quinta-feira, 29 de outubro de 2015

História trágico-marítima (CLXXI)


O ataque e afundamento do vapor “S. Nicolau”

O vapor “S. Nicolau”, recentemente saído de Lisboa em serviço da Inglaterra (a), fôra apreendido em Cabo Verde e levava um importante carregamento de pau de campeche, quando foi torpedeado. Era comandado por Amâncio José Azevedo, natural da Ilha Brava, e levava como imediato Tibério da Costa Malheiro, natural de Caminha. A restante tripulação, de 36 homens, era da ilha. O capitão e 16 tripulantes foram salvos e dos restantes nada se sabe.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 21 de Novembro de 1916)

(a) Em sentido contrário à notícia, o navio estava previsto ser entregue à Furness, Withy, ou seja, posto sob contrato com o governo inglês, após a chegada ao Havre, conforme estaria previamente acordado. Em função do ataque e afundamento ter acontecido em fase anterior à entrega, o vapor encontrava-se ainda sob armação e pavilhão nacional.

O vapor “S. Nicolau”
Como previamente referido, do vapor português “S. Nicolau”, torpedeado na mancha, o capitão e 16 tripulantes foram salvos por um vapor italiano, que os desembarcou em Falmouth, onde estão sob a protecção da autoridade consular respectiva.
A tripulação deste navio era assim constituída:
Comandante, José de Azevedo; imediato, Tibério Pinto Malheiro; 3º piloto, António da Transladação Pinto Neto; carpinteiro, Joaquim Costa Pereira; contra-mestre, Marcelino Silva Pinto; marinheiros: Manoel Fortes Monteiro, Roberto António Soares, Júlio Gonçalves Oliveira, Miguel Fortes do Carmo e António Correia; moços: João Paulo Silva, António Luís da Graça, Francisco Pedro Évora, Abel Vera Cruz Pinto e Valdemiro Cristino Lima; 1º maquinista, José Manuel dos Santos; 2º maquinista, Luís da Silva Gama; 3º maquinista, José Francisco Silva; pilotos maquinistas: Álvaro Sant’Ana Estanislau, Marcelino Brito de Lima, Manoel Lopes e António Vieira; fogueiros; José Maria da Silva, João de Matos, Luiz Machado, Mateus Marques, Manoel Diogo Neves e António de Oliveira Lopes; chegadores: Pedro Diogo Neves, Martins Fortes e José Pereira Barradas; despenseiro, António Mateus Gonçalves; cozinheiro, Manoel Duarte; ajudante de cozinheiro, Belarmino da Conceição Ferreira; criados: Júlio de Brito Lima e Lourenço Peres Viana; moço praticante, João Batista Salgado.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 21 de Novembro de 1916)

Imagem do vapor "S. Nicolau" e foto do capitão Amâncio Azevedo
(In "Ilustração Portuguesa", Nº 565 de 18 de Dezembro de 1916)

Características do vapor “S. Nicolau”
1916-1916
Armador: Transportes Marítimos do Estado, Lisboa
Nº Oficial: N/s - Iic: H.S.N.I. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Akt. Ges. “Neptun”, Rostock, 1905
ex “Dora Horn”, Reederei Horn, Lubeca, 1905-1916
Arqueação: Tab 2.678,83 tons - Tal 1.698,47 tons
Dimensões: Pp 88,70 mts - Boca 13,40 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 9,5 m/h
Equipagem: 37 tripulantes

Os náufragos do “S. Nicolau”
No ministério da Marinha foi recebido um telegrama do vice-cônsul de Portugal em Falmouth, com a seguinte relação dos náufragos do vapor “S. Nicolau”, que fôra torpedeado por um submarino:
Capitão Amâncio José de Azevedo, 3º piloto António Pinto Neto, contra-mestre Marcelino Silva Pinto, marinheiro Manoel Fortes Monteiro, moços Abel Vera Cruz Pinto e António Luís da Graça, 2º e 3º maquinistas Luís Gama e José Francisco Silva, praticante Álvaro Sant’Ana Estanislau, azeitadores Marcelino Brito de Lima, Manoel Lopes e António Vieira, fogueiros Mateus Marques, João de Matos e Luiz Machado, chegador Pedro Diogo Neves, despenseiro António Mateus Gonçalves e criado Lourenço Peres Viana. Sobre o destino dos outros tripulantes aguardam-se informações que já foram pedidas.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 22 de Novembro de 1916)

Os sobreviventes do “S. Nicolau”
O que diz o capitão sobre o naufrágio
A bordo do vapor “Dresna” da Mala Real Inglesa, chegado hoje ao Tejo, vieram os 18 tripulantes do vapor “S. Nicolau”, canhoneado por um submarino alemão na Mancha.
Entre os tripulantes figurava o comandante, sr. Amâncio José de Azevedo, velho lobo-do-mar, natural da Ilha Brava, que imediatamente se dirigiu à comissão de administração dos transportes marítimos, a fim de apresentar o seu relatório sobre a perda do navio.
Tivemos ocasião de nos avistar com esse oficial, recolhendo as impressões da primeira vítima dos alemães em tripulações que guarnecem os navios em serviço dos aliados. É profundamente dolorosa e trágica a aventura que esse valoroso marinheiro nos refere:
«O “S. Nicolau”, que tinha saído de Lisboa no dia 11 de Novembro, com destino ao Havre, onde devia ser entregue ao representante do governo inglês, encontrava-se dois dias depois, pelas 11 horas, a 15 milhas leste do ilhote Cassequets, espécie de pedregulho que se destaca na costa bretã. Faltava apenas um dia para chegar ao ponto do destino.
Nessa ocasião, o piloto veio comunicar-me – diz o comandante Amâncio – que a curta distância, encaminhando-se em direção ao navio, vinha uma embarcação que parecia ser uma chalupa.
Dispunha-me a examinar mais detidamente esse barco, quando de bordo dele foi feito o primeiro tiro. Não houve, portanto, aviso prévio algum. O primeiro tiro atingiu o “S. Nicolau” por avante e logo outros dois se seguiram. O último desarvorou a chaminé.
Imediatamente a tripulação correu às baleeiras, que foram lançadas ao mar, sob o fogo do inimigo. O submarino fez ao todo 17 tiros para destruir o navio e fazê-lo submergir totalmente.
A tragédia desenrolara-se sob um céu admirável de beleza e clemencia. As nossas baleeiras andavam ao sabor das ondas quando o submarino se aproximou daquela em que eu ia e de uma outra governada pelo imediato, convidando-nos a passar ao submarino. Ali pediram-nos os papéis de bordo. Como lhes dissemos que os tínhamos deixado lá e que nem o boné conseguíramos trazer porque fôramos atacados de surpresa, mandaram-nos passar à baleeira, entregando-nos à fortuna do mar.
O “S. Nicolau” jazia então nas profundezas das águas. Aproamos as baleeiras à costa francesa. O tempo, porém, mudou de tal maneira que, daí a pouco, o temporal era medonho. Não há marinheiro que não conheça estas súbitas mudanças do mar naquelas paragens.
Para fugir ao perigo de nos despedaçarmos de encontro aos penedos da costa bretã, não hesitamos virar a popa ao ansiado refúgio, fazendo-nos de novo ao mar, em busca da costa inglesa.
Não se pode dizer o que foi essa dolorosa travessia da Mancha, até que o navio salvador foi em nosso auxílio. Foram 30 horas de intraduzível angústia.
Na embarcação em que eu ia morreu de frio o marinheiro Miguel do Carmo; os olhos saltaram-lhe das orbitas. Piedosamente o lançamos ao mar. O homem do leme, com o frio, tinha as mãos inchadas que pareciam uns cepos. Estávamos todos exaustos e desfalecidos. Apenas o 1º maquinista conseguia ainda reunir um pouco de esforço para mexer nos remos.
Finalmente surgiu o vapor italiano “Fido”, que nos veio socorrer.
Todos nós, absolutamente sem forças, fomos içados para bordo e ali alvo da mais carinhosa solicitude. O vapor italiano fez rumo a Plymouth, onde tivemos também uma generosa hospitalidade.
O submarino que afundara o “S. Nicolau” prosseguiu a sua tenebrosa tarefa, afundando outros navios que se viam no horizonte.
Durante a tempestade perdemos de vista a baleeira que conduzia os nossos restantes camaradas.»
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 28 de Novembro de 1916)

O afundamento do vapor “São Nicolau” foi efectuado pelo submarino alemão UC-26, que se encontrava sob o comando do capitão-tenente Matthias Graf von Schmettow. Teve lugar a 16 de Novembro de 1916, no Canal da Mancha, a este-nordeste da Ilha de Batz, na posição 49º20’N 03º46’W. A segunda baleeira relatada nas notícias, onde se encontravam 18 dos tripulantes que compunham a guarnição do navio, nunca chegou a ser encontrada, totalizando por esse motivo o registo de 19 vítimas mortais, em resultado do ataque ao navio, quando este se encontrava em viagem de Lisboa para o Havre.

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