sexta-feira, 17 de abril de 2015

História trágico-marítima (CXLV)


O encalhe do paquete "Ruy Barbosa"
Conclusão

Paquete “Ruy Barbosa”
O mar apresentou-se, ontem, com alguma ondulação, devido ao vento fresco que se fez sentir, dificultando um pouco a descarga da mercadoria do “Ruy Barbosa”, pois junto ao vapor fazia alguma ressaca. Contudo, ainda foram descarregadas bastantes mercadorias e transportadas para o porto de Leixões.
Conforme previamente noticiado, o vapor considera-se completamente perdido e entregue à inclemência do mar, que se encarregará de destruir, depois de serem retiradas todas as mercadorias que sejam possíveis de descarregar, bem como todos os apetrechos de bordo.
O salvadego dinamarquês “Geir” levantou ferro, ontem, de Leixões, pelas 8 horas da manhã, com destino a Gibraltar, visto os seus serviços não serem precisos para o salvamento do navio, por se tornarem dispendiosos.
Toda a tripulação do paquete “Ruy Barbosa” foi, ontem, ouvida na 3ª. secção da 1ª. vara, de que é chefe o sr. escrivão Teixeira, acerca do encalhe do navio, para efeito do protesto marítimo. Interveio nessa diligência o sr. dr. António Pinheiro Torres.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 10 de Agosto de 1934)

O paquete "Ruy Barbosa" no porto de Vitória, Brasil
Foto da colecção do sr. Edson de Lima Lucas

Ainda o encalhe do “Ruy Barbosa”
A descarga deste vapor foi activada, desde ante-ontem de tarde, pela montagem de uma nova caldeira geradora de vapor para os guinchos, devido à que estava a bordo não poder accionar os mesmos sem grandes interrupções.
Também a bomba de esgoto, que está a operar no porão nº 2, de acordo entre os representantes do Lloyd Brasileiro e o sr. Júlio Pinto, da firma Garland, Laidley & Cª., Lda., foi mudada para a amurada de estibordo do referido porão, porque a inclinação do navio sobre esse lado, juntava ali água, a qual foi ontem esgotada, ficando o porão nº 2 enxuto e a carga descoberta.
Devido, também, à potente caldeira da firma Abel Martins Pinto & Cª., que foi colocada a bordo do “Ruy Barbosa”, os serviços de descarga da mercadoria que constitui um Luna-Parque, que seguia para o Rio de Janeiro, tem decorrido normalmente. Ontem, já seguiram do paquete para o porto de Leixões, duas barcaças com diverso material do referido Luna Park, com o peso de 14 toneladas. A dirigir estes serviços tem estado os srs. Abel Martins Pinto e Armando Saldanha, que tem permanecido a bordo, visto o interesse que demonstraram em salvar todo esse equipamento, que não estava no seguro.
Tem-se notado muitíssimo o incremento que tomou, há 3 dias, a operação da descarga, apesar da dificuldade que o pessoal da estiva tem para trabalhar. O sr. António Costa, mestre estivador, tem posto à prova a sua competência e prática nestes serviços, motivo porque tudo está a ser feito com a ordem, que tais casos requer, o que muito concorre para a descarga ser mais rápida.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 19 de Agosto de 1934)

Ainda o encalhe do “Ruy Barbosa”
Um esclarecimento
Foi recebida uma carta da agência no Porto da Companhia Lloyd Brasileiro comunicando que, de acordo com a declaração da firma Abel Martins Pinto & Cª., a permanência a bordo de qualquer sócio desta firma se destina a fiscalizar o seu pessoal, para o bom funcionamento da caldeira alugada.
Esclarece, ainda, a carta da agência da Companhia Lloyd Brasileiro, que todos os trabalhos de direcção têm sido levados a efeito pelo sr. F. Schmidt, estimado agente geral daquela Companhia, que se constitui o único salvador.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 21 de Agosto de 1934)

Ainda o encalhe do “Ruy Barbosa”
Foram suspensos os trabalhos de descarga
Comentários do agente geral do Lloyd Brasileiro
O mar, nestes últimos dois dias, apresentou-se um tanto alterado, o que motivou a suspensão dos serviços a bordo do paquete “Ruy Barbosa”, para salvamento da carga que conduzia.
Num encontro agendado com o sr. F. Schmidt declarou:
- «A meu ver, desde o primeiro momento considerei o navio como perdido; pois, se tecnicamente o seu salvamento seria possível, como ainda é, não é cabível praticamente em função da soma que teria de dispender-se para o navio ser arrancado dos rochedos, no estado em que se acha, e pô-lo em condições de navegabilidade. Certamente importaria numa despesa que, por si, não compensaria esse sacrifício. Mais, os preços correntes dos navios com a idade do “Ruy Barbosa”, ou mesmo os preços correntes de navios já usados e com capacidade idêntica àquele paquete, com uso muito menor do que o dele, são de molde a confirmar o meu ponto de vista.
Nestas circunstâncias, deve-se continuar a salvar tudo quanto fôr possível (carga e apetrechos do navio), tal como vem sendo feito desde as primeiras horas. Quanto ao casco, devo esclarecer que o navio não está no seguro e, sendo assim, teremos de depender das instruções que a sede da Companhia se servir passar.
Pela minha parte, estou satisfeito com o serviço de salvamento das mercadorias. Acho mesmo que, se se atender de um modo geral às condições do sinistro, seria impossível fazer-se mais do que tem sido feito. Eu, entretanto, como salvador, posso com toda a segurança afiançar que as cargas, que respondem pelas despesas de salvamento, serão, segundo os meus cálculos, sobrecarregados de uma parcela tão pequena, que talvez não tenha até hoje havido um exemplo tão frisante, quanto ao deste, no que diz respeito ao escrúpulo em matéria de salvamento.
Tudo isto resulta de um sinistro, que se deve unicamente aos caprichos ou fortuna do mar. Se não fosse bastante a fé de ofício do sr. comandante Floquet – 22 anos de serviço à Companhia, sendo 17 anos ininterruptos de comando, sem nunca ter registado uma única avaria; se não fosse a demonstração dada com a ordem que houve no desembarque de passageiros, tripulantes, suas bagagens e malas do correio, logo ao primeiro momento; se não fosse bastante, ainda, a demonstração espontaneamente fornecida por todos os passageiros das precauções que notaram e que foram tomadas pelo comando do navio, antes do sinistro: seria mais que suficiente a declaração pública feita pelo sr. capitão do porto, no dia seguinte ao do desastre, de que o nevoeiro era denso quando se deu o encalhe.
Quero neste quadro agradecer as atenções e facilidades concedidas por parte das autoridades e da alfândega, dentro da medida do possível, estando muitíssimo grato por tudo quanto tem sido feito em favor do Lloyd Brasileiro».
Notas
- O rebocador “Mars II”, na noite de Domingo para segunda-feira, conduziu para a bacia de Leixões o comandante do “Ruy Barbosa”, dois guardas-fiscais e dois marítimos do Mindelo, bem como o barco destes.
- Se o mar o permitir, hoje recomeçarão as operações de descarga e simultaneamente o esgotamento que fôr aconselhável dos porões, que tenham agora metido água devido à violência do mar.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 22 de Agosto de 1934)

O "Ruy Barbosa" no local do encalhe com a proa alquebrada
Foto da minha colecção

Ainda o encalhe do “Ruy Barbosa”
Devido à alteração do mar nestes últimos dias, as vagas embatendo contra o paquete “Ruy Barbosa”, encalhado em frente a Pampelido, originou alquebrar um pouco a proa do vapor, conservando-se, contudo, na mesma posição. Esse alquebramento mal se nota, pouco prejudicando o navio.
A impetuosidade do mar obrigou à paralisação dos trabalhos de descarga de mercadorias e inundou mais o porão nº 2, donde foi retirada quase toda a carga que continha, faltando, apenas, retirar quatro vagões do Luna-Parque, para que fique vazio.
Ontem, procederam ao escoamento da água que novamente inundou aquele porão, tendo trabalhado a caldeira que movimentava duas bombas de escoamento do lado de estibordo. Após o escoamento, irão proceder à retirada do restante material do Luna-Parque, serviço que deve ser efectuado hoje.
Toda a carga boa que se encontrava no paquete encalhado já foi retirada, bem como muito material de bordo. A outra carga existente nos cinco porões inundados será retirada logo que seja possível, estando, contudo, já salva a carga que existia nas cobertas daqueles porões.
Os serviços de salvamento da carga tem sido esplêndidos, dada a rapidez como eles se têm efectuado, não só pela quantidade de mercadoria que já foi retirada, como pela distância a que o “Ruy Barbosa” se encontra do porto de Leixões – cerca de 3 milhas.
Muito do material do Luna-Parque, que se destinava ao Rio, bem como material do navio encalhado seguiu, ante-ontem, para aquela cidade do Brasil, a bordo do paquete “Almirante Alexandrino”, estando-se a proceder à organização do embarque da restante carga, que foi salva e que está em boas condições.
Junto do “Ruy Barbosa” tem-se conservado o rebocador “Mars II”, que serve de vigia ao navio e reboca as lanchas com a mercadoria salva para o porto de Leixões.
Se o mar o permitir, prosseguirão os trabalhos de salvamento da restante carga que está a bordo, com a mesma intensidade como até aqui, visto ter sido de molde a merecer os mais rasgados elogios pela rapidez como foram executados, sem exigências de mais ou melhor.
Ontem, o “Ruy Barbosa” foi bastante fustigado pelas vagas, tendo o navio com surpresa vindo a resistir muito à força do mar.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 30 de Agosto de 1934)

O naufrágio do “Ruy Barbosa”
A Companhia Lloyd Brasileiro, de acordo com as autoridades brasileiras, a União Internacional Marítima, de Berlim; o Verein Hamburger Assurance, e os comités dos Lloyds de Londres e Paris, encarregou o regularizador de avarias sr. Manuel Fontes, de tratar do caso do paquete “Ruy Barbosa”, pertença daquela empresa e que se perdeu num naufrágio, próximo a Leixões.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 18 de Outubro de 1934)

O paquete “Ruy Barbosa” começou a ser desfeito pelo mar,
sendo grande a quantidade de madeira arrojada à praia.
Foi anulada a arrematação do casco e morreu, já, o gato de bordo.
O “Ruy Barbosa”, o explêndido paquete do “Lloyd Brasileiro” há meses encalhado à vista da praia de Pampelido, continua à merce da impetuosidade do mar, sem que, desde o dia 1 deste mês tenha podido ir a bordo o pessoal, a fim de continuar os trabalhos encetados para o seu desmantelamento.
Devido aos recentes temporais, o belo paquete foi fortemente batido pelo mar, que o partiu a meio, junto à ponte de comando, numa das últimas noites.
A proa ficou mergulhada em parte, com grande inclinação e sensivelmente separada da outra parte do paquete, que se conserva na posição tomada aquando do encalhe.
Agora é o “Ruy Barbosa” atravessado de lado a lado pelas vagas, sendo considerável a quantidade de madeira arrancada ao seu interior, e que, à mistura com carvão, tem sido arrojado à praia.
Resistindo a tudo, a mastreação e a ponte de comando ainda se conservam nos seus respectivos lugares, o que é para admirar.
***
Em Pampelido foi construído um barracão para resguardo do que o mar arroje à praia, estando os salvados sob a vigilância da guarda-fiscal.
***
No paquete viajava um gato, ao que parece pertença do pessoal de bordo. Deu-se o encalhe. Passageiros e tripulantes fizeram o desembarque, trazendo para terra a bagagem e tudo mais que lhes pertencia.
No entanto, apesar da tragédia o gato foi abandonado, como coisa inútil, talvez esquecido nas primeiras horas de nervosismo por quem com ele tantas viagens tinha feito. E o gato, por estar já habituado a viver em casa flutuante, deixava-se amimar pelas pessoas que procediam ao salvamento da carga e dos restos do paquete, mas fugia sempre quando pretendiam trazê-lo para terra.
O seu corpo foi há dias arrojado à praia, tendo morrido de fome por a bordo não ir pessoa alguma, durante quase um mês, levar-lhe o alimento necessário. Foi a única vítima do naufrágio...
***
Na oportunidade dá-se conhecimento que a arrematação do casco do “Ruy Barbosa” foi anulada pelas instâncias competentes, por estar pendente dos tribunais uma reclamação.
Segundo consta, os arrematantes, considerando-se prejudicados, vão propor no respectivo tribunal uma acção por perdas e danos.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 30 de Dezembro de 1934)

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