segunda-feira, 11 de maio de 2015

História trágico-marítima (CL)


O incêndio a bordo do "Inhambane"

Na doca de Leixões
Um violento incêndio pôs em perigo o vapor português
“Inhambane” tendo sido empregadas 25 agulhetas para
dominar as chamas alterosas e ameaçadoras
A bordo do “Inhambane”, magnifico vapor de dez mil toneladas, que acostou, ante-ontem de manhã na doca nº 1 de Leixões, declarou-se incêndio, violento, com proporções inicialmente assustadoras. O “Inhambane” viera de Lisboa com 1.900 toneladas de nitrato de sódio e 250 toneladas de carga diversa, pertença da Companhia União Fabril, que é, também, proprietária do navio.
Após a entrada na doca, amarrado no lado Sul, começaram os trabalhos de descarga. Os porões da ré foram os primeiros a ser aliviados. Quando a descarga estava bastante adiantada é que o incêndio se manifestou.
Pouco passava das treze horas. O pessoal retomava o serviço, suspenso pouco antes – foi quando o encarregado dos estivadores encontrou um saco de nitrato de sódio a arder. Dado o alarme, recorreram aos extintores de bordo. Mas o fogo não cedeu. Pelo contrário – propagou-se a toda a mercadoria, e, dentro em pouco, o porão nº 5 era, igualmente, pasto das chamas.
Mesmo antes de serem pedidos os socorros, compareceram, no local, os Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça. O serviço de ataque ao fogo foi montado sob a direcção do Inspector de Incêndios do concelho de Matosinhos sr. Coronel Alberto Laura Moreira. Entretanto chegaram ao local do sinistro os corpos activos dos Bombeiros Voluntários de Leixões, de S. Mamede de Infesta e Moreira da Maia.
As chamas, crepitantes, saíam dos porões e elevavam-se a alguns metros, enquanto nuvens de fumo, compactas, subiam no espaço e – pode afirmar-se sem exagero – cobriam e escureciam o céu em Leixões e Matosinhos.

Foto do vapor "Inhambane" a chegar a Leixões
Imagem da Fotomar, Matosinhos

Características do vapor "Inhambane"
Armador: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes
Nº Oficial: 446-E - Iic: H.I.N.B. - Registo: Lisboa, 21.07.1925
Construtor: J. C. Tecklemborg, Geestemunde, Alemanha, 08.1912
ex “Essen”, Deutsch-Australische D.G., Hamburgo, 1912-1916
ex “Inhambane”, Transp. Marítimos do Estado, Lisboa, 1916-1925
Propulsão: J.C. Tecklemborg, 1912 - 1:Te - 3.600 Ihp - 12,5 m/h
2º Registo
Nº Oficial: 446-E - Iic: C.S.A.V. - Porto de Registo: Lisboa, 1933
Arqueação: Tab 5.943,84 tons - Tal 3.684,48 tons
Dimensões: Ff 142,92 mt - Pp 137,57 mt - Bc 17,44 mt - Ptl 8,14 mt
Equipagem: 45 tripulantes - 9 passageiros
Vendido ao armador Grego A. Frangistas Manessis em 1955, alterando-lhe o nome para “Vassiliki”, passando a navegar com registo Costa-riquenho. Foi finalmente vendido para demolição em Hong-Kong, em 23 de Maio de 1959.

Do local e dos lugares distantes acorreu gente. Nas imediações da doca, contidas à distância pela guarda, viam-se milhares de pessoas. O espectáculo, sinistro, trágico, chamava a atenção de todos. Aos olhos dos assistentes e até aos olhos dos bombeiros, afigurou-se tragédia de gravíssimas consequências. O fumo e o cheiro intoxicava os abnegados bombeiros, mas eles, heroicamente, obedecendo, disciplinados, ao comando do coronel Laura Moreira, com mascaras contra gás ou sem elas, combatiam, de agulheta em punho, as chamas, e desciam aos porões, resolutamente, sem medirem o perigo ameaçador que os envolvia.
Se não fosse a inteligência posta à prova no ataque ao incêndio e o heroísmo dos bombeiros, talvez o vapor se tivesse perdido.
Felizmente o fogo pôde considerar-se extinto duas horas após o seu início, tendo ficado limitado aos dois porões, parcialmente inundados com a água das dezassete agulhetas empregadas pelos bombeiros das quatro corporações atrás referidas, duas do rebocador “Tritão”, uma do “Manolito”, e quatro de duas barcaças da Administração dos Portos do Douro e Leixões, no total de vinte e cinco agulhetas, alimentadas por uma auto-bomba e doze moto-bombas.
Durante o incêndio ficaram ligeiramente feridos alguns bombeiros e trabalhadores. Entre outros, receberam curativo na ambulância dos Voluntários de Leixões, dirigida pelos enfermeiros Enio Sampaio Batista e José Beleza de Pinho: Carlos Ribeiro Moreira, de 52 anos, 2º maquinista da Administração dos Portos, com escoriações nas mãos e dedos; Manuel Marques, de 43 anos, motorista da Administração dos Portos, com contusão nos dedos da mão esquerda, e o guarda-fiscal nº 284, da 2ª Companhia, com escoriações no joelho esquerdo e nos cotovelos.
Estiveram no local do incêndio o presidente da Câmara de Matosinhos e o Delegado Policial, srs. dr. Fernando Aroso e Sá Lima; o capitão do porto sr. comandante João Pais e o gerente da Companhia União Fabril, no Porto, sr. engenheiro Manuel Domingues dos Santos.
À noite começaram os trabalhos para estancamento dos porões inundados. Os prejuízos são importantes, sendo ainda desconhecidas as causas que deram origem ao incêndio.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 6 de Junho de 1942)

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