As experiências do novo paquete “Quanza”
A mais moderna unidade da Marinha Mercante Nacional
2ª. Parte
A bordo do “Quanza”, 5 de Setembro – O vapor “480”… Parece, à primeira vista, que se trata de um caso misterioso em que qualquer organização secreta desenvolve a sua acção encoberta, perniciosa. Há qualquer coisa que relembra agentes secretos de espionagem, recrutados e agrupados sob a designação lacónica dos números…
Mas de nada disto se trata, o vapor “480” é simplesmente, muito simplesmente, o “Quanza”, o novo paquete de passageiros que a Companhia Nacional de Navegação fez construir num propósito muito louvável de atender às comodidades e confortos modernos dos seus passageiros. É, portanto, qualquer coisa de positivo, em que o orgulho nacional é absolutamente justificável e em que se reflecte o grandioso da técnica alemã.
Até hoje e apesar de repetidos pedidos, foi-nos vedada a visita ao novo paquete. Não o lamentamos, porém, pois que a impressão recebida ao entrar a bordo foi tão agradável que – dizemo-lo sem sombras de propaganda menos honesta – estamos desejosos por assistir à chegada do “Quanza” a Leixões, para podermos presenciar e avaliar da reacção que os nossos compatriotas terão ao entrar a bordo.
Como o jornalista é curioso, mesmo curiosíssimo por natural derivante da sua profissão, nós desde já descreveremos o que é o “Quanza”, bem que nos apetecesse deixá-los completamente na expectativa.
Moderno, sob todos os pontos de vista, este paquete traduz sobremaneira os princípios da moderna cultura aplicados conjuntamente com as últimas novidades técnicas ao meio mais salutar, porventura mais agradável de se viajar. Portugal – e referimo-nos de um modo geral ao país inteiro, porque a ele sempre pertencem e a ele sempre são votados os produtos das boas vontades e dos grandes empreendimentos nacionais – fica, a partir de agora, possuindo um vapor da marinha mercante nacional dos mais modernos e dos mais perfeitos que, se bem de limitada tonelagem, corresponde em aperfeiçoamento, precisão e bom gosto aos mais modernos dos transatlânticos internacionais.
Bom gosto nas dependências reservadas aos passageiros, perfeição nas máquinas, nos aparelhos e nos instrumentos de navegação.
Quando entramos a bordo logo ficamos impressionados. É que trazíamos os olhos cheios, transbordantes de imagens, fixados pela nossa retina, das mais modernas exteriorizações do génio e da cultura internacional, que, confessá-mo-lo, não esperávamos de um navio português tanta coisa, tanta abundância de bom gosto e de perfeição.
Muitos convidados representando o comércio e a indústria da Alemanha, o sr. ministro de Portugal em Berlim, o cônsul geral em Hamburgo, o cônsul adjunto, enfim, perto de duzentos convidados – transmitem ao “Quanza” essa alegria festiva das grandes ocasiões.
As instalações do navio espelhando de novidade são invadidas por toda essa gente, que louva o fino gosto da sala de jantar, um castanho-escuro e vermelho, o acolhedor meio da sala de estar em azul e dourado, e o modernismo discreto da sala de fumo, em que o verde põe manchas de esperança em fundo castanho. Candeeiros e lâmpadas modernas transmitem ao ambiente qualquer coisa de muito agradável e acolhedor, qualquer coisa de novo para o nosso meio.
Às sete e meia da manhã, quando o vasto porto livre de Hamburgo se começa a movimentar e a vivas horas de um trabalho intenso e arrebatador. O “Quanza” largou do cais, fez-se ao largo, efectuando, cerca das nove horas, manobras de ancoramento e regulações na bússola e iniciando logo de seguida a sua viagem pelo mar do Norte.
Cada um dos convidados possuía uma cabine muitíssimo confortável, verificando-se cerca das 11 horas uma visita a todas as dependências do navio, durante a qual o sr. almirante Pinto Basto e o sr. visconde de Atouguia mostravam todos os inúmeros melhoramentos que se encontram a bordo, ou seja a excelente estação de T.S.F., o gónio com o qual pela radiotelefonia se consegue estabelecer precisamente a posição do navio, mesmo no meio do mais denso nevoeiro, a moderníssima ventilação de todo o navio, que dispensa ventoinhas ou quejantes aparelhos e consegue simultaneamente eliminar toda a classe de cheiros a tinta e a óleo característicos em embarcações no género.
Na ponte de comando, encontramos o comandante alemão Michelsen, que até às 5 horas comandará o “Quanza”, entregando depois o navio ao comandante Alberto Harberts, português de lei, descendente de portugueses, nascido em Portugal.
- Capitão Michelsen, a sua opinião acerca do navio?
- Tem correspondido às suas exigências?
- Absolutamente. Como vê, vamos navegando de uma forma absolutamente segura, com a velocidade de 15 milhas estabelecidas no contrato. Os meus desejos são que o “Quanza” leve o nome de Portugal aos recantos mais distanciados do mundo e se torne um justo orgulho da marinha mercante do seu país.
Agradecemos, e, como logo deparamos com o capitão Alberto Harberts inquirimos:
- E v.excª., sr. capitão, que pensa do navio que vai comandar?
- É um belo navio, que ultrapassa as nossas expectativas.
Mas de nada disto se trata, o vapor “480” é simplesmente, muito simplesmente, o “Quanza”, o novo paquete de passageiros que a Companhia Nacional de Navegação fez construir num propósito muito louvável de atender às comodidades e confortos modernos dos seus passageiros. É, portanto, qualquer coisa de positivo, em que o orgulho nacional é absolutamente justificável e em que se reflecte o grandioso da técnica alemã.
Até hoje e apesar de repetidos pedidos, foi-nos vedada a visita ao novo paquete. Não o lamentamos, porém, pois que a impressão recebida ao entrar a bordo foi tão agradável que – dizemo-lo sem sombras de propaganda menos honesta – estamos desejosos por assistir à chegada do “Quanza” a Leixões, para podermos presenciar e avaliar da reacção que os nossos compatriotas terão ao entrar a bordo.
Como o jornalista é curioso, mesmo curiosíssimo por natural derivante da sua profissão, nós desde já descreveremos o que é o “Quanza”, bem que nos apetecesse deixá-los completamente na expectativa.
Moderno, sob todos os pontos de vista, este paquete traduz sobremaneira os princípios da moderna cultura aplicados conjuntamente com as últimas novidades técnicas ao meio mais salutar, porventura mais agradável de se viajar. Portugal – e referimo-nos de um modo geral ao país inteiro, porque a ele sempre pertencem e a ele sempre são votados os produtos das boas vontades e dos grandes empreendimentos nacionais – fica, a partir de agora, possuindo um vapor da marinha mercante nacional dos mais modernos e dos mais perfeitos que, se bem de limitada tonelagem, corresponde em aperfeiçoamento, precisão e bom gosto aos mais modernos dos transatlânticos internacionais.
Bom gosto nas dependências reservadas aos passageiros, perfeição nas máquinas, nos aparelhos e nos instrumentos de navegação.
Quando entramos a bordo logo ficamos impressionados. É que trazíamos os olhos cheios, transbordantes de imagens, fixados pela nossa retina, das mais modernas exteriorizações do génio e da cultura internacional, que, confessá-mo-lo, não esperávamos de um navio português tanta coisa, tanta abundância de bom gosto e de perfeição.
Muitos convidados representando o comércio e a indústria da Alemanha, o sr. ministro de Portugal em Berlim, o cônsul geral em Hamburgo, o cônsul adjunto, enfim, perto de duzentos convidados – transmitem ao “Quanza” essa alegria festiva das grandes ocasiões.
As instalações do navio espelhando de novidade são invadidas por toda essa gente, que louva o fino gosto da sala de jantar, um castanho-escuro e vermelho, o acolhedor meio da sala de estar em azul e dourado, e o modernismo discreto da sala de fumo, em que o verde põe manchas de esperança em fundo castanho. Candeeiros e lâmpadas modernas transmitem ao ambiente qualquer coisa de muito agradável e acolhedor, qualquer coisa de novo para o nosso meio.
Às sete e meia da manhã, quando o vasto porto livre de Hamburgo se começa a movimentar e a vivas horas de um trabalho intenso e arrebatador. O “Quanza” largou do cais, fez-se ao largo, efectuando, cerca das nove horas, manobras de ancoramento e regulações na bússola e iniciando logo de seguida a sua viagem pelo mar do Norte.
Cada um dos convidados possuía uma cabine muitíssimo confortável, verificando-se cerca das 11 horas uma visita a todas as dependências do navio, durante a qual o sr. almirante Pinto Basto e o sr. visconde de Atouguia mostravam todos os inúmeros melhoramentos que se encontram a bordo, ou seja a excelente estação de T.S.F., o gónio com o qual pela radiotelefonia se consegue estabelecer precisamente a posição do navio, mesmo no meio do mais denso nevoeiro, a moderníssima ventilação de todo o navio, que dispensa ventoinhas ou quejantes aparelhos e consegue simultaneamente eliminar toda a classe de cheiros a tinta e a óleo característicos em embarcações no género.
Na ponte de comando, encontramos o comandante alemão Michelsen, que até às 5 horas comandará o “Quanza”, entregando depois o navio ao comandante Alberto Harberts, português de lei, descendente de portugueses, nascido em Portugal.
- Capitão Michelsen, a sua opinião acerca do navio?
- Tem correspondido às suas exigências?
- Absolutamente. Como vê, vamos navegando de uma forma absolutamente segura, com a velocidade de 15 milhas estabelecidas no contrato. Os meus desejos são que o “Quanza” leve o nome de Portugal aos recantos mais distanciados do mundo e se torne um justo orgulho da marinha mercante do seu país.
Agradecemos, e, como logo deparamos com o capitão Alberto Harberts inquirimos:
- E v.excª., sr. capitão, que pensa do navio que vai comandar?
- É um belo navio, que ultrapassa as nossas expectativas.
Postal ilustrado do navio "Quanza"
Minha colecção
É evidente que a bordo reina a melhor disposição e a melhor confraternização entre portugueses e alemães, e assim se passam rapidíssimas as horas até ao momento em que todos se reúnem na ponte de comando. Vai proceder-se a uma solenidade que a todos interessa e que muito particularmente diz respeito aos portugueses.
Terminada a viagem, a todo o vapor, de seis horas, e alcançados os melhores resultados com as experiências, o “Quanza”, será entregue aos representantes da Companhia Nacional de Navegação, e, sob o comando português, içará à ré a bandeira de Portugal.
Há o silêncio pesado das grandes ocasiões, criados servem champanhe e é o sr. almirante Pinto Basto quem, em primeiro lugar, toma a palavra para agradecer à casa Blohm & Voss a forma como cumpriu o seu contrato, excedendo-o até. Declara-se satisfeito e felicita o sr. Rudolf Blohm pela forma como se dedicou à construção do navio português, pois que, declara, quem constrói transatlânticos como o “Europa” e o “Bremen” pouco lhe interessaria, porventura, a construção de um paquete de menor tonelagem do que a daqueles. Agradece, em nome da C.N.N., e termina brindando pelos estaleiros Blohm & Voss.
O sr. Rudolf Blohm agradece, depois, as palavras do sr. almirante Pinto Basto e declara-se satisfeito por haver podido contribuir para o engrandecimento da marinha mercante nacional construindo o “Quanza” que, apesar de limitada tonelagem, muito lhe interessou… Faz amáveis referências ao sr. visconde de Atouguia e brinda pela C.N.N. e pelo comandante do “Quanza”.
Após o sr. visconde de Atouguia haver agradecido em seu nome e no da Companhia que ali representa, o sr. ministro de Portugal em Berlim ergue um viva à Alemanha e a Portugal, secundado entusiasticamente por todos, ao passo que no mastro da ré sobe orgulhosa a bandeira portuguesa.
Momento inesquecível em que o “Quanza” transitou do comando alemão para o comando português e todo aquele navio passou a ser território nacional. Silenciosos, comovidos, todos os presentes ficaram a olhar a bandeira da pátria, enquanto outra flamula era içada – a bandeira da Companhia Nacional de Navegação…
Eram seis horas menos um quarto. Todos os alemães felicitam os portugueses e assumem, com toda a evidência, a atitude de quem está em casa alheia mas se sente bem. Tão bem como os jornalistas portugueses têm sido recebidos e se encontram hospedados na Alemanha.
Uma hora mais tarde, há o jantar. Mesa de honra a que preside o sr. almirante Pinto Basto, glória da marinha de guerra portuguesa; jantar que decorre na mais franca confraternização, estabelecendo o mais intimo e sincero contacto entre um povo do norte e outro do sul. Falam, comemorando a primeira viagem de experiências do “Quanza”, os srs. almirante Pinto Basto, Rudolf Blohm, visconde de Atouguia, ministro Bartolomeu Ferreira e o cônsul Casanova. O discurso deste ilustre diplomata era assim concebido e foi pronunciado em português:
Exmos srs. almirante Pinto Basto, capitão Correia Leal, Blohm & Voss, comandante Harberts e meus senhores – Já em território português, as minhas primeiras palavras são para saudar, como representante da República Portuguesa, todas as autoridades hamburguesas, a Câmara de Comércio e toda a imprensa que, com tanto carinho e galhardia, receberam os representantes da imprensa portuguesa, cumulando-os de distinções, tão sentidas e tão especiais, que a todos nós portugueses, muito nos sensibilizaram, e das quais, estou seguro, novos correntes de simpatia e de interesses comuns hão-de resultar para ambos os países.
A imprensa é hoje o maior e o melhor condutor para se conhecer bem os povos: é, pois, para vós, dignos representantes da imprensa do meu país, a quem saúdo e felicito muito afectuosamente, pela obra nacional que acabastes de prestar, apelando para que digam em Portugal o muito que viram, o que é e o que vale o povo alemão e descrevam as muitas, espontâneas e significativas manifestações de amizade com que foram aqui recebidos.
«Sinto deveras que a madrinha do “Quanza”, minha mulher, não esteja actualmente nesta cidade para poder assistir a esta linda festa em que a Companhia Nacional de Navegação, aqui representada pelo ilustre marinheiro sr. almirante Pinto Basto, e capitão sr. Correia Leal, membro do conselho fiscal, timbra sempre em dar a nota de patriotismo e o exemplo de quanto vale a constância, a fé e uma honrada administração».
Na sua ausência, permita-se-me que leia parte da carta que a madrinha do “Quanza” dirigiu ao presidente de honra da referida Companhia, sr. Jaime Thompson:
«Ao baptismo do “Portugal” hoje “Quanza”, nome este ao qual hoje me acho intimamente ligada por ser sua madrinha e também minha Pátria adoptiva, desejo infinitas venturas. Português como é este novo navio para ser timonado por heróicos e gloriosos marinheiros lusitanos, os navegantes mais audazes, destemidos e os mais afamados do mundo, estou certa que a sua nova vida será mais uma poderosa alavanca e um elemento de progresso para Portugal, bem como uma indispensável artéria de ligação entre a Metrópole e as nossas colónias de além-mar. «Vai com Deus» foi a enternecida frase que eu pronunciei momentos antes do baptismo do meu afilhado; esse baptismo fi-lo com uma indivisível ternura e enlevo de alma com o delicioso vinho do Porto, néctar divino que é a sagrada seiva das entranhas da terra portuguesa. Que o Portugal altaneiro, orgulhoso do seu nome e história, que repercute por todo o mundo, quer seguindo placidamente a esteira das suas seculares rotas marítimas, quer afrontando, desafiando e vencendo sempre com a sua estóica galhardia as tenebrosas iras de Neptuno, seja para os nossos irmãos afastados da Pátria como um alado mensageiro, e nele, tripulantes e hóspedes, sob a bandeira das quinas, encontrem sempre a realização dos seus sonhos, das esperanças fagueiras e a inquebrantável fé no seu trabalho e nas sublimes qualidades para maior glória e engrandecimento de Portugal!»
Estas enternecidas palavras faço-as também minhas, comungando com fervoroso ardor na sua fé e amor pela nossa querida e grande Pátria. O “Quanza” fica desde hoje sob o comando de um grande marinheiro, que possui já uma longa e honrosíssima folha de serviços heróicos e distintos: esse valente, esse verdadeiro lobo-do-mar, que é o nosso amigo, sr. Alberto Harberts, a quem saúdo cheio de comoção e respeito, alia às suas qualidades de audaz navegante, o dom especial de se fazer querer por todos, pelo seu grande e comprovado valor, simplicidade, lhaneza e afectividade.
Não se lhe ouve a voz firme e potente do comando, e, contudo, é cegamente obedecido: para as tripulações não é um chefe, é um grande amigo e carinhoso protector. Honra lhe seja feita!
Não posso nem devo deixar de me referir neste momento à pessoa ilustre do distinto engenheiro naval, visconde de Atouguia, que desde há longos meses aqui reside em missão especial da Companhia Nacional de Navegação, e, ao saudá-lo também com grande simpatia e afecto, devo declarar que, se por acaso desconhecesse a sua velha tradição de homem de bem, e de verdadeiro fidalgo em toda a extensão da palavra, uma prova tive há meses que só por ela se imporia à consideração, ao respeito e à nossa admiração: não narro aqui o caso para não susceptibilizar a sua excessiva e imperdoável modéstia, tão rara nestes tempos que vão correndo; seja-me apenas lícito declarar que, desse facto ocorrido entre mim, cônsul geral, e o visconde de Atouguia, dei imediato conhecimento ao meu governo e à presidência da Companhia Nacional de Navegação, para que, oficialmente, se lhe pudessem render as homenagens a que tem um forte jus pelo seu procedimento altruísta. Vejo, pois, partir com saudade tão distinto português, que só deixa admiradores, e bons amigos neste babilónico meio industrial.
Aos construtores do “Quanza”, engenheiros da casa Blohm & Voss, de reputação mundial, presto a minha homenagem de gratidão pelo magnífico paquete que nos construíram: deram-nos um novo corpo, são e viril: nós, portugueses, transmitir-lhe-emos a nossa alma, cheia de grandeza, fé e lirismo, para que, quando este hercúleo corpo se torça e gema em convulsões de raiva e luta contra os indómitos mares que há-de cortar com a sua quilha, a alma seja sempre forte, destemida e poderosa, subjugando todas as fúrias do terrível Adamastor por nós já tantas vezes vencido e humilhado no infernal Cabo das Tormentas.
Senhores, comandante, oficiais e tripulantes: que o destino e a boa estrela vos guie sempre, são os sinceros votos que faço de todo o coração. Portugal, a nossa querida Pátria, vos saúda e espera com alegria a vossa chegada aos seus portos, a chegada de mais este pedaço de terra portuguesa, deste poderoso factor que muito há-de contribuir para a grande obra do ressurgimento nacional.
Minha colecção
É evidente que a bordo reina a melhor disposição e a melhor confraternização entre portugueses e alemães, e assim se passam rapidíssimas as horas até ao momento em que todos se reúnem na ponte de comando. Vai proceder-se a uma solenidade que a todos interessa e que muito particularmente diz respeito aos portugueses.
Terminada a viagem, a todo o vapor, de seis horas, e alcançados os melhores resultados com as experiências, o “Quanza”, será entregue aos representantes da Companhia Nacional de Navegação, e, sob o comando português, içará à ré a bandeira de Portugal.
Há o silêncio pesado das grandes ocasiões, criados servem champanhe e é o sr. almirante Pinto Basto quem, em primeiro lugar, toma a palavra para agradecer à casa Blohm & Voss a forma como cumpriu o seu contrato, excedendo-o até. Declara-se satisfeito e felicita o sr. Rudolf Blohm pela forma como se dedicou à construção do navio português, pois que, declara, quem constrói transatlânticos como o “Europa” e o “Bremen” pouco lhe interessaria, porventura, a construção de um paquete de menor tonelagem do que a daqueles. Agradece, em nome da C.N.N., e termina brindando pelos estaleiros Blohm & Voss.
O sr. Rudolf Blohm agradece, depois, as palavras do sr. almirante Pinto Basto e declara-se satisfeito por haver podido contribuir para o engrandecimento da marinha mercante nacional construindo o “Quanza” que, apesar de limitada tonelagem, muito lhe interessou… Faz amáveis referências ao sr. visconde de Atouguia e brinda pela C.N.N. e pelo comandante do “Quanza”.
Após o sr. visconde de Atouguia haver agradecido em seu nome e no da Companhia que ali representa, o sr. ministro de Portugal em Berlim ergue um viva à Alemanha e a Portugal, secundado entusiasticamente por todos, ao passo que no mastro da ré sobe orgulhosa a bandeira portuguesa.
Momento inesquecível em que o “Quanza” transitou do comando alemão para o comando português e todo aquele navio passou a ser território nacional. Silenciosos, comovidos, todos os presentes ficaram a olhar a bandeira da pátria, enquanto outra flamula era içada – a bandeira da Companhia Nacional de Navegação…
Eram seis horas menos um quarto. Todos os alemães felicitam os portugueses e assumem, com toda a evidência, a atitude de quem está em casa alheia mas se sente bem. Tão bem como os jornalistas portugueses têm sido recebidos e se encontram hospedados na Alemanha.
Uma hora mais tarde, há o jantar. Mesa de honra a que preside o sr. almirante Pinto Basto, glória da marinha de guerra portuguesa; jantar que decorre na mais franca confraternização, estabelecendo o mais intimo e sincero contacto entre um povo do norte e outro do sul. Falam, comemorando a primeira viagem de experiências do “Quanza”, os srs. almirante Pinto Basto, Rudolf Blohm, visconde de Atouguia, ministro Bartolomeu Ferreira e o cônsul Casanova. O discurso deste ilustre diplomata era assim concebido e foi pronunciado em português:
Exmos srs. almirante Pinto Basto, capitão Correia Leal, Blohm & Voss, comandante Harberts e meus senhores – Já em território português, as minhas primeiras palavras são para saudar, como representante da República Portuguesa, todas as autoridades hamburguesas, a Câmara de Comércio e toda a imprensa que, com tanto carinho e galhardia, receberam os representantes da imprensa portuguesa, cumulando-os de distinções, tão sentidas e tão especiais, que a todos nós portugueses, muito nos sensibilizaram, e das quais, estou seguro, novos correntes de simpatia e de interesses comuns hão-de resultar para ambos os países.
A imprensa é hoje o maior e o melhor condutor para se conhecer bem os povos: é, pois, para vós, dignos representantes da imprensa do meu país, a quem saúdo e felicito muito afectuosamente, pela obra nacional que acabastes de prestar, apelando para que digam em Portugal o muito que viram, o que é e o que vale o povo alemão e descrevam as muitas, espontâneas e significativas manifestações de amizade com que foram aqui recebidos.
«Sinto deveras que a madrinha do “Quanza”, minha mulher, não esteja actualmente nesta cidade para poder assistir a esta linda festa em que a Companhia Nacional de Navegação, aqui representada pelo ilustre marinheiro sr. almirante Pinto Basto, e capitão sr. Correia Leal, membro do conselho fiscal, timbra sempre em dar a nota de patriotismo e o exemplo de quanto vale a constância, a fé e uma honrada administração».
Na sua ausência, permita-se-me que leia parte da carta que a madrinha do “Quanza” dirigiu ao presidente de honra da referida Companhia, sr. Jaime Thompson:
«Ao baptismo do “Portugal” hoje “Quanza”, nome este ao qual hoje me acho intimamente ligada por ser sua madrinha e também minha Pátria adoptiva, desejo infinitas venturas. Português como é este novo navio para ser timonado por heróicos e gloriosos marinheiros lusitanos, os navegantes mais audazes, destemidos e os mais afamados do mundo, estou certa que a sua nova vida será mais uma poderosa alavanca e um elemento de progresso para Portugal, bem como uma indispensável artéria de ligação entre a Metrópole e as nossas colónias de além-mar. «Vai com Deus» foi a enternecida frase que eu pronunciei momentos antes do baptismo do meu afilhado; esse baptismo fi-lo com uma indivisível ternura e enlevo de alma com o delicioso vinho do Porto, néctar divino que é a sagrada seiva das entranhas da terra portuguesa. Que o Portugal altaneiro, orgulhoso do seu nome e história, que repercute por todo o mundo, quer seguindo placidamente a esteira das suas seculares rotas marítimas, quer afrontando, desafiando e vencendo sempre com a sua estóica galhardia as tenebrosas iras de Neptuno, seja para os nossos irmãos afastados da Pátria como um alado mensageiro, e nele, tripulantes e hóspedes, sob a bandeira das quinas, encontrem sempre a realização dos seus sonhos, das esperanças fagueiras e a inquebrantável fé no seu trabalho e nas sublimes qualidades para maior glória e engrandecimento de Portugal!»
Estas enternecidas palavras faço-as também minhas, comungando com fervoroso ardor na sua fé e amor pela nossa querida e grande Pátria. O “Quanza” fica desde hoje sob o comando de um grande marinheiro, que possui já uma longa e honrosíssima folha de serviços heróicos e distintos: esse valente, esse verdadeiro lobo-do-mar, que é o nosso amigo, sr. Alberto Harberts, a quem saúdo cheio de comoção e respeito, alia às suas qualidades de audaz navegante, o dom especial de se fazer querer por todos, pelo seu grande e comprovado valor, simplicidade, lhaneza e afectividade.
Não se lhe ouve a voz firme e potente do comando, e, contudo, é cegamente obedecido: para as tripulações não é um chefe, é um grande amigo e carinhoso protector. Honra lhe seja feita!
Não posso nem devo deixar de me referir neste momento à pessoa ilustre do distinto engenheiro naval, visconde de Atouguia, que desde há longos meses aqui reside em missão especial da Companhia Nacional de Navegação, e, ao saudá-lo também com grande simpatia e afecto, devo declarar que, se por acaso desconhecesse a sua velha tradição de homem de bem, e de verdadeiro fidalgo em toda a extensão da palavra, uma prova tive há meses que só por ela se imporia à consideração, ao respeito e à nossa admiração: não narro aqui o caso para não susceptibilizar a sua excessiva e imperdoável modéstia, tão rara nestes tempos que vão correndo; seja-me apenas lícito declarar que, desse facto ocorrido entre mim, cônsul geral, e o visconde de Atouguia, dei imediato conhecimento ao meu governo e à presidência da Companhia Nacional de Navegação, para que, oficialmente, se lhe pudessem render as homenagens a que tem um forte jus pelo seu procedimento altruísta. Vejo, pois, partir com saudade tão distinto português, que só deixa admiradores, e bons amigos neste babilónico meio industrial.
Aos construtores do “Quanza”, engenheiros da casa Blohm & Voss, de reputação mundial, presto a minha homenagem de gratidão pelo magnífico paquete que nos construíram: deram-nos um novo corpo, são e viril: nós, portugueses, transmitir-lhe-emos a nossa alma, cheia de grandeza, fé e lirismo, para que, quando este hercúleo corpo se torça e gema em convulsões de raiva e luta contra os indómitos mares que há-de cortar com a sua quilha, a alma seja sempre forte, destemida e poderosa, subjugando todas as fúrias do terrível Adamastor por nós já tantas vezes vencido e humilhado no infernal Cabo das Tormentas.
Senhores, comandante, oficiais e tripulantes: que o destino e a boa estrela vos guie sempre, são os sinceros votos que faço de todo o coração. Portugal, a nossa querida Pátria, vos saúda e espera com alegria a vossa chegada aos seus portos, a chegada de mais este pedaço de terra portuguesa, deste poderoso factor que muito há-de contribuir para a grande obra do ressurgimento nacional.
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Em nome dos jornalistas portugueses, falou Benoliel, de «O Século», agradecendo e dizendo que os representantes dos jornais do seu país, quando deixassem Hamburgo, levariam consigo uma grande saudade.
Seguiu-se-lhe o nosso colega Morais Palmeiro que, em alemão e, por motivo de uma saudação recebida do sr. ministro da Alemanha em Lisboa, brindou pelo sr. barão von Balligand e pelas relações luso-alemãs. Entusiasticamente secundado, terminou no meio das mais francas demonstrações de aplauso.
Seguiu-se-lhe o nosso colega Morais Palmeiro que, em alemão e, por motivo de uma saudação recebida do sr. ministro da Alemanha em Lisboa, brindou pelo sr. barão von Balligand e pelas relações luso-alemãs. Entusiasticamente secundado, terminou no meio das mais francas demonstrações de aplauso.
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Seriam dez horas da noite - meia hora mais cedo da prevista pelos técnicos – quando o “Quanza” ancorou no porto de Hamburgo. Muito satisfeitos e louvando as excelentes instalações de bordo, todos os convidados se retiraram.
Nós, portugueses, trazíamos na alma a sincera alegria de um lindo passeio e de sabermos a marinha mercante nacional tão galhardamente representada em território estrangeiro.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 11 de Setembro de 1929)
Nós, portugueses, trazíamos na alma a sincera alegria de um lindo passeio e de sabermos a marinha mercante nacional tão galhardamente representada em território estrangeiro.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 11 de Setembro de 1929)
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