domingo, 24 de abril de 2011

História trágico-marítima (IX)


O naufrágio do caça-minas “Roberto Ivens”

A exemplo de diversos navios requisitados pela marinha, durante o ano de 1916, alguns navios que foram utilizados para patrulha da costa e rocegagem de minas, eram embarcações de arrasto, identificados à época como vapores de pesca do alto. Um desses navios, o “Roberto Ivens”, pertenceu à praça do Porto, onde esteve matriculado com o nome “Lordello”.

O arrastão “ Lordello “
1914 - 1916
Sociedade de Pescarias a Vapor, Lda., Porto

O caça-minas "Roberto Ivens"
Desenho de Luís Filipe Silva

Nº Oficial: A-176 - Iic.: H.G.W.P. - Porto de registo: Porto
Construtor: Cochrane & Sons, Ltd., Selby, Inglaterra, 10.1906
ex “Lord Nunburnholme”, -?-, Hull, Inglaterra, 1906-1914
Arqueação: Tab 281,49 tons - Tal 107,63 tons
Dimensões: Pp 42,72 mts - Boca 6,80 mts - Pontal 3,63 mts
Propulsão: 1:Te - 520 Bhp - 9,5 m/h
Mestre embarcado: Manuel dos Santos Viegas (1914-1915)
Equipagem: 16 tripulantes

Colocado pela Armada no serviço de patrulhamento da costa durante um ano, acabou for se afundar a 26 de Julho de 1917, em resultado da colisão com uma mina submersa, que obviamente causou danos irreparáveis. Do acto de guerra foi publicada a seguinte nota oficiosa:

O vapor “Roberto Ivens”, em serviço de patrulhas, quando hoje, de tarde, andava no seu serviço, na costa, chocou com uma mina inimiga, um pouco ao norte do Cabo Espichel, que o fez afundar, sendo logo socorrido pelo rebocador “Berrio”, que juntamente andava em serviço idêntico. Os nomes dos sobreviventes, alguns dos quais tem ligeiros ferimentos, são:
Civis ao serviço auxiliar da divisão naval: 2º tenente Francisco da Costa Biaia; 2º fogueiro 248 Abixo Senna; 2º fogueiro 247 Francisco da Cunha; 2º sargento João Viegas Trabuco e o 2º marinheiro Alexandre Fragoso da Silva.
Militares: 1º marinheiro timoneiro-sinaleiro 4123 António de Souza Oliveira; 1º grumete timoneiro-sinaleiro 4761 Tiago Gil.
Mortos – civis ao serviço auxiliar da divisão naval: sargento 242 António Simões; 2º marinheiro 243 Jaime Constantino; 2º marinheiro 249 Domingos Jones Dapão; 2º grumete 398 Joaquim Bento; chegador 400 Américo Fernandes Ribeiro e o 2º marinheiro 241 Gabriel Pereira.
Militares: 1º tenente (comandante) Raul Alexandre Cascais; 1º sargento 442 Narciso Bento António; 1º artilheiro 2864 Júlio Cardoso; 2º marinheiro 4790 Alexandre dos Santos Godinho; 2º artilheiro 4159 José dos Santos; 1º grumete 4310 Francisco de Matos Maleiro; 1º grumete 5314 Anselmo de Carvalho e o 1º marinheiro 3339 António Afonso.

O 1º tenente Cascais, comandante do vapor “Roberto Ivens”, era um oficial muito distinto. Depois da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, comandou um destroyer. Em seguida esteve no serviço de rocegagem na barra de Lisboa e há tempo comandava aquele vapor. Os náufragos recolheram ao Bom Sucesso, indo para o hospital dois deles, um que ficou ligeiramente ferido e outro que, por estar muito tempo na água, teve um princípio de congestão. Há ainda um outro ferido, que depois de pensado, recolheu a casa.
O comandante da Divisão Naval, logo que teve conhecimento do caso, partiu para o local do sinistro, onde procedeu a rigoroso inquérito, que durante a noite entregou ao sr. Ministro da Marinha.
In (Jornal “O Comércio do Porto”, de 27 de Julho de 1917)

O caça-minas “Roberto Ivens”, conforme noticiado naufragou por ter esbarrado com uma mina, que fazia o serviço de rocegagem entre Cascais e o Cabo Espichel, era o vapor de pesca “Lordello”, pertencente à companhia de Pescarias, Lda.
Entre os mortos há ainda a enumerar o 2º marinheiro Domingos José Alves. O comandante 1º tenente Raul Cascais, tinha ido abaixo, à câmara, quando se deu o desastre Não resta dúvida que foi uma mina, por isso que a explosão produziu um fumo intenso e negro, o que é provocado pelas composições químicas que constituem aquele explosivo, tendo ficado a água em torno, numa zona de 100 metros quadrados, muito enegrecida.
O capitão da marinha mercante sr. Biaia ficou ferido na cabeça e contuso nos joelhos pelos estilhaços de vidros. O fogueiro Francisco da Cunha ficou com traumatismo no tórax. Com pequenas escoriações e contusões: 0 1º marinheiro faroleiro-sinaleiro, um 1º grumete, o 2º sargento graduado João Viegas Trabuco e o 2º marinheiro graduado Alexandre Fragoso da Silva.
As autoridades da Marinha têm recebido numerosos telegramas e ofícios de pêsames pela catástrofe sofrida. O general comandante da 1ª divisão militar oficiou ao comando da divisão naval, manifestando-lhe, em seu nome e no das tropas do seu comando, todo o pesar pelo sinistro e da perda de vidas e em especial pela morte do 1º tenente Cascais, que fez parte da coluna de marinha em Angola, sob o seu comando.
Recebeu também telegramas de sentimento de várias agremiações e do adido naval francês. Ainda não apareceu nenhum cadáver.
In (Jornal “O Comércio do Porto”, de 28 de Julho de 1917)

Os diversos adjectivos utilizados, tais como acidente, desastre ou catástrofe, perdem o significado quando a realidade aponta para o que é vulgarmente designado por “acto de guerra”. É verdade que o perigo de rocegar minas com navios de ferro/ aço, sabendo que a barra do porto podia encontrar-se minada e que as minas dispunham dum considerável campo magnético, devia ter sido melhor acautelada, mas eventualmente a falta de meios apropriados, transformaram os arrastões em alvos preferenciais.
País de heróis ou mártires? Ambos certamente, porque imperava a noção de defender o mar que é nosso, levados pela dignidade, orgulho e respeito conquistado pelos nossos antepassados.

2 comentários:

Rui Amaro disse...

Ahoy.
Postagem deslumbrante!
Na net existem vários sites sobre o trawler LORD NUNBURNHOLME, dentre os quais os seguintes: U-BOAT NET, FLOAT-FLEETWOOD ONLINE ARCHIVE OF TRAWLERS, HULL MUSEUM COLLECTION.
Saudações maritimo entusiásticas
Rui Amaro

Unknown disse...

Sr. Reinaldo, se quiser ver as imagens dele em 2008, aqui vai o link das primeiras recolhidas por mim com uma simples máquina fotográfica Sony. Embora tenha outas estas foram as primeiras.

https://www.youtube.com/watch?v=pu2RM3g8qHM

A visibilidade no local é sempre difícil em virtude da localização e da profundidade (35-36m).
Nuno Ribeiro