Os Transportes Marítimos do Estado
Agosto de 1914
Agosto de 1914
Com o início das hostilidades provocadas pela Iª Grande Guerra Mundial, as frotas mercantes dos países envolvidas no conflito viram-se obrigadas a procurar refúgio nos habituais portos de escala, desde que existissem garantias mínimas de segurança. No caso da marinha mercante Alemã, que dispunha de grande quantidade de navios espalhados à volta do mundo, procedeu de imediato à sua parcial imobilização. Em Portugal, por exemplo, encontravam-se 72 navios nos portos do continente, ilhas e colónias, mais 2 navios Austro- Húngaros, sendo que da frota ancorada nesse período, 35 desses navios amarraram em Lisboa. Esperavam através dessa medida escapar às acções da guerra que se avizinhava e que prometia violenta perseguição, movida pelas marinhas dos países aliados. Com os navios parados, foi paralelamente notória a diminuição das frotas de comércio Inglesa, Francesa e Alemã, que viram muitos dos seus navios requisitados pelos respectivos almirantados, colocados a colaborar no esforço de guerra. Essa compreensível decisão serviu em larga escala, uma vez mais, para pôr a descoberto a incapacidade e fragilidade portuguesa para transportar bens essenciais de consumo, tais como carvão, açúcar, trigo, algodão, etc. E, porque à época o país somente dispunha de 33 navios de longo curso a navegar, inadequados ao caudal de mercadorias a transportar, revelaram-se apenas fundamentais pela imperativa necessidade de manter a todo o custo, as ligações marítimas regulares com as ilhas e as colónias.
1915
Inicialmente o governo português propôs-se comprar os navios à Alemanha, tentativa prontamente recusada pelo governo de Berlim. Isto apesar das instruções vindas da Alemanha, que levou à evacuação dos navios e repatriadas parte das respectivas tripulações. Em Dezembro foram estabelecidos contactos com o governo Britânico, que desde cedo revelou enorme interesse na utilização urgente desses mesmos navios. O governo português foi intransigente descartando essa possibilidade. Parece-nos óbvio admitir que o governo teve medo das represálias, que adviriam dum acto deliberadamente provocatório.
17 de Fevereiro de 1916
Chega nova sugestão do governo Inglês, visando a utilização dos navios de forma a suprir as necessidades portuguesas, ficando as rotas a percorrer de comum acordo, conforme discussões a realizar em conjunto pelos governantes de ambos os países. Com o aumento das pressões do governo britânico, o governo Português através da publicação do Decreto Nº 2229, dá-se ao direito de requisitar os 35 navios surtos no porto de Lisboa. No dia seguinte é criada a Comissão Administrativa dos Serviços de Transportes Marítimos, que viria a ficar conhecida como Transportes Marítimos do Estado. A esta rápida mudança de estratégia, segue-se a requisição de todos os navios imobilizados nos portos nacionais. Como seria previsível a Alemanha sentiu-se ultrajada, declarando desde logo guerra a Portugal e exigindo que todos os navios fossem afundados. O governo Português ignora as ameaças. Confirmado o plano de utilização dessa frota, foi arduamente ultrapassada a dificuldade para conseguir tripulações disponíveis para operar todos esses navios.
Por protocolo oficial, a Casa Torlades de Lisboa, actuando como consignatários da companhia Furness, Withy & Co., (regimentada para o efeito pelo governo Inglês), nomeia-os como Agentes com plenos poderes para operar os navios disponíveis, logo que estivessem aptos a navegar ou estivessem reparadas as graves avarias provocadas nos actos de sabotagem, perpetrados pelas tripulações Alemãs desembarcadas. O emprego dos navios era feito através de contratos anuais, viagens singelas ou redondas. Se os navios fizessem escala em portos ingleses, a Furness, Withy & Co. passava a controlar directamente as operações, cabendo-lhes decidir embarcar ou substituir a respectiva equipagem, por tripulações inglesas ou francesas escolhidas pela empresa.
1917 e 1918
Pouco se conhece dos acontecimentos ocorridos durante os anos da guerra, à excepção das lacónicas notícias que apareciam publicadas nos jornais, sob um controle rigoroso da censura, com a informação de que os navios tinham sido inutilizados ou afundados, vitímas de acções de carácter militar.
1919
Aos navios sobreviventes à guerra foram alongados os contratos de fretamento. Já próximo do final do ano começou a devolução dos navios aos Transportes Marítimos do Estado, com excepção daqueles ainda com contractos a decorrer, que permaneceram entre outros tráfegos no transporte de cereais, desde portos no Canadá, para Portugal e outros países europeus.
Aos navios sobreviventes à guerra foram alongados os contratos de fretamento. Já próximo do final do ano começou a devolução dos navios aos Transportes Marítimos do Estado, com excepção daqueles ainda com contractos a decorrer, que permaneceram entre outros tráfegos no transporte de cereais, desde portos no Canadá, para Portugal e outros países europeus.
1921
1925
Com o desaparecimento dos Transportes Marítimos do Estado, é digno de realce a importante contribuição destes navios, merendo as suas tripulações rasgados elogios pelos serviços prestados durante os anos da guerra, tanto no interesse do país, como no apoio prestado à França e principalmente à Inglaterra.
Os navios dos T.M.E.
Contaram-se 39 navios devolvidos à companhia. Nos anos seguintes a gestão danosa da empresa foi aproveitada para dar início e desenvolver as principais companhias portuguesas, casos da Colonial, Nacional, Sociedade Geral e Carregadores Açoreanos. Dos restantes navios aos quais não justificava efectuar reparação adequada, foi facilitada a compra por armadores interessados e os outros vendidos para demolição.
1925
Com o desaparecimento dos Transportes Marítimos do Estado, é digno de realce a importante contribuição destes navios, merendo as suas tripulações rasgados elogios pelos serviços prestados durante os anos da guerra, tanto no interesse do país, como no apoio prestado à França e principalmente à Inglaterra.
Os navios dos T.M.E.
A frota da companhia em regra geral apresentava os cascos pintados de preto, casarios brancos e chaminés pintadas inicialmente de preto (1916/1917) e mais tarde de amarelo (1917/1924). No meio uma faixa branca, com uma ancora azul inclinada a 45 graus, base descaída para a proa dos navios. Nos extremos as iniciais “T” (canto superior esquerdo) e “M” (canto inferior direito). Já na fase final da empresa a letra "M" sobe ao canto superior direito, recebendo por acréscimo a letra "E", no canto inferior direito.
5 comentários:
Caro Reimar
Simplesmente espectacular, a forma como o meu amigo, mais a importante cumplicidade do Sr. Luis Filipe Silva, têm escrito de uma forma brilhante, esta página esquecida para muitos, da nossa marinha mercante. Acredito que este decreto nº 2229 de 17-2-16, que permitiu requisitar cerca de 74 navios mercantes alemães e austríacos, surtos em todos os portos do império português, foi talvez, tão ou mais importante para o país, que o famoso despacho 100 de 1945. Quero realçar, além do grande número de navios capturados, a sua grande qualidade, e o ano de construção da maioria ser recente (não nos podemos esquecer que a Alemanha na época, era possuidora da segunda melhor e maior marinha mercante do mundo) bem como, a grande diversidade de características desses navios, ser simplesmente fabulosa, pois podemos encontrar desde os bons salvadegos, passando por óptimos cargueiros e paquetes, e acabando com belíssimos veleiros.
A importância deste decreto, torna-se ainda mais importante, quando olhamos para um país que naquela altura, com um império colonial vastíssimo para abastecer, além das suas ilhas atlânticas, estava à beira do zero marítimo, (Luis Miguel Correia, no seu famoso livro “Paquetes Portugueses” relata que a Marinha Mercante Portuguesa em 1914, quando do início do Primeira Guerra Mundial, dispunha de uma ridícula frota de vapores, composta por 14 paquetes e 3 cargueiros).
Perante este panorama, embora sabendo que os TME foram constituídos pela pressão feita pelo governo Inglês da altura, e que a sua futura gestão não fez escola, não concordo quando lhe atribuem o adjectivo de “FAMIGERADOS”. Em primeiro lugar, por ter conseguido em tempo útil, recuperado os cerca de 74 navios espalhados por todo o império, sabendo que a grande maioria tinha sofrido sabotagens graves, a todos os níveis, feitas pelas próprias tripulações alemães. Além do enorme esforço que teve que ser desenvolvido, para formar e equipar todos aqueles navios, em tempo recorde, com tripulações portuguesas, minimamente profissionais.
Saudações marinheiras
Luis Filipe Morazzo
Famigerado é um adjectivo curto para classificar os TME.Foi um verdadeiro escândalo o que se passou e os prejuizos que acarretaram para o Estado Português.Talvez com um pouco mais de tempo possa descrever-lhe o que realmente aconteceu com aquela companhia e que caiu no esquecimento dos portugueses.Saudações naútricas.KIM
Desculpe:vi o sitio eestou interessado em saber alguma coisa de um navio que deve ter saído do Brasil (Rio de Janeiro?) por volta do dia 22/7/1914. O nome referido é Turbonty. Será ?- Onde posso encontrar referências deste navio? grato pela resposta
José ribeiro
Parabéns pelo seu trabalho.
Tem, por acaso, alguma informação sobre um dos navios apresados, o «Prinz Henrick», renomeado «Porto». Procuro informação nomeadamente sobre o destino que teve (eventualmente para o Brasil) entre 1916 e 1922. Muito obrigada.
Parabéns por este trabalho. O meu avô paterno foi oficial de marinha e tripulante de um destes navios dos Transportes Marítimos do Estado. Tenho uma foto do mesmo a entrar no Porto de Cardiff, sob o nome São Tiago. Acho que não é possível anexar aqui a foto. No entanto gostaria de saber se há mais informações sobre este navio. Disponível para enviar a foto pela via possível.
Melhores cumprimentos
Enviar um comentário