segunda-feira, 27 de março de 2017

Navios portugueses!


O navio de passageiros "Quanza"
3ª. Parte

Postal ilustrado do paquete "Quanza"
Minha colecção

Nº Oficial: 415-F - Iic: C.S.B.Z. - Porto de registo: Lisboa
Construtor: Blohm & Voss, Steinwerder, Alemanha, 05.09.1929
ex “Portugal”, nome previsto mas substituído durante a construção
Arqueação: Tab 6.636,22 tons - Tal 3.944,06 tons - Porte 7.042 tons
Dimensões: Ff 133,53 mts - Pp 127,49 mts - Bc 16,05 mts - Ptl 8,73 mts
Propulsão: Blohm & Voss, 1904 - 2:Te - 4.500 Ihp – 13,5 m/h
Vendido para demolição em Castellon, Espanha, em 10.12.1968

O “Quanza” a caminho da Pátria
Uma despedida grandiosa
Agora, a poucas horas antes de embarcarmos para Portugal no belo navio que é o “Quanza”, um agradecimento sincero à Companhia Nacional de Navegação, cujo convite nos proporcionou conhecer tudo isto, na expectativa de lhes fornecer algumas crónicas, que mais possam interessar. E até Portugal!
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Hamburgo, a bordo do “Quanza”, 8 de Setembro, 3 horas da tarde – Embarcamos num gasolina em Baunwall, que nos transportou e a todos aqueles que se foram despedir de nós, para bordo. O comandante do “Quanza” ao cimo da escada de portaló dá as boas vindas a todos aqueles que sobem. As salas, os camarotes, os vestíbulos do vapor cheias de flores parecem também dizer-nos: Bem-vindos!
E aqueles que vieram de Portugal à Alemanha, para tomarem parte na primeira viagem deste paquete, olham com melancolia o panorama extenso da cidade, porque as recordações que consigo trazem destes dias passados em terra estrangeira, são tão agradáveis e calavam tão fundo na sua alma que, parece-nos, nunca mais as esquecerão.
Alguém à saída do Palest Hotel, alguém que conhece bem a psicologia da raça alemã e que já não é positivamente uma criança para afirmar coisas vãs, dissera-nos:
- Desde a guerra nunca nenhuns estrangeiros foram aqui recebidos marcando a sua visita entre nós, tão brilhante e galhardamente como os jornalistas portugueses! A prova real tem-na vocês nos relatos extensos e elogiosos que a imprensa alemã vos dedicou. Para que os jornais saibam do seu princípio de noticiar os factos laconicamente, já é preciso que o assunto marque no dia-a-dia da nossa vida.
E quando tomamos o gasolina para bordo nós tivemos confirmadas estas palavras. Muita gente, gente que não conhecíamos, que nunca viramos se juntou no cais, acenando com lenços, gritando-nos:
– Aufwiedersehen! (Até à vista).
A dizer-nos adeus: o cônsul Casanova, sua cunhada srª. Eduardita Revuelta – uma mocidade risonha radiosa de temperamento espanhol, - o cônsul adjunto Pottier, chanceler Silva, o amigo Hanack, - alemão alegre que foi um companheiro primoroso para os portugueses – os agentes da Companhia Nacional de Navegação em Hamburgo, etc., etc.
Meia hora depois retiraram todos os que quiseram mais uma vez demonstrar-nos quanto nós lhes éramos queridos. Lá de baixo, do gasolina, dizem-nos adeus…
E esse adeus prolongado estende-se, repete-se à medida que vamos subindo o Elba. E das margens nos embarcadouros, das embarcações, das praias, dos barquinhos a remos, dos barcos à vela; lenços brancos, chapéus, braços levantados ao ar acenando, adeus, adeus.
À ré a bandeira portuguesa tremula ao vento, vêem-na, apontam-na, saúdam-na, sabem que é o “Quanza”, que são também os portugueses que partem para longe… Adeus!
Dezanove portugueses e um alemão
Há pouco mais de quinze dias quando embarcamos no “Cap Norte” a proporção era exactamente inversa: oito portugueses para quatro vezes mais alemães. Hoje, no “Quanza” nós sentimo-nos na nossa terra. Maioria manifesta, esmagadora, de portugueses, em face de um só alemão que foi recebido; porém, no nosso meio como não podia deixar de ser com a máxima simpatia.
À mesa de honra da sala de jantar do “Quanza”, entre os peitilhos engomados e as bandas de seda dos smokings dos homens e as toilettes de cerimónia das senhoras, preside a figura veneranda do sr. almirante Pinto Basto, um velho marinheiro que deu a volta ao mundo, que tem uma brilhante folha de serviços, mas que nem por isso deixa de ser o bom amigo, o espirituoso companheiro que tem sempre uma anedota, uma história graciosa a contar para todas as oportunidades. À sua direita a senhora viscondessa de Atouguia, esposa do titular do mesmo nome, distinto engenheiro que acompanhou, desde o início, a construção do “Quanza” nos estaleiros de Blohm & Voss, a casa construtora deste navio, que a bordo se encontra representada pelo sr. engenheiro Max Beraudt, sentado na mesa de honra à esquerda do sr, capitão Correia Leal, do conselho fiscal da Companhia Nacional de Navegação. Lugares de destaque à mesa de honra são ocupados ainda pela srª. Dª. Alice Pinto Basto, à direita do sr. capitão Correia Leal, e a esposa do nosso colega de redacção Morais Palmeiro. Entre ambas estas senhoras, o sr. visconde de Atouguia e na outra cabeceira da mesa, diariamente tomou lugar um dos representantes dos jornais de Lisboa e Porto.
Em outras duas mesas sentam-se os restantes cinco jornalistas, A mesa dos srs. oficiais de bordo está sempre vaga. O sr. comandante Harberts não quis abandonar, senão por uma única refeição, a ponte de comando do “Quanza” e esse gesto foi, naturalmente, seguido pelo imediato Gabriel Camacho, segundo piloto António Bravo e terceiro piloto Henrique Marques.
As refeições, abundantes e gostosas, cozinha portuguesa com requintes de gosto internacional, são a prova evidente da forma principesca como os futuros viajantes do "Quanza" serão tratados, e das atenções com que serão rodeados pelo comissário de bordo, sr. Álvaro da Silva Cardoso, que tem a prática de muitas e muitas viagens por mar e o trato afável de uma pessoa que conhece gente e o mundo.
As horas vagas passámo-las passeando, jogando, ouvindo os esplêndidos concertos de piano que o capitão Correia Leal nos dedica, bebericando no bar, um bar pequeno mas que parece inextinguível…
Jogamos, ontem, em extremo recurso, para matar o tempo o pilha três. Riu-se sinceramente. Riu-se como sempre, porque de riso e alegria tem sido toda a viagem. E motivo de sobejo para um bom português, para um sincero patriota, é este navio. O primeiro que foi construído de novo no estrangeiro desde há muitos anos.
O “Quanza” não é um monumento enormíssimo, nem um amontoado colossal de toneladas brutas. Pelo contrário, este navio pequeno, elegante, é como uma «boite», uma caixa de amêndoas – em comparação ao “Europa”, ao “Bremen”, ao “Columbus”, já se vê – em que se viaja com os requintes da máxima segurança e da máxima comodidade em cabines arejadas e amplas, salões de um excelente bom gosto, cobertas largas e arejadas. O “Quanza” corresponde, portanto, às necessidades e exigências do cruzeiro a que está destinado: o da África. Com as suas acomodações higiénicas para 400 passageiros de três classes, a sua velocidade regular de 14 milhas, era o navio que a marinha mercante nacional carecia. Ao escrevermos estas linhas nós antegozamos a surpresa – agradável estamos certos – que todos aqueles que estiverem em Leixões terão, ao pôr o pé a bordo.
Antegozamos essa surpresa porque ela provará quanto as boas e sinceras iniciativas podem conseguir e porque assim se provará que é tempo de se seguirem esses exemplos e lançar mão de tarefas nobilitantemente patrióticas como é esta: a construção do “Quanza”.
Pequeno – repetimos – o “Quanza” é um paquete moderno com comodidades e inovações que muitos paquetes alemães e ingleses ainda não possuem. E como em importância nada se mede aos palmos, que importa o tamanho se os resultados práticos são muito grandes!
A saudação da terra portuguesa
Nevoeiro, humidade, espesso manto diáfano que nos envolve a todos em tristeza se bem que o combate ansioso na grande alegria, na grande ânsia de chegar a Portugal.
Na coberta do “Quanza” fazem-se vaticínios.
- Devemos navegar por alturas de Santa Luzia! - exclamou um.
- Além deve ser Caminha! – opinou o outro, e aos passageiros transmite-se esse nervosismo característico dos momentos mais que longos, mais que torturantemente infindáveis que antecedem o segundo grandíloquo da chegada.
E, como por encanto, como numa mágica feérica teatral, a bruma começa cedendo, levantam-se em nossa frente, uma a um os véus vaporosos de névoa densa, cedem ante os raios luminosos e doirados do sol e, quando o tam-tam – numa sinfonia ruidosa de motivo chinês – chama para o almoço, já se olha à vontade pelo extenso lençol de água fora em direcção a Portugal.
- Uma traineira! É portuguesa! Eis o grito que se desprende de um de nós. E o limitado número de passageiros corre à amurada, diz adeus ao minúsculo barco que, em direcção contrária, nos passa e do qual poveiros, homens do mar, portugueses de lei nos acenam, e descobrem respeitosamente a bandeira de Portugal, que o “Quanza” içou desde manhã.
Almoçando à vista de Portugal
É Servido o almoço. Almoço festivo em que comungam em alegria sã as almas daqueles que sentem a poucas milhas de distância a sempre querida terra portuguesa.
Há vinho do Porto a doirar os cálices de cristal junto aos copos que foram cheios de Rums ou de Bordéus, e a primeira saudação sincera, entusiasta, tem-na os jornalistas portugueses, Benoliel, o mais velho de entre eles, saúda no sr. almirante Pinto Basto a Companhia Nacional de Navegação, que a todos os jornalistas proporcionou uma viagem de estudo e de recreio tão agradável e saúda Correia Leal, o companheiro dos homens dos jornais que, casualmente, faz anos hoje.
Segue-se Morais Palmeiro, que declara em nome dos seus colegas da imprensa da cidade Invicta, agradecer à Companhia Nacional de Navegação a especial honra com que quis distinguir a capital do norte trazendo o “Quanza” em primeiro lugar a fundear em Leixões. Essa gentileza, diz, honra especialmente a população laboriosa do Porto, e ela bem pode agradecer esse gesto da Companhia Nacional de Navegação, porque está certo que a imprensa do norte do país se tornará dentro de 24 horas eco do entusiasmo suscitado pela visita do “Quanza” a Leixões, em todos os portuenses.
Brinda ao sr. almirante Pinto Basto à Companhia Nacional de Navegação, e em Benoliel os camaradas de Lisboa, a quem, em nome da imprensa do Porto, dá as boas vindas.
Dirigindo-se ao representante da imprensa do Porto, o sr. almirante Pinto Basto agradece a sua saudação, salienta o aplauso que lhe merece o trabalho da imprensa e brinda pelas prosperidades e pelo progresso da sempre nobre e invicta cidade do Porto.
Benoliel, por sua vez, agradece ao nosso colega de redacção as palavras dirigidas aos jornalistas de Lisboa e envolve num brinde velhos e novos, que se empenham pelo engrandecimento de Portugal. Na melhor das disposições, portanto, se terminou o almoço de hoje a bordo do “Quanza”, à vista de terras portuguesas.
A chegada a Leixões
Cerca das 5 horas e meia da tarde, o “Quanza” aproava a Leixões. De muito longe já, podíamos ver ambos os molhes coalhados de gente, que entusiasticamente nos acenavam com lenços e chapéus. De bordo parte um grito entusiástico:
- Viva o Porto! Viva Portugal! E aqueles que estão postados nos molhes correspondem com vivas repetidos calorosamente.
De terra começam depois surgindo diferentes embarcações. Gente que sobe a bordo, curiosa, muito curiosa na ânsia de conhecer e ver tudo. E assim chegou o “Quanza” a Portugal, entre abraços, alegria, muitos abraços e muita alegria dos que chegavam e dos que os esperavam.
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Não sendo ontem o dia marcado para as visitas oficiais e do público, apenas foram a bordo do “Quanza” funcionários superiores da Companhia e alguns jornalistas a visitar os seus camaradas. Tivemos assim o prazer de cumprimentar a bordo os nossos prezados colegas da imprensa de Lisboa e Porto, que seguem para a capital, onde se verificam as grandes cerimónias da chegada.
Hoje, das 10 da manhã à 1 hora da tarde, recebem-se todas as pessoas que quiserem ir a bordo do “Quanza”. Às três horas começam as visitas oficiais. Os nossos colegas seguem no “Quanza” para Lisboa, final da viagem inaugural, a fim de assistirem às festas que ali se celebrarão.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 13 de Setembro de 1929)

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