segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

História trágico-marítima


O encalhe do cargueiro “Merle”

Escolhi o dia de hoje para ir ver o navio encalhado. Podia ter ido ontem, mas o tempo ainda não se apresentava agradável para percorrer a estrada oeste da ria de Aveiro e depois já imaginava, por ser Domingo, que iria ser dia de São Navio. Acho que acertei no dia e na hora, meio da tarde, pois não havia muito transito, mas mesmo assim não consegui evitar a inconveniência de um ou outro aguaceiro.
Seguindo o caminho para S. Jacinto, alguns quilómetros depois da Torreira, revelou-se fácil encontrar a entrada que dava acesso à praia na zona do Muranzel, em virtude da quantidade de carros estacionados na berma da estrada. Percorrido o carreiro de terra e areia, com água e lama à mistura, durante uma boa meia hora, lá estava o navio solidamente plantado na areia, levemente acossado pelo mar e apresentando uma ligeira inclinação sobre a proa, enterrada cerca de 1,30 metros, conforme verificação através da escala do calado. Ambas as âncoras e respectivas correntes estão também enterradas na areia e os orifícios onde operam as hélices de proa, estão igualmente quase cobertas, certamente deixando de serem vistos nos próximos dias, face à natural acumulação de areia trazida pelo mar.
Depois de circundar o casco do navio, que se encontra em bom estado, não se revela perceptível entender por onde possa ter entrado água na casa da máquina, provocando a avaria da mesma, segundo explicação dada como causa do naufrágio, até porque o navio navegava vazio, mas lastrado, com uma altura de bordos consideravelmente superiores ao habitual quando completamente carregado. O que também não entendo é o motivo do cargueiro estar a navegar numa linha paralela à costa na ordem das seis milhas, quando as condições atmosféricas aconselhariam uma navegação mais ao largo, onde provavelmente encontraria uma ondulação significativamente inferior. Enfim…


Analisado o histórico comercial do “Merle”, constato ser um navio que conheci muito bem, enquanto batizado com o nome “Freya”, durante os meus anos ligados à actividade portuária. Com efeito, houve um período durante os anos 90, que recebia a visita praticamente quinzenal deste navio em Leixões, num tráfego direto estabelecido com o porto de Roterdão. E fazia escalas igualmente em Lisboa e em Aveiro. Transportava para Portugal diversos tipos e embalagens com chapa de aço, de origem francesa, belga e alemã, carregados em Vlaardingen, regressando ao mesmo porto completamente carregado de granito e madeira. Esta mercadoria era depois transferida para barcaças, que por sua vez seguiam Reno acima com destino a vários portos e entrepostos na Alemanha.

Navio-motor “Merle”
2007-? (em serviço)
Nacionalidade: Ilhas Cook


Nº Imo: 8918306 - Iic.: E5U2648 - Registo: Avatiu
Construtor: Werf Vervako, Heusden, Holanda, Jan/1991
ex "Freya", Pistoor Schiffahrts KG., Leer, 1991/1996
Arqueação: Tab 1.548 tons - Peso morto 2.412 tons
Dimensões: Ff 79,60 mt - Pp 74,90 mt - Boca 11,30 mt
Propulsão: Deutz - 1:Di - 6:Ci - 816 Bhp - 10 m/h
Equipagem: 6 tripulantes

O encalhe do navio ocorreu no último sábado de manhã, dia 19, considerando as condições de mau tempo, tendo sido apenas participado às autoridades que o navio se encontrava em dificuldades, quando este se encontrava a cerca de 600 metros da costa, já sem possibilidade de assistência ou de socorro local. O “Merle” encontrava-se em viagem entre os portos espanhóis de El Ferrol e de Huelva, tendo os tripulantes conseguido chegar a terra salvos, pelos próprios meios.
Não considero o navio perdido, por se encontrar em zona de praia limpa (fundos de areia) e por não ser batido pelo mar com exagerada violência. Desde que o armador ou a companhia seguradora se decidam pela recuperação do navio, quando as condições de tempo e mar o permitam, pode ser efectuada a limpeza das areias através da abertura dum ligeiro canal, saindo o navio para o mar rebocado por equipamento adequado. Convém no entanto salientar que tanto a hélice como o leme estão severamente danificados, obrigando à necessária docagem para reparação.

3 comentários:

Rui Amaro disse...

AHOY
Isso é "Ships Passion" atravessar a mata cheia de charcos mas parece que valeu a pena, pelo menos pelas fotos.
Esse navio lá das longínquas Cook Islands, só no registo. Como FREYA arvorou a bandeira de Portugal, está claro sob o registo Int. da Madeira, MAR.
Imo 8918306 construído como FREYA pelo estaleiro Vertako, de Heusden, teve também o nome de BIRCH, e actualmente pertence a um armador Turco. Mas o data-base está difícil de concluir.
Quanto à reflutuação não deve ser difícil, umas escavadoras à volta do navio a formarem um lago e um rebocador, como fizeram com o KAI,naquelas redondezas, ou como o PANDA STAR, ali para os lados da Povoa do Varzim.
Saudações marítimo-entusiasticas.
Rui Amaro

Ana Maria Lopes disse...

Gostei muito de ler. Gabo-lhe a paciência de ir ver, mas era coisa que também faria se fosse mais nova, menos frágil e com companhia. Para mim, impensável, mas gostei de saber que lá foi. As imagens seduzem-me (gostava de ter) e o destino do navio também é para ir seguindo, pelos jornais. O local, embora perto, não se me torna acessível. E o tempo que tem feito....apanhava um gripanço... Ao vivo, são sempre outro espectáculos, mesmo lamentáveis.

Ana Maria Lopes disse...

Na terça-feira, numa reunião da AMI, no museu, estive com o Comandante David, que conhecemos, que disse ter dado várias vezes entrada a esse navio, ainda com o nome que cita - FREYA.
Mas saímos do museu com um temporal e sem luz, que nem queira saber!...