quinta-feira, 14 de junho de 2018

História trágico-marítima (CCLV)


O encalhe – naufrágio do navio “Amethyst”, na Foz do Douro
3ª Parte

Já começou a bombagem do gasóleo
Enquanto procedem à bombagem do gasóleo, decorre uma outra actividade, em terra: o ensaque, feito por particulares, do milho que enchia os porões do “Amethyst”
O “Amethyst” continua entregue à sua sorte
Começa hoje o inquérito às causas do naufrágio
Apesar de todos os receios anteriores, as condições de mar permitiram que fosse trasfegado parte do gasóleo existente no cargueiro “Amethyst”, encalhado desde a manhã da passada sexta-feira, nos rochedos da praia do Molhe.
Efectivamente, ao fim da tarde de ontem foi dado início à bombagem do gasóleo existente nos tanques subjacentes à ponte de comando. Para a operação de trasfega muito contribuiu a acção dos bombeiros das três corporações que se encontram de serviço no local, orientados pelo chefe Licínio e pelo ajudante Geraldo Amorim – Portuenses, Voluntários de Leixões e Matosinhos-Leça.
Na montagem do sistema a bordo foi indispensável o trabalho do engenheiro naval sr. Kearon que, desde manhã até ao fim da tarde, esteve empenhado na operação juntamente com quatro bombeiros que também foram para bordo.
Entretanto, devem chegar esta madrugada 48 bidões de dispersante para ser aplicado não só sobre o fuel mas até mesmo num tanque do qual não é possível extrair o combustível.

Chega hoje o solicitador
Praticamente, o caso “Amethyst” encontra-se já entregue à companhia de seguros, cuja representação no Porto pertence à firma Kendall, Pinto Basto, que todos os dias tem estado representada na praia do Molhe pelo gerente e outros funcionários.
Entretanto, deve chegar, hoje, ao Porto, vindo de Londres, o solicitador que juridicamente ultimará as negociações.
O «Protesto de mar» foi já elaborado no Consulado da Grécia e as autoridades marítimas deverão, hoje mesmo, iniciar o inquérito sobre as causas do naufrágio. Serão inquiridos o comandante do navio, o imediato, o chefe de máquinas e o marinheiro que estava de «quarto».

Partida de alguns marinheiros
Alguns dos tripulantes que já não tem qualquer intervenção no caso deverão ser repatriados hoje, para os seus países, fazendo primeiramente escala pela Grécia. Os filipinos e o chileno devem ser os primeiros a abandonar o Porto.
Ainda não foram retirados do navio os mantimentos, que o comandante ofereceu ao Albergue Distrital do Porto. Com a operação de trasfega não houve tempo para tal tarefa, que deverá ser levada a cabo hoje de manhã.

Poucos mirones e muito milho
Alguns dos muitos indivíduos que não tem nada que fazer e para quem um navio encalhado constitui motivo mais que suficiente para longas horas de contemplação, estiveram ontem, de tarde e de manhã, estáticos, mirando e remirando o jovem-morto “Amethyst”. Alguns mirones houve que não se ralavam em perder ali a tarde inteira.
Não tenho nada que fazer - dirão muitos. E pronto, a monótona contemplação é preferível a muitas outras (também monótonas) formas de gastar o tempo. E lá vão. E não são só reformados! Afinal, há sempre um encalhe para derivar as coisas e desmonotonizar os tónicos!
Numa perspectiva sociológica essa romaria – maior ou menor consoante os afazeres das pessoas – faz-nos pensar em muita coisa. É um interesse que não se fica pela simples curiosidade.
Entretanto, longe do estatismo contemplativo dos mirones, muitas pessoas continuavam, ontem, a colher o milho espalhado na areia. Esses não perderam o seu tempo, já que conseguiram ensacar muitos quilos do cereal.
(Jornal “Comércio do Porto”, terça-feira, 5 de Fevereiro de 1974)

Imagem do navio parcialmente desfeito pelo mar
Minha colecção

Características do navio “Amethyst”
Armador: Pentelikon Shipping Co., Piréu, Grécia
Construtor: Ishikawajima Heavy Industries, Aioi, Japão, 1972
Arqueação: Tab 10.006 tons
Dimensões: Pp 142,30 mts - Boca 19,80 mts - Pontal 9,10 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Di - 14 m/h
Equipagem: 22 tripulantes e 2 passageiros

“Amethyst” – Enquanto as fendas se alargam
Foram extraídos mais de 70 mil litros de combustível
Concluído o inquérito (confidencial)
Continuando a ser açoitado pelas vagas fortes e rígidas, o “Amethyst” ficará de um momento para o outro em duas ou três partes. As fendas existentes a bombordo encontram-se cada vez mais abertas e a preocupação dominante continua a ser o perigo da poluição, Isto, apesar de já terem sido trasfegadas mais de setenta toneladas de diesel marítimo que em auto-tanques foi levado para a Sacor. Nesta operação empenharam-se activamente os bombeiros das quatro corporações que têm estado a trabalhar no local – Portuenses, Matosinhos-Leça, Leixões e Aguda – e, de ante-ontem para ontem não se coibiram de laborar até às duas horas da madrugada para aproveitar ao máximo a melhoria das condições do tempo.
Na verdade, segundo o comentário do chefe Licínio, dos Portuenses, a operação de trasfega decorreu em bom andamento, contribuindo em muito a actividade dos bombeiros e do estado do mar.
Os quatro soldados da paz que andaram a bordo chegaram mesmo a ter de ficar, de madrugada, no navio, para logo de manhã recomeçarem a tarefa da bombagem.
Acabada a trasfega do combustível existente nos tanques subjacentes à ponte de comando, exactamente na ré, que constitui a parte mais critica do defunto cargueiro, foram aplicadas algumas toneladas de produtos dispersantes, para evitar o efeito poluidor dos resíduos.

Bidões de dispersante
Chegaram, efectivamente, ontem de manhã, as dezenas de bidões de dispersante vindo de Portimão, por determinação do departamento contra a poluição do Ministério da Marinha. Foi parte desse mesmo dispersante que ontem foi aplicado nos tanques de diesel-marítimo.
Havia outro tanque do qual em princípio pensaram poder também extrair o gasóleo, mas revelou-se completamente impossível dado o estado de alagamento em que o navio se encontra.
É natural, portanto, que grande porção de combustível se tenha espalhado já pelo mar, atendendo até que com as fissuras existentes no fundo do cargueiro, os tanques mais fundos se tenham rompido.
Já ao princípio da noite de ontem e com o agravamento do tempo e maior ondulação do mar, os bombeiros que se encontravam a bordo foram obrigados a regressar a terra. Antes disso, porém, foram colocadas as mangueiras nos tanques de fuel da ré, para onde foram bombadas algumas toneladas de dispersante.
Entretanto, estiveram a bordo dois inspectores, srs. Wheatley e Curtis, representantes da companhia de seguros e da Salvage Association Inc., respectivamente, a fim de recolherem elementos para a elaboração do relatório.

Inquérito já elaborado - Resultado confidencial
Ao fim da tarde de ontem, foram, entretanto, ouvidos pelo comandante do Departamento Marítimo do Norte, o capitão do “Amethyst”, o imediato, o chefe de máquinas, e o 2º oficial de máquinas, servindo de intérpretes o sr. Shilas, superintendente da companhia armadora, e engº. Bustorff Silva, da firma Kendall, Pinto Basto & Cª., Lda. Os resultados são ainda confidenciais pelo que, oficialmente, nada se sabe ainda sobre as origens do encalhe.
Não só porque os bombeiros em acção na praia do Molhe tiveram de correr para um incêndio que deflagrou em Matosinhos, mas, até, porque o tempo piorou para o fim da tarde, não foi possível trazer para terra os mantimentos existentes no navio e oferecidos pelo comandante ao Albergue Distrital do Porto. Se o mar deixar, havendo condições de segurança, os bombeiros poderão voltar ao navio, para que esse transporte seja feito hoje.
No entanto, ao princípio da noite de ontem, previam os técnicos que, dentro de algumas horas, o “Amethyst” estaria já quebrado. Só a fúria do mar, o impacto das vagas é que ditaria, no entanto, o prolongamento maior ou menor da expectativa.

Repatriamento da tripulação
Os três tripulantes filipinos abandonaram já o Porto com destino ao seu país. Hoje de manhã parte para Londres o radio-telegrafista e pela tarde, catorze dos restantes tripulantes serão repatriados para Atenas.
(Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 6 de Fevereiro de 1974)

Era uma vez um cargueiro grego
“Amethyst”: A sucata é o destino mais certo
A partir da madrugada de ontem, deixou de existir na praia do Molhe o “Amethyst”, na sua unidade. Quebrou-se em duas partes, sensivelmente a meio, na região do quinto porão, exactamente pelo rombo que desde as primeiras horas ditou a morte do cargueiro.
Com efeito, cerca das 2 horas e meia da madrugada, o rombo foi abrindo mais de estibordo para bombordo, até que, passados alguns momentos, a parte dianteira do cargueiro encontrava-se já bem distante da restante, que se encontra fortemente cravada nas rochas e arqueada na zona da ponte de comando.
Com a quebra, o “Amethyst”, que estava com sensível inclinação sobre bombordo acabou por ficar na horizontal, com a proa já assente sobre rochedos. Entretanto, a vaga forte, vinda de noroeste, continuou dia adiante, a acicatar o navio, arrastando aos poucos a parte da proa desagregada, elevando para mais de seis metros a distância entre ambas as partes. Se a vaga continuar na mesma direcção e com a mesma fúria, a parte da frente do navio aproximar-se-á cada vez mais do molhe e da praia.
Durante o dia de ontem prosseguiram os trabalhos de tratamento do fuel que se encontra na região do primeiro porão dado que não foi, de modo nenhum, permitida, pelo tempo, a operação de trasfega desse carburante. Até às 14 horas e aproveitando a baixa-mar quatro bombeiros estiveram a bordo orientando a operação de tratamento.
Chegaram, também, a ser tratados com dispersante, três tanques de fuel da ré, tornando-se assim bastante menor o perigo de poluição.
Quanto aos mantimentos que constava existirem a bordo (no frigorífico, sobretudo) nada foi possível recuperar dado o estado de alagamento do navio. A água havia tomado conta de tudo e então era queijo, batatas e hortaliças que boiavam na água salgada.
Quanto à tripulação, ao fim da tarde de ontem partiram para Lisboa, com destino a Atenas, os restantes tripulantes, ficando no Porto apenas o comandante do navio.
Entretanto, estão prestes a seguir para Londres os inspectores da companhia de seguros e do armador com o relatório acerca do sinistro, a fim de ser decidido o destino a dar ao “Amethyst”, já que são inúmeros os sucateiros, não só de Lisboa e do Porto, interessados no que resta do navio.
(Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 7 de Fevereiro de 1974)

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