência pelas vigias da ré.
Parte das dependências, de meio-navio para a ré, está completamente destruída pelo mar, que atravessa já o convés de estibordo a bombordo. O paquete estremece de quando em vez com mais violência, sentindo-se a cada passo o ruído cavo do choque com as rochas.
É de prever que os mergulhadores não possam realizar quaisquer trabalhos na parte do navio inundada, porquanto a água entra ali com grande energia.
A bordo estão os dois oficiais do navio, já referidos, o representante do Lloyds e algumas praças da Guarda-fiscal.
Continuam as rusgas às residências dos pescadores, sem resultados. Foi suspensa a requisição dos agentes da Polícia de Investigação Criminal, que tinham sido chamados a Peniche para tratar da apreensão de objectos pertencentes ao paquete naufragado.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 23 de Novembro de 1930)

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