O naufrágio da canhoneira “Liberal”
Naufragou a canhoneira “Liberal”
Lisboa, 25 de Junho – Foram recebidos telegramas de Luanda informando que a canhoneira “Liberal” foi a pique, no Ambriz, no dia 22 do corrente, em consequência de ter batido nuns cachopos. Por felicidade a catástrofe não causou vítimas.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 26 de Junho de 1910)
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 26 de Junho de 1910)
A canhoneira "Liberal" - Pintura de autor desconhecido
Imagem da colecção do Arqtº. António Meneres
O naufrágio da canhoneira “Liberal”
Imagem da colecção do Arqtº. António Meneres
O naufrágio da canhoneira “Liberal”
Poucos dias depois do lançamento ao mar de um novo navio da armada portuguesa, era recebido em Lisboa um telegrama por via de Londres, dando notícia de ter ido a pique, no Ambriz, a canhoneira “Liberal”, em consequência de ter batido nuns cachopos. Triste coincidência.
Felizmente a perda foi só material, pois conforme o mesmo telegrama, salvaram-se todas as vidas que iam a bordo. A “Liberal”, além da sua guarnição, de cerca de cem pessoas entre oficialidade e praças, levava a bordo o governador geral de Angola, sr. tenente coronel Roçadas, o herói do Cuamato, e uma força militar que ia fazer a ocupação de alguns postos ao sul do Ambriz, visando principalmente as regiões dos cuamatos e dos cuanhamas.
Os náufragos foram todos salvos pelo vapor “Vilhena” e conduzidos para bordo do transporte “África”, que há tempos se encontra no porto de Luanda, servindo de depósito de guerra.
A “Liberal” era ainda um navio válido, pois fora construída em 1884, em Inglaterra, nos estaleiros de Laydrs, conjuntamente com a “Zaire”, do mesmo tipo e muito elegante em suas linhas gerais. Armava em lugre-barca, com mastreação e velame, além da máquina de força de 500 cavalos. Media em comprimento 42,60 metros, com 7,50 metros de boca e 5,20 metros de pontal. A sua deslocação era de 604 toneladas. Armava duas peças Armstrong, duas Hotckiss de tiro rápido e duas metralhadoras.
À construção destas canhoneiras assim como a da corveta “Afonso de Albuquerque” e rebocador “Lidador”, tudo feito na mesma ocasião, assistiram o tenente sr. Alfredo Maia, que com os srs. Carlos Testa e Alfredo Diniz compunha a missão nomeada para esse fim.
O sinistro que acaba de destruir a canhoneira “Liberal” e que tão abruptamente pôs termo à sua existência, não foi o primeiro no género sucedido àquele vaso de guerra, que parecia fadado para os encalhes. De entre os vários encalhes por ela sofridos, embora sem graves consequências, dois deles devemos recordar; um, que deve estar ainda na memória dos leitores, foi o sucedido no Baixo de Pinda, na costa norte de Moçambique, em Março de 1902, devendo-se então o salvamento do navio ao bom estado do mar e aos infatigáveis esforços da sua guarnição; o outro, sucedido nesse mesmo ano, em Outubro, foi no Geyserbank, a noroeste de Madagáscar, quando o navio seguia viagem da Ilha Maurícia, onde tinha ido limpar o fundo e sofrer reparações de que carecia, para Majunga, tendo sido arrastado pelas violentas correntes marítimas, que existem naquelas paragens; desta vez o navio apenas bateu num banco de coral, não encalhando e não tendo felizmente resultado do choque qualquer consequência funesta, que a dar-se um naufrágio naquelas paragens, pela distância que fica de terra, toda a guarnição seria vitimada.
Não é conhecido em que circunstâncias se deu o actual sinistro, mas pelo conhecimento, embora imperfeito, que temos da costa de Angola, supomos que o navio, quando em viagem entre alguns dos portos do norte daquela província, tenha batido, muito provavelmente, no baixo conhecido pelo nome de “Cabeça de Cobra” e que fica mais ao norte do Ambriz.
Foi aí que se deu o sinistro? Não temos dados para o afirmar!
A existência da canhoneira “Liberal” como navio de guerra, só se podia explicar actualmente pela pobreza do nosso material naval, pois não possuía nenhum dos requisitos requeridos para navios destinados àquele fim. Outro tanto diremos das suas condições de habitabilidade, que eram muito precárias.
Parece mesmo que as estações superiores de marinha já tinham resolvido não autorizar grandes fabricos, de que por ventura o navio viesse a necessitar, atentas ao seu nenhum valor militar, e, pela força das circunstâncias, dentro de poucos anos devia ser riscado da lista dos nossos navios de guerra, como forçosamente tem de suceder à maior parte do nosso velho e gasto material naval, que tem de ser renovado, se quisermos possuir marinha de guerra, que mereça esse nome.
In Revista “O Ocidente”, nº 1134, de 30 de Junho de 1910
(Reis, A. Estácio dos, Os Navios d’O Occidente, Edições Culturais de Marinha, Gradiva Publicações, Lda., Lisboa, 2001)
Felizmente a perda foi só material, pois conforme o mesmo telegrama, salvaram-se todas as vidas que iam a bordo. A “Liberal”, além da sua guarnição, de cerca de cem pessoas entre oficialidade e praças, levava a bordo o governador geral de Angola, sr. tenente coronel Roçadas, o herói do Cuamato, e uma força militar que ia fazer a ocupação de alguns postos ao sul do Ambriz, visando principalmente as regiões dos cuamatos e dos cuanhamas.
Os náufragos foram todos salvos pelo vapor “Vilhena” e conduzidos para bordo do transporte “África”, que há tempos se encontra no porto de Luanda, servindo de depósito de guerra.
A “Liberal” era ainda um navio válido, pois fora construída em 1884, em Inglaterra, nos estaleiros de Laydrs, conjuntamente com a “Zaire”, do mesmo tipo e muito elegante em suas linhas gerais. Armava em lugre-barca, com mastreação e velame, além da máquina de força de 500 cavalos. Media em comprimento 42,60 metros, com 7,50 metros de boca e 5,20 metros de pontal. A sua deslocação era de 604 toneladas. Armava duas peças Armstrong, duas Hotckiss de tiro rápido e duas metralhadoras.
À construção destas canhoneiras assim como a da corveta “Afonso de Albuquerque” e rebocador “Lidador”, tudo feito na mesma ocasião, assistiram o tenente sr. Alfredo Maia, que com os srs. Carlos Testa e Alfredo Diniz compunha a missão nomeada para esse fim.
O sinistro que acaba de destruir a canhoneira “Liberal” e que tão abruptamente pôs termo à sua existência, não foi o primeiro no género sucedido àquele vaso de guerra, que parecia fadado para os encalhes. De entre os vários encalhes por ela sofridos, embora sem graves consequências, dois deles devemos recordar; um, que deve estar ainda na memória dos leitores, foi o sucedido no Baixo de Pinda, na costa norte de Moçambique, em Março de 1902, devendo-se então o salvamento do navio ao bom estado do mar e aos infatigáveis esforços da sua guarnição; o outro, sucedido nesse mesmo ano, em Outubro, foi no Geyserbank, a noroeste de Madagáscar, quando o navio seguia viagem da Ilha Maurícia, onde tinha ido limpar o fundo e sofrer reparações de que carecia, para Majunga, tendo sido arrastado pelas violentas correntes marítimas, que existem naquelas paragens; desta vez o navio apenas bateu num banco de coral, não encalhando e não tendo felizmente resultado do choque qualquer consequência funesta, que a dar-se um naufrágio naquelas paragens, pela distância que fica de terra, toda a guarnição seria vitimada.
Não é conhecido em que circunstâncias se deu o actual sinistro, mas pelo conhecimento, embora imperfeito, que temos da costa de Angola, supomos que o navio, quando em viagem entre alguns dos portos do norte daquela província, tenha batido, muito provavelmente, no baixo conhecido pelo nome de “Cabeça de Cobra” e que fica mais ao norte do Ambriz.
Foi aí que se deu o sinistro? Não temos dados para o afirmar!
A existência da canhoneira “Liberal” como navio de guerra, só se podia explicar actualmente pela pobreza do nosso material naval, pois não possuía nenhum dos requisitos requeridos para navios destinados àquele fim. Outro tanto diremos das suas condições de habitabilidade, que eram muito precárias.
Parece mesmo que as estações superiores de marinha já tinham resolvido não autorizar grandes fabricos, de que por ventura o navio viesse a necessitar, atentas ao seu nenhum valor militar, e, pela força das circunstâncias, dentro de poucos anos devia ser riscado da lista dos nossos navios de guerra, como forçosamente tem de suceder à maior parte do nosso velho e gasto material naval, que tem de ser renovado, se quisermos possuir marinha de guerra, que mereça esse nome.
In Revista “O Ocidente”, nº 1134, de 30 de Junho de 1910
(Reis, A. Estácio dos, Os Navios d’O Occidente, Edições Culturais de Marinha, Gradiva Publicações, Lda., Lisboa, 2001)
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