O naufrágio do iate "Glória de Portugal"
Naufrágio
Por comunicação telegráfica dirigida à alfândega do Porto, soube-se que ante-ontem às 3 horas da tarde, naufragara ao sul da barra de Aveiro o iate “Glória de Portugal”, procedente de Sevilha em lastro. A tripulação foi salva. Este barco pertencia à praça de Aveiro e era propriedade do sr. António Pereira Júnior.
Aveiro 3 – Mais um naufrágio teve ontem lugar à entrada do porto desta cidade. Pouco depois do meio-dia foi avistado fora da barra e à distância de muitas milhas um navio com bandeira arvorada no mastro da ré. Pelas manobras que fazia dava a entender que desejava entrar no porto. A pilotagem da barra recusou-se, com justíssimo motivo, a levantar bandeira de assentimento porque o estado do mar era temível, a rebentação furiosa e o perigo certíssimo.
Apesar disso o navio cada vez mais se aproximava de terra, notando-se que trazia a bandeira amarrada em sinal de socorro. Incessantemente da torre respectiva os práticos faziam sinal para que o navio navegasse para norte. A nada parecia obedecer.
Pelas 2 horas foi-lhe disparado do forte um tiro de peça, a que não correspondeu. Às 3 horas e um quarto, já quando o navio se aproximava do banco, foi disparado um segundo tiro. De proa à terra, e sobre enormes vagalhões de um mar encapeladíssimo, o débil baixel tentava a todo o transe galgar o banco.
Testemunha presencial de todas estas peripécias, achávamo-nos por acaso sobre a extremidade do molhe da barra, junto ao oceano, ao lado do sr. Duarte Pinto Basto, ilustre director da fábrica da Vista Alegre.
Seriam 3 horas e meia quando o navio se tornou presa das ondas furibundas do banco, sobre as quais horrorosamente oscilava, mostrando alternadamente, ora toda a ré, ora toda a proa mesmo até à quilha. À mercê das vagas e sem vento nos panos sofreu o embate das tremendas pancadas de mar com tanta felicidade para a tripulação, que, arrastado pela corrente da costa, foi encalhar junto ao férreo esqueleto do vapor “Kate Forster”, naufragado o ano passado.
Para vergonha do nosso país, cumpre dizer aqui que no porto de Aveiro não há nem barco nem cabos de salva-vidas, não há bóias de salvação, não há marriate, não há nada, na mais genuína expressão da verdade, para socorrer a náufragos. Não sabemos até como os infelizes pilotos da barra se sujeitam a um serviço, muitas vezes violento, pelo misérrimo ordenado de 80 réis por dia! Isto seria incrível se não fosse simplesmente verdade!
Quando o navio bateu na praia nós e o nosso amigo Duarte Pinto Basto propúnhamo-nos fazer as honras da casa porque ninguém com caracter oficial ali estava. Por fortuna o navio encalhou bem e como a maré vazava muito fácil foi possível, depois de meia hora, aos tripulantes tocar em seco. Nesta ocasião já estavam a bordo dois práticos da barra, que foram guindados por um cabo.
O navio é o iate “Glória de Portugal”, pertencente ao sr. António Pereira Júnior, da praça de Aveiro. Vinha em lastro de volta de Espanha onde fora levar um carregamento de travessas de caminho-de-ferro para Sevilha. A tripulação compunha-se de 8 pessoas, que nada sofreram, sendo o capitão o sr. Joaquim de Oliveira e o piloto o sr. Bandarra. À excepção deste último, que é de Aveiro, todos os demais são ilhavenses.
Segundo palavras do próprio capitão, a quem não faltavam lágrimas, não foi possível desde muitas milhas governar o iate, não só por falta de vento como pela agitação do mar, que constantemente o veio impelindo para a costa. Tendo lançado ferro nada conseguiu, por se lhe ter partido a corrente. Lutando sem resultado e extremo recurso, tentou dirigir o iate para a em-bocadura da barra, mas infelizmente naufragou. O navio ainda hoje se conserva direito, mas é provável que a maré da noite o desfaça. Estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 4 de Setembro de 1883)
Aveiro 3 – Mais um naufrágio teve ontem lugar à entrada do porto desta cidade. Pouco depois do meio-dia foi avistado fora da barra e à distância de muitas milhas um navio com bandeira arvorada no mastro da ré. Pelas manobras que fazia dava a entender que desejava entrar no porto. A pilotagem da barra recusou-se, com justíssimo motivo, a levantar bandeira de assentimento porque o estado do mar era temível, a rebentação furiosa e o perigo certíssimo.
Apesar disso o navio cada vez mais se aproximava de terra, notando-se que trazia a bandeira amarrada em sinal de socorro. Incessantemente da torre respectiva os práticos faziam sinal para que o navio navegasse para norte. A nada parecia obedecer.
Pelas 2 horas foi-lhe disparado do forte um tiro de peça, a que não correspondeu. Às 3 horas e um quarto, já quando o navio se aproximava do banco, foi disparado um segundo tiro. De proa à terra, e sobre enormes vagalhões de um mar encapeladíssimo, o débil baixel tentava a todo o transe galgar o banco.
Testemunha presencial de todas estas peripécias, achávamo-nos por acaso sobre a extremidade do molhe da barra, junto ao oceano, ao lado do sr. Duarte Pinto Basto, ilustre director da fábrica da Vista Alegre.
Seriam 3 horas e meia quando o navio se tornou presa das ondas furibundas do banco, sobre as quais horrorosamente oscilava, mostrando alternadamente, ora toda a ré, ora toda a proa mesmo até à quilha. À mercê das vagas e sem vento nos panos sofreu o embate das tremendas pancadas de mar com tanta felicidade para a tripulação, que, arrastado pela corrente da costa, foi encalhar junto ao férreo esqueleto do vapor “Kate Forster”, naufragado o ano passado.
Para vergonha do nosso país, cumpre dizer aqui que no porto de Aveiro não há nem barco nem cabos de salva-vidas, não há bóias de salvação, não há marriate, não há nada, na mais genuína expressão da verdade, para socorrer a náufragos. Não sabemos até como os infelizes pilotos da barra se sujeitam a um serviço, muitas vezes violento, pelo misérrimo ordenado de 80 réis por dia! Isto seria incrível se não fosse simplesmente verdade!
Quando o navio bateu na praia nós e o nosso amigo Duarte Pinto Basto propúnhamo-nos fazer as honras da casa porque ninguém com caracter oficial ali estava. Por fortuna o navio encalhou bem e como a maré vazava muito fácil foi possível, depois de meia hora, aos tripulantes tocar em seco. Nesta ocasião já estavam a bordo dois práticos da barra, que foram guindados por um cabo.
O navio é o iate “Glória de Portugal”, pertencente ao sr. António Pereira Júnior, da praça de Aveiro. Vinha em lastro de volta de Espanha onde fora levar um carregamento de travessas de caminho-de-ferro para Sevilha. A tripulação compunha-se de 8 pessoas, que nada sofreram, sendo o capitão o sr. Joaquim de Oliveira e o piloto o sr. Bandarra. À excepção deste último, que é de Aveiro, todos os demais são ilhavenses.
Segundo palavras do próprio capitão, a quem não faltavam lágrimas, não foi possível desde muitas milhas governar o iate, não só por falta de vento como pela agitação do mar, que constantemente o veio impelindo para a costa. Tendo lançado ferro nada conseguiu, por se lhe ter partido a corrente. Lutando sem resultado e extremo recurso, tentou dirigir o iate para a em-bocadura da barra, mas infelizmente naufragou. O navio ainda hoje se conserva direito, mas é provável que a maré da noite o desfaça. Estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 4 de Setembro de 1883)
Desenho de navio do tipo iate, sem correspondência ao texto
Características do navio
Características do navio
Armador: António Pereira Júnior, Ílhavo
Nº Oficial: N/ tem - Iic.: H.C.L.P. - Porto de registo: Aveiro
Arqueação: 149,000 m3
Propulsão: À vela
Equipagem: 8 tripulantes
Nº Oficial: N/ tem - Iic.: H.C.L.P. - Porto de registo: Aveiro
Arqueação: 149,000 m3
Propulsão: À vela
Equipagem: 8 tripulantes
Iate "Glória de Portugal" - (Do jornal "Campeão das Províncias)
Aveiro, 19 de Setembro – O agente da Companhia Seguradora do iate “Gloria de Portugal”, o sr. Manuel dos Santos Vitorino, do Porto, tentou nas marés vivas na tarde de Domingo e segunda-feira, e com o auxílio de numeroso pessoal safar o navio do seco para o mar, visto que este anteriormente havia levado grande porção de areia, que o obstruía.
No primeiro dia conseguiram movê-lo bastante, mas, rebentando o bolinete, começou o trabalho braçal a ser mais difícil e moroso, e o mar, quebrando de encontro ao iate, foi-o aluíndo de tal modo que no segundo dia, quando conseguiram pô-lo a nado, afundou em razão da muita água que metia, sendo impossível esgotá-la; de sorte que se julga o casco inteiramente perdido. Conforme já se admitia, o mar ontem despedaçou completamente o casco.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 21 de Setembro de 1883)
No primeiro dia conseguiram movê-lo bastante, mas, rebentando o bolinete, começou o trabalho braçal a ser mais difícil e moroso, e o mar, quebrando de encontro ao iate, foi-o aluíndo de tal modo que no segundo dia, quando conseguiram pô-lo a nado, afundou em razão da muita água que metia, sendo impossível esgotá-la; de sorte que se julga o casco inteiramente perdido. Conforme já se admitia, o mar ontem despedaçou completamente o casco.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 21 de Setembro de 1883)
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 25 de Setembro de 1883)
Iate “Gloria de Portugal” - (Do jornal "Campeão das Províncias)
Iate “Gloria de Portugal” - (Do jornal "Campeão das Províncias)
Aveiro, 22 de Setembro – O iate “Gloria de Portugal”, que há dias encalhou na restinga ao sul da barra, desapareceu totalmente há quatro dias. E, contudo, havia esperança de pô-lo a nado.
Ao vê-lo com a quilha na areia, ereto, perfilado, com os seus mastros levantados e aprumados, julgava-se que com as marés grandes o mar fá-lo-ia ainda navegar. Pois não sucedeu assim.
Na manhã de segunda-feira nem vestígios havia do iate. Já na véspera inclinara para fora; depois foi alquebrando, até que arrebentou, e apesar de não haver grande vaga, abriu em duas metades, que flutuaram ao capricho das ondas.
Alguma madeira arrolou à praia. O navio estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 26 de Setembro de 1883)
Ao vê-lo com a quilha na areia, ereto, perfilado, com os seus mastros levantados e aprumados, julgava-se que com as marés grandes o mar fá-lo-ia ainda navegar. Pois não sucedeu assim.
Na manhã de segunda-feira nem vestígios havia do iate. Já na véspera inclinara para fora; depois foi alquebrando, até que arrebentou, e apesar de não haver grande vaga, abriu em duas metades, que flutuaram ao capricho das ondas.
Alguma madeira arrolou à praia. O navio estava seguro.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 26 de Setembro de 1883)
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