terça-feira, 22 de janeiro de 2013

História trágico-marítima (XXX)


O ataque ao vapor “Desertas”, na ria de Aveiro

No dia 12 de Agosto de 2011 ocorreu-me escrever sobre o ataque efectuado por um submarino alemão ao vapor “Desertas”, quando este se encontrava encalhado sobre um banco de areia na ria de Aveiro, a coberto do título acima referenciado. Termino o texto então publicado, lamentando a falta de documentos com informação sobre o assunto, tendo à data especulado que o ataque tinha sido deliberado e meticulosamente preparado, com vista a destruir o navio, nos seguintes termos:
Transcrição
Decorridos quase 100 anos sobre o incidente, não encontro referência ao submarino que levou a cabo o surpreendente e esporádico canhoneamento ao “Desertas”, pela não existência do relatório correspondente. Essa omissão sugere que o episódio de guerra foi deliberado pela estrutura militar e meticulosamente preparado, visando a total ou parcial destruição do navio. Só assim se entende a aproximação do submarino a curta distância da linha de costa, sabendo estar numa área perigosa e de fácil acesso a uma fatal retaliação.
Fim de transcrição
Afinal, volvido um ano e alguns meses, ganhei de presente a página do «Diário de bordo» do submarino alemão, que participou no ataque ao “Desertas”, que serve para provar estar completamente errado, tal como o jornalista do “Comércio do Porto” que assina a reportagem, já que o episódio teve contornos completamente diferentes.

Folha do Diário de Bordo, do submarino alemão U-22

Em função deste documento, confirma-se que o submarino em questão foi o U-22, sob o comando do capitão Hinrich Hermann Hashagen, durante uma patrulha a navegar ao longo da costa, de sul para norte, no dia 4 de Setembro de 1918. Durante a manhã o submarino atacou e afundou o barco de pesca “Santa Maria”, quando este se encontrava ao largo de Peniche. Continuando a viagem para norte, já durante a tarde, à passagem pelo novo molhe de Aveiro, avistaram um vapor no interior do porto, pelo que decidiram mover-lhe um ataque à granada. Entretanto, forçada a aproximação à costa, puderam constatar que o navio se encontrava encalhado, pelo que face à hipótese do navio nunca vir a ser recuperado, optaram no sentido de dar por findo o ataque, evitando dessa forma o desperdício de munições. Algum tempo depois, foi averiguada a presença de pequenos aviões, levando o submarino a mergulhar, para evitar o ataque dos mesmos, muito embora tenham sido sentidas a bordo já a alguma distância três deflagrações provocadas por cargas de profundidade, sem que tivessem provocado qualquer dano no navio.
Nessa mesma tarde o submarino foi também sujeito a novo ataque, desta feita levado a cabo por um navio patrulha, cujas granadas caíram a cerca de 300 metros, sem que o submarino tivesse ripostado, devido à forte ondulação que se fazia sentir. Novamente a navegar em imersão manteve o rumo de navegação para norte.
Face à explicação da ocorrência, verifica-se ter acontecido um acto de guerra espontâneo, até porque era inviável o aprisionamento do vapor e a identificação do mesmo, razão pela qual se percebe a ausência de mais detalhes no respectivo diário. Posto isto, fica apenas por saber-se qual a draga que foi atingida pelos estilhaços de duas ou três granadas, que lhe terão provocado pequenas avarias, conforme descrito na notícia previamente publicada.

Foto do navio “Desertas”, encalhado na manhã de 19 de Novembro de 1916 e dos oficiais a bordo no convés do vapor. Da esquerda para a direita, José Domingos da Rosa, Imediato; José Guerreiro Jorge, Comandante; António Gomes Ferreira, 1º Maquinista e Belmiro Fernandes Morais, 2º Piloto.
(Imagens de Arnaldo Ribeiro para a Ilustração Portuguesa)

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