sexta-feira, 5 de agosto de 2011

História trágico-marítima (XXVIII)


O afundamento da traineira " Primorosa "
Ao largo de Leixões, em 7 de Setembro de 1918

Acho que depois dos vários relatos com notícias de naufrágios, que se ficaram a dever a actos de guerra, na sua totalidade por acção dos submarinos alemães, é difícil imaginar, que por mau carácter ou falta de escrúpulos, houvesse quem ousasse tirar vantagem dessa actividade nefasta, que julgo saber ser por todos repudiada.
Ao longo dos anos tenho vindo a compreender a rudez da labuta diária dos pescadores, situação comum às diferentes áreas de actividade, tal como me apercebo das dificuldades e múltiplas carências dos familiares, seguramente mais graves nos muitos anos anteriores à revolução de Abril de 1974. A estes argumentos posso ainda acrescentar a fiscalização que lhes é movida, através dos meios policiais, que mais não fazem do que obrigar à utilização de determinadas artes, conforme as leis que vão sendo publicadas e que visam a preservação das espécies e a diminuição das capturas, na defesa de interesses ambientais e ecológicos.
Da mesma forma consigo ainda entender, que o risco da utilização de artes com redes de tamanho ilegal, ou até mesmo de redes vadias, deixadas a toa no mar sem a respectiva sinalização, quantas vezes ajudam a melhorar o parco pecúlio da classe, principalmente nos períodos de pouca abundância de peixe!
O que nunca vou entender, é que se utilizem mentiras para dar cobertura a processos criminosos, na procura gananciosa de pouco trabalho e lucro fácil. Provavelmente a ilegalidade existirá à tanto tempo, quanto a própria pesca, repetindo-se a miúdo, cada vez que uma embarcação ia pelos ares, acrescentado mortes e miséria. Senão vejamos:

Submarinos na nossa costa
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A noite passada constou na cidade, que por volta da meia-noite, um submarino inimigo aparecera a sudoeste de Leixões, atacando umas traineiras da pesca, que pairavam naquelas alturas. Os primeiros pormenores apontam para que de facto, antes da meia-noite, a duas milhas da costa, um submarino rompera fogo contra umas traineiras de pesca, sendo atingida pelo canhoneio a “Primorosa”, que estava muito próximo do molhe sul do porto de Leixões, sendo metida no fundo.
Isto deu lugar a grande alarme, vindo para a praia, num berreiro ensurdecedor as numerosas pessoas das famílias dos pescadores que estavam no mar. O alarme foi até às casas voltadas para a praia, tendo fugido muitas famílias e sendo suspenso um baile, que se realizava numa delas.
A “Primorosa”, ao que se sabe tinha 30 tripulantes, dos quais não se sabia o destino, até que mais tarde entrou em Leixões a traineira “Independência”, trazendo seis dos náufragos, ignorando-se a sorte dos restantes.
Alguns barcos saíram de Leixões depois da meia-noite, parte dos quais tripulados por praças da base naval francesa, que foram em busca de náufragos. Na praia de Matosinhos constou que outra traineira havia sido atingida pelos projecteis do submarino; mas até à madrugada nada se tinha confirmado. O submarino não se demorou muito e seguiu com rumo a sul. Algumas traineiras conservaram-se no mar e outras regressaram a Leixões.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 8 de Setembro de 1918).

O naufrágio da traineira “ Primorosa “
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Tem sido muito comentado o caso do naufrágio da traineira “Primorosa”, já anteriormente referido. O que tem dado lugar a esses comentários é o facto de não ter sido registado oficialmente a presença de qualquer submarino nas proximidades de Leixões e de se ter espalhado que o naufrágio fora devido à explosão de um cartucho de dinamite que levava a bordo.
Pela Capitania do porto de Leixões está sendo feito um inquérito, tendo ali sido ouvidos alguns dos tripulantes da “Primorosa”, os quais, continuaram a afirmar que entre a praia do Senhor da Pedra e a barra do Douro, avistaram um submarino, que torpedeou a traineira e por tal forma lhe acertou, que a partiu ao meio, soçobrando em poucos segundos, tendo ficado desde logo morto a bordo o tripulante Francisco Passos. O certo é que nenhuma outra traineira, das que andavam perto, avistou o tal submarino e a todos causou estranheza o facto de se empregar um torpedo para tão pequena embarcação.

Matosinhos, 9 – A população da beira mar de Matosinhos foi alarmada cerca das 11 horas e meia da noite de sábado com o apitar continuo das traineiras que apressadamente recolheram à bacia de Leixões. Claramente que quem tinha pessoas de família no mar e os que tinham lá os seus interesses se assustaram e num momento a gritaria era ensurdecedora. O caso foi relatado assim: A traineira “Primorosa” foi afundada por um submarino próximo ao Castelo do Queijo e outra traineira que não se sabe qual seja teve igual destino. Foram estas as primeiras notícias que correram de boca em boca. Entretanto da traineira “Independência”, que chegava a todo o vapor a Leixões eram desembarcados seis pescadores tripulantes da “Primorosa”, contando que cerca das 11 horas, a 3 milhas a oeste do Senhor da Pedra, estando o seu barco parado e o pessoal respectivo a compor uma avaria na rede, foram repentinamente surpreendidos com a detonação que sentiram vir da parte de baixo da traineira e imediatamente viram saltar pelos ares partes do tombadilho, mastro, chaminé, etc. Os gritos de socorro foram indescritíveis, saltando para a xalandra 17 homens, número bastante superior ao que esse pequeno barco pode suportar, ficando seis no mar a debater-se com as ondas. Estes foram socorridos pela traineira “Independência”, que os conduziu a Leixões e foram eles que trouxeram as primeiras notícias. Na madrugada chegavam os 17 tripulantes na xalandra, exaustos de forças por terem de remar, já que continuadamente tinham de esgotar a água que entrava no frágil barco. Porque é que a traineira “Independência” não salvou os restantes tripulantes que deviam andar na água? Explica o mestre que quando estava recolhendo os náufragos ouviu dizer que a “Primorosa” fora atacada por um submarino e isso impôs-lhe o dever de se retirar, o que fez, deixando o tripulante «Chico da Mulata» na sua xalandra para ele socorrer os outros homens, pois ainda que o submarino o visse mal nenhum faria à xalandra. O caso é que o «Chico da Mulata» vendo-se sozinho remou para terra sem ter visto mais nenhum pescador na água.
Morreram, portanto, o maquinista Manoel Pereira da Silva e os pescadores da companha Francisco Passos, casado, de Viana do Castelo; António Vaz, casado, de Ancora; António Verde, casado e José Manco, casado, ambos da Póvoa de Varzim. Todos deixam filhos em precárias circunstâncias, como é fácil de prever.
Esta é a informação encontrada disponível, de como se passaram as coisas. O que foi, porém, que fez afundar a “Primorosa”? A ideia do submarino parece estar de parte, porque nenhum dos tripulantes de alguma traineira, que de mais a mais rodeavam a “Primorosa” o viu. A corrente intensa é de que se deu uma explosão a bordo da “Primorosa”. Nas caldeiras? Se se confirma o que se relatou desse barco, positivamente a explosão não se deu nas caldeiras. Há quem diga que a “Primorosa” trazia matéria explosiva a bordo para lançar ao mar e forçar a sardinha a vir ao cimo da água e que a explosão se deu nessas matérias. Será assim? O inquérito que corre na Capitania é que o vai aclarar. Se o barco trazia esse material, que nos dizem ser «pratica corrente» em alguns pescadores menos escrupulosos, justo é que isso se apure e se reprima essa pratica, que as leis certamente proíbem e não será difícil que isso se apure, pois há alguns donos de traineiras que estão sendo prejudicados pelos que matam o peixe com dinamite ou acetilenos; uma rigorosa fiscalização dos barcos e dos pescadores, antes da saída de Leixões, não deixaria de dar o resultado desejado.
(In jornal “O Comércio do Porto”, de 10 de Setembro de 1918).

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