terça-feira, 30 de agosto de 2011

História trágico-marítima (XXXVI)


O naufrágio do n.m.” Save “
(3ª parte)

Inesperadamente o “Save” volta a encalhar e deflagra o incêndio seguido de violentas explosões
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Inesperadamente, arrastado pela violência da ventania, o navio foi novamente atirado para a costa, onde encalhou a trezentos metros de um desolado pântano, no qual crescem manguais. De terra e dos outros barcos avistaram então rolos de fumo e altas labaredas saindo de bordo do navio sinistrado e observou-se que a aflição dos passageiros e tripulantes a bordo era grande e que alguns se lançavam ao mar. Supõe-se que o incêndio tenha sido provocado por curto-circuito causado pela água que entrou nos porões. As labaredas começaram logo a irromper ao mesmo tempo na proa e popa do navio. A ponte de comando apresentava, momentos depois, um aspecto desolador, com ferros queimados e torcidos.
Devido ao perigo iminente de uma explosão, o comandante Mário Vieira deu ordem para se abandonar o navio nas baleeiras. A primeira embarcação arreada, em que seguia uma garota de 12 anos agarrada a um rosário, conseguiu chegar a terra a salvo, mas a segunda foi atirada contra o costado do navio, partiu-se e afundou-se. Registou-se então a primeira explosão, que abalou o “Save” de proa à popa. As explosões sucederam-se e destruíram a carcassa do navio.
Quando se declarou a primeira explosão, o barco encontrava-se com a proa virada para o mar e a popa para terra. Da praia apenas se viam quatro pessoas agarradas à proa, em posição de equilíbrio e três outras fora de borda suspensas num cabo ligado ao casco do navio.

Mapa do local do sinistro, assinalado com um -x-

O navio foi atirado contra um banco de areia, na foz do rio dos Bons Sinais
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Mais tarde conheceram-se novos pormenores da tragédia. Assim, a primeira explosão, nos porões da proa, foi seguida por outras. O “Save” encalhou num banco de areia e mais tarde foi arrastado por ondas alterosas até à própria praia, onde ficou a arder. Quando as chamas se tornaram mais ameaçadoras, os passageiros começaram a atirar-se ao mar ou a descer para a água pela corrente da ancora. Muitos conseguiram chegar à praia em cima de caixotes e jangadas improvisadas, com madeiras e outros objectos flutuantes que conseguiram encontrar, incluindo malas, mas outros foram arrastados pela corrente para longe de terra e morreram afogados.

Aviões e helicópteros sobrevoam os restos do “Save”
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Desde as primeiras horas do acidente que se encontravam próximo do “Save” assistindo à tragédia, mas sem poderem intervir devido à violência da rebentação, as embarcações “Liaze”, “Chaimite”, “Angoche” e os rebocadores “Sofala” e “Timbué”. Os restos do navio foram sobrevoados por diversos aviões e helicópteros. Devido à explosão e ao incêndio, o “Save” ficou partido pelo meio. Era o fim. As «morses» de todos os telégrafos, transmitiram desde a madrugada uma mensagem de desalento, que se traduziu nestas exasperantes palavras: «O navio está completamente perdido».

O “Save” foi lançado à água, na Escócia, em 1951
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O cargueiro “Save”, que pertencia à frota da Companhia Nacional de Navegação, era uma das mais modernas unidades da Marinha Mercante Nacional. Foi construído em 1951 pela firma The Grangemouth Dockyard Co. Ltd. de Grangemouth, Escócia. Dali navegou para Portugal e no dia 5 de Novembro do mesmo ano foi registado na Capitania do porto de Lisboa, com o número H-405. Algum tempo depois deixava o Tejo, rumo a Moçambique, onde passou a fazer a ligação entre os diversos portos daquela província.
As suas principais características eram as seguintes: comprimento de fora a fora, 78,93 m., boca extrema, 12,62; calado, à proa, 4,26 m.; calado, à popa 4,26m.; arqueação bruta, 2.036,84 toneladas; arqueação liquida, 1.007,53 toneladas; capacidade, 3.004 metros cúbicos e porte bruto, 1.351 toneladas. Estava apetrechado tecnicamente com dois motores diesel, de cinco cilindros cada, construídos pela firma «The British Polar Engines, Ltd., da Escócia. Desenvolvia a potência de 1.800 cavalos, podendo navegar à velocidade máxima de 13,6 milhas por hora; a sua velocidade normal era de 12 milhas horárias.
O “Save” dispunha de acomodações para 46 tripulantes e de três cobertas, podendo transportar até 652 passageiros. De começo foi utilizado na carreira de Lourenço Marques a Inhambane, transportando, especialmente, nativos.

Lista de tripulantes do navio

Sete tripulantes do “Save” foram transportados de avião para Lourenço Marques, com ferimentos graves
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Os médicos e enfermeiros transportados nos aviões ligeiros, que aterraram nas praias próximo ao local do naufrágio, prestaram desde logo cuidados de urgência a vários feridos. Foram evacuados nesses aviões para Lourenço Marques, com ferimentos graves, onde ficaram hospitalizados, os tripulantes António Paradela, encarregado; José de Freitas, 3º piloto; Gregório Santa Rita, paioleiro; Raul Valadas, artífice; Viriato Borges e João António, maquinistas e Joaquim Pegado, conferente.

Estão salvas as três únicas crianças que seguiam a bordo
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É de realçar que o governador do distrito da Zambézia, comandante Daniel Rocheta, não se poupou a esforços, dirigindo da praia todos os trabalhos de salvamento; outro tanto fez o capitão do porto de Quelimane. Foi também exaustivo o trabalho dos médicos e enfermeiros, pois dezenas de pessoas estão hospitalizadas em Quelimane. As três únicas crianças que seguiam a bordo estão salvas. Os náufragos foram instalados em residências particulares, no Colégio Nuno Álvares e no quartel de Quelimane.

O comandante do “Save” foi obrigado a saltar para o mar
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O comandante Mário Vieira manteve-se até ao fim no convés, a dirigir as operações de salvamento e, como se recusava terminantemente a abandonar o navio, um grupo de marinheiros agarrou-o e obrigou-o a saltar com eles para o mar, sem que se saiba se todos eles conseguiram chegar a terra. Os sobreviventes foram transportados para Quelimane, enchendo por completo os hospitais da cidade.

Os textos relativos ao naufrágio do navio “Save”, que nos permitem ajuizar do encalhe e do processo de salvamento do navio, tripulação e passageiros, são transcritos dos jornais de “O Século”, publicados nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 1961.

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