sábado, 19 de junho de 2021

O afundamento do "Omar" próximo das Berlengas


O criminoso afundamento do iate-motor “Omar”
Um mergulhador vai tentar recolher uma amostra da carga
No caso do afundamento do iate-motor “Omar”, que foi criminosamente metido no fundo, ao largo de Peniche, a fim de ser cobrada a importância do respectivo seguro sobre uma carga falsamente declarada como minério, a Polícia Marítima houve-se com muita perspicácia, iludindo, com a aceitação inicial das declarações da tripulação, uma aparente liquidação do assunto.
Todos os declarantes foram, por isso, então mandados em paz, mas o chefe Baptista dos Anjos coadjuvado pelo sub-chefe Serra e Moura e agente Martins Baptista, exerceram uma cuidadosa vigilância sobre os seus movimentos. Pouco tempo passado, verificava-se que um dos marítimos fazia despesas incomportáveis para os seus proventos: comprou três fatos; gastava dinheiro em recreios custosos e pagava frequentemente «rodas» de bebidas a camaradas, utilizando, para tal, notes de banco de 50, 100 e 500 escudos. O facto confirmou as suspeitas da Polícia, que teve conhecimento completo do caso com relativa facilidade, depois de feitas as duas primeiras prisões.Entre os detidos figura o armador Mário Assis, o único que, até agora, nega terminantemente o conhecimento da burla e das combinações feitas – nesse caso, não se sabendo com quem – para o afundamento do navio.
O chefe Baptista dos Anjos, acompanhado do agente Martins Baptista esteve em casa de vários dos detidos, e apreendeu diversas quantias, resto do dinheiro distribuído para a prática do crime.Aqueles dois funcionários policiais e o referido sub-chefe, partiram ontem de manhã, em automóvel para Faro, a fim de proceder a identica diligência em casa do mestre do navio, João dos santos, que, como os outros tripulantes, se encontra preso em Lisboa.
Obtida a confissão total da trama urdida, da forma como foi praticado o afundamento e, até, acerca da natureza da carga fraudelenta, o caso ficou convenientemente esclarecido. Mas a Polícia Marítima resolveu tentar juntar ao processo o corpo de delito que neste caso, será uma amostra da carga afundada com o navio.
Para o efeito deverá realizar-se, dentro de dias, no lugar do afundamento, a delicada operação de recolha da referida amostra, para o que se utilizarão um mergulhador e os recursos necessários à diligência, que será presenciada pelos três citados funcionários policiais e por entidades marítimas. Por seu turno, a Polícia Judiciária continua as investigações para o completo esclarecimento da criminosa actividade dos «exportadores» de minério.
No decorrer dos interrogatórios efectuados na madrugada de ontem, pelo chefe Amado e pelo agente Carlos Santos, que estão a trabalhar sob a orientação do dr. Luso Soares, os nove detidos, que se encontram agora incomunicáveis na Penitenciária, por ordem daquele magistrado entraram, finalmente, no caminho da confissão. Assim, ficou apurado que quem projectou o afundamento do navio e conduziu as negociações com o armador foi o Godinho e Cunha, que agiu com o conhecimento de todos os seus «sócios» - cada um dos quais entrava com uma cota parte do dinheiro para pagamento do «favor».
O armador Mário Assis recebeu também avultada quantia e foi o primeiro a saber dos planos dos «exportadores». Tornava-se necessário que o pseudo-minério – os arguidos já declararam tratar-se apenas de «areias» e resíduos de «ilimite» - se perdesse, pois de forma alguma poderia chegar ao seu destino. E era indispensável receber o seguro da carga no valor de 8.730 contos. Ficaria, então, combinado que o “Omar” seria metido a pique à saída do Porto. Porém, com grande surpresa e contrariedade dos planeadores da trama o navio chegou ao Tejo. Interrogado a esse respeito pelo Amaral e pelo Godinho e Cunha, o armador Mário Assis teria dito ter sido impossível afundar o navio, devido ao forte temporal que fez durante a viagem e que punha em perigo a vida dos tripulantes.
Foi então combinado, nessa altura, o regresso do navio ao Douro, a pretexto de separar novamente o «minério» e fazê-lo então naufragar – o que aconteceu perto das Berlengas, nas circunstâncias já conhecidas. Mas para a consumação do crime, os «exportadores» tiveram de aumentar a recompensa do motorista Manuel Baptista, para 250 contos e a do contra-mestre Nascimento para 50. Os restantes tripulantes receberam as quantias préviamente prometidas à excepção de um marinheiro que não voltou a embarcar, mas que estava no conhecimento do segredo.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, segunda-feira, 30 de Março de 1953
Características do iate-motor “Omar”,
agregado ao tráfego costeiro internacional
1944 – 1953
Armador: Mar-Trans-Sul, Lda., Faro
Nº oficial: A-667 - Iic: C.S.S.R. - Porto de matrícula: Faro
Construtor: José Miguel Amaro, Faro, 1944
Arqueação: Tab 91,08 tons - Tal 58,02 tons
Dimensões: Ff 24,85 mt - Pp 20,39 mt - Boca 6,62 mt - Pontal 3,04 mt
Propulsão: Motor Jonkopings - 1:Sd - 2:Ci - 120 Bhp - Veloc.: 8 nós

O afundamento do “Omar”
Estavam 85 contos na cama do mestre do navio
Prosseguem as investigações iniciadas pela Polícia Marítima para o esclarecimento do caso do criminoso afundamento do navio de carga “Omar”. O chefe Baptista dos Anjos, o sub-chefe Serra e Moura e o agente Baptista, que ante-ontem foram a Faro, levando com eles o mestre do “Omar”, apreenderam em casa deste 85 contos, que se encontravam guardados debaixo do colchão da cama. Foi o próprio mestre João dos Santos quem dali retirou o dinheiro e o entregou, dizendo ser o que restava dos 100 contos por ele recebidos.
Anteriormente, a Polícia Marítima apreendera 190 contos dos 200 que o motorista recebera e 21 dos 25 dados ao contra-mestre, somando, até agora, 300 contos apreendidos. A recolha do dinheiro vai prosseguindo e, entretanto, avolumam-se as suspeitas – embora ele o negue – de que foi o armador Mário Assis quem ordenou o afundamento do seu navio e entregou o dinheiro para as gratificações à tripulação.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 31 de Março de 1953

O criminoso afundamento do “Omar”
Foram aplicadas multas de 10 a 500 contos, às entidades
que passaram guias para o falso minério
São já conhecidos novos pormenores da grande burla da «casseterite», investigação que está a ser efectuada pela Polícia Judiciária. Os principais implicados na grande fraude - José Amaral, Baptista Coelho, Godinho e Cunha, Costa Caixeiro, Luciano Costa e Pinto Ribeiro - continuam presos estando agora o chefe Amado a tentar esclarecer a quota parte de responsabilidades de cada um. Na manhã de ontem foram libertados, por já haverem explicado a sua participação no caso e, por isso, não interessarem por ora à elaboração do processo, os detidos Adolfo Ferreira Paiva e Pinto, agente da firma transitária, e Jorge Vítor da Costa Testa.
O chefe Amado, no decorrer das investigações a que procedeu, averiguou ter o José Amaral pensado em fazer uma autêntica exportação de «casseterite» para Espanha, ficando, todavia, de posse das respectivas guias. Utilizá-las-ia depois para garantir os resíduos de «iliminite» destinados a embarcar e... atirar para o fundo do mar. Desta forma, ganharia muito mais. Mas a exportação para Espanha não se fez, afinal, e ele e os seus «sócios» apenas realizaram o «negócio da América».
Àcerca da garantia do pseudo minério embarcado, os «exportadores» utilizaram indevidamente diversas guias, uma vendida ao Godinho e Cunha por um elemento do Fomento Nacional da Indústria, e outras fornecidas por João Tiago Campos Carmo, a cobrir o fornecimento da hipotética «casseterite» em bruto, e mais outras passadas por algumas separadoras de Amarante e Porto, que justificavam as 170 toneladas de «areias» ensacadas como sendo de minério tratado. Por esse motivo, todas as entidades que passaram guias foram já processadas pela Direcção Geral de Minas, que autuou os responsáveis e lhes aplicou multas que variam de 10 a 500 contos.
Terminou cerca das 5 horas da madrugada a acareação feita, na Polícia Marítima, aos tripulantes do “Omar”, em conjunto com o proprietário deste navio, o armador Mário Assis que, até, ante-ontem, se mantinha numa negativa irredutível sobre todos os aspectos da sua intervenção na prática do crime. Porém, com a prisão ontem efectuada, do antigo motorista do “Omar”, Ernesto Vilela Raposo, o armador Mário Assis parece ter entrado no caminho das confissões. A intervenção de Vilela Raposo no caso, foi, segundo ele próprio contou a seguinte:
Quando ainda motorista do “Omar” foi-lhe entregue, pelo José Amaral, que parece ter sido o autor do plano, a quantia de 75 contos, com o encargo de meter o navio no fundo. O Vilela recebeu o dinheiro mas foi, seguidamente, dar parte do acontecido ao Mário Assis, que lhe pediu a quantia que ele havia recebido. E o motorista entregou-lho, recebendo, nessa altura a quantia de 1.000$00 escudos, a título de gratificação.
Posteriormente, o Vilela deu parte de doente, participando que não poderia embarcar. Foi então substituído pelo seu colega Manuel Gonçalves Baptista. Na acareação, o Mário Assis confirmou a versão do Vilela, afirmando que gastara aquele dinheiro em seu proveito, mas que era sua intenção distribuir, depois, igual quantia, pela tripulação do seu navio. Quanto ao que se lhe atribui, de ter dado a ordem para o afundamento do navio, o Mário Assis negou até à hora a que terminou a acareação, embora o mestre João dos Santos continuasse a afirmar que o dinheiro para as gratificações, tinha sido dada pelo Amaral, mas que fôra o Assis quem dera as indicações para o afundamento.
Inesperadamente, o armador declarou, a certa altura, que tinha perfeito conhecimento do que se planeava e que, para isso, o Amaral e um outro indivíduo tinham entrado em contacto com a tripulação. O Mário Assis recolheu, depois, à prisão, onde continua incomunicável. Entretanto, o chefe Baptista dos Anjos e o agente Baptista, deslocaram-se ontem para a província, a fim de ouvirem um antigo tripulante do “Omar”, que está a cumprir o serviço militar.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 1 de Abril de 1953

Nota: «Casseterite» designa um mineral tetragonal de que se extrai o estanho, abundante no norte do país. Por sua vez «ilmenite» é um mineral que cristaliza no sistema trigonal e é minério de titânio (quimicamente, trata-se dum óxido de ferro e titânio). No caso de ser este o minério referido no texto, obviamente a palavra citada está escrita incorretamente.

O afundamento de um navio com falso minério
A Polícia Marítima foi a Setúbal apreender a quantia de três mil escudos, importância que ainda restava dos dez contos que o contra-mestre do navio recebera, como pagamento da sua colaboração no afundamento do iate “Omar”.
O armador Mário Assis vai ser ouvido novamente, a fim de esclarecer qual a sua actuação no afundamento do navio. A Polícia Judiciária já esclareceu toda a meada referente à burla da carga do “Omar”, estando agora a determinar a responsabilidade de cada um. Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 2 de Abril de 1953

O criminoso afundamento do “Omar”
Quase trezentos contos foram entregues
por um dos detidos à Polícia
Na Polícia Judiciária têm prosseguido os interrogatórios aos seis indivíduos que estão detidos como implicados no caso do afundamento do iate “Omar”, tendo sido agora sujeitos a acareações. Ante-ontem, um deles, José Amaral, que é acusado de ter planeado o afundamento, entregou voluntariamente, ao chefe Amado a quantia de 294.685$00 escudos, parte dos seis mil contos levantados num banco de Lisboa pela firma Godinho e Cunha, para pagamento do falso minério.
Hoje, a Polícia Judiciária deve fazer novas revelações acerca do caso – e que se julga serem sensacionais. Por sua vez, na Polícia Marítima, também prosseguem as investigações, tendo o agente Martins Baptista ouvido o proprietário e capitalista sr. Belchior Martins Galego, de S. Brás de Alportel, acerca de um encontro que teve há tempos, num «café» da baixa, com o arguido Mário Assis, sócio da firma proprietária do navio. O sr. Belchior declarou que ele o procurara para lhe pedir que ficasse como fiador do grupo dos indivíduos do minério, na importância de mil contos, para estes fazerem um determinado negócio. O sr. Belchior disse então, que não lhe interessava o negócio, pois já não estava em idade para entrar em aventuras.
Supõe o investigador que a fiança pedida pelo acusado seria para se garantir com o dinheiro, que os carregadores lhe haviam prometido, para deixar afundar o “Omar”, pois não é pessoa, como já foi averiguado, que se fie em promessas e só se envolveria na negociata «com a certeza de receber o dinheiro».
Vai ser efectuada uma acareação entre o arguido Mário Assis , o sr. Belchior e o sr. José Martins, de Faro, primo da mulher do primeiro, que está de relações cortadas com ele, mas que se julga saber bastantes pormenores do caso.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 3 de Abril de 1953

O caso do “Omar”
Na Polícia Marítima foi ontem novamente ouvido o armador Mário Assis, sócio-gerente da Empresa Amizade, proprietária do navio “Omar”. O Assis começou a cair em flagrantes contradições, ao mesmo tempo que afirma ter determinado aos seus tripulantes que não deviam meter o navio no fundo, mas declarou ter conhecimento do facto e que não queria ser delator dos seus empregados.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 3 de Abril de 1953

O afundamento do “Omar”
O armador do navio continua a negar a sua participação no crime
O chefe Baptista dos Anjos e o agente Martins Baptista, da Polícia Marítima, foram ao Torel com os tripulantes do navio “Omar”, a fim destes serem acareados com os indivíduos que ali se encontram, detidos como autores do embarque do minério no mesmo navio.
O detido Sousa Amaral fez larga descrição de negociações que teria entabulado com o armador Mário Assis, declarando que desde Setembro se pensava em afundar o “Omar”, para o que o armador receberia mil contos. O Sousa Amaral afirmou ainda que não tendo essa elevada importância daria uma garantia do mesmo valor, sobre uma parte da apólice do seguro do minério, dizendo-lhe o armador Mário Assis que não queria o seu nome envolvido no caso, figurando nele um amigo de sua confiança.
Sucede que esse amigo recusou a sua participação no caso, segundo afirmação do mesmo Sousa Amaral, ficando então assente afundar-se o navio na viagem de regresso do Norte, combinação esta feita entre o mestre João dos Santos e o motorista Gonçalves Baptista, para o que ele Amaral despendeu 365 contos.
As declarações de Sousa Amaral foram confirmadas por todos os presos, somente as negando o armador Mário Assis. A Polícia Marítima não acredita na boa fé do armador Mário Assis, pelo que vai ainda prosseguir nas investigações.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 12 de Abril de 1953

O caso do navio “Omar”
Comunicado
A firma A.J. Gonçalves de Moraes, Lda., tem a satisfação de comunicar aos seus Excelentíssimos Clientes e Amigos e ao Comércio em geral que o seu sócio-gerente, sr. António Peres Ferreira, foi completamente ilibado de qualquer responsabilidade criminal no caso do navio “Omar”, por não haver fundamento para o acusar nos autos de instrução preparatória, que foram distribuídos ao 3º Juízo Criminal depois de organizados pela Polícia Judiciária.
E porque, só depois de proferido despacho de pronúncia provisória contra os arguidos indiciados como responsáveis, foi possível conhecer os termos em que foi judicialmente apreciada a actuação do nosso referido sócio, dos quais é reconhecida a sua absoluta inocência, só agora surgiu a oportunidade que ansiosamente esperavamos, no legítimo desejo de defender a reputação do nosso sócio, de fazer esta comunicação, aproveitando o ensejo para agradecer, reconhecidamente, todas as provas de estima, consideração e confiança que lhes foram dadas por inúmeros Clientes e Amigos.
E mais uma vez, convictamente, podemos afirmar que as nossas normas de trabalho usadas neste caso como, aliás, em todos os que nos sejam afectos, não sofreram de qualquer deficiência ou incorrecção, não tendo havido motivo sério para que, fosse quem fosse, alguma vez duvidasse da isenção e honestidade que há cerca de 60 anos são timbre e inalteráveis regras da actividade comercial desta firma, escrupulosamente mantidas pelos seus actuais Sócios, netos do seu honrado Fundador, muito tendo a lamentar que tão injustamente um deles tivesse sido envolvido neste caso.
Fonte: Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 31 de Maio de 1953

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