domingo, 14 de maio de 2023
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
terça-feira, 14 de junho de 2022
Cultura e arte! (2)
A navegação espantosa de Diogo Botelho
O pequenino barco atravessou o Oceano Índico. Em Melinde, onde ninguém ficou, tomaram mais água e mantimentos, antes de se isolarem nos imensos mares do Sul. As tempestades foram tremandas. Ondas alterosas varavam a fusta de proa à popa. Escacearam a água e as provisões. Um português morreu e outros caíram doentes. Os escravos, mal humorados, resmungavam. Diogo Botelho, de espada cingida, conservava-se dia e noite no chapitéu, e dormia numa cadeira. Sabia que os «negros» aguardavam pela melhor oportunidade.
Esta chegou certo dia de tormenta, em que o vento arrastou as velas para o mar. Os portugueses precipitaram-se para reavê-las, e então estalou a revolta. A bordo da casca de noz, balançando-se nas ondas, travaram uma luta espantosa. Com machados, chuços e uma espada roubada, os escravos assaltaram os brancos, que se defendiam como leões. Diogo Botelho recebeu uma pancada na cabeça, que lhe tirou a fala, e outros ficaram gravemente feridos. Apesar de tudo, conseguiram lançar os atacantes ao mar. Uns pereceram afogados, outros pediram perdão a fim de poderem regressar a bordo.
Seguiu esta viagem de pesadelo. Dois dos feridos morreram à míngua de cuidados. Diogo Botelho manteve-se dias a fio sem recuperar a fala. Ainda assim conseguiu, por acenos, dirigir a navegação. Contavam poder reabastecer-se na Ilha de Santa Helena, porém, um espesso nevoeiro não o permitiu. Sequiosos, e definhados pela fome, chegaram por altura dos Açores; mas Diogo Botelho não ousou tocar na Terceira, com receio de ali o prenderem. Resolveu arriscar-se antes no Faial. Não podia adivinhar que justamente aí se encontrava o Corregedor das ilhas. E este, com todos os habitantes, esperava na praia, no pasmo de ver barco tão pequeno, vindo de tão longe.
Diogo Botelho refletiu, ajuntando um feixe de papeis. Desembarcou, agarrado ao volume, como se fosse um tesouro. Trazia cartas urgentíssimas para o rei, explicou. Por isso o mandara o Governador.
O Corregedor não despregava os olhos dele. Aquela cara era-lhe conhecida. A propósito, perguntou-lhe se não seria parente dum Diogo Botelho, degredado na Índia?
Diogo Botelho não pestanejou. Era ele mesmo!, respondeu. Nuno da Cunha não achara outro, que se atrevesse a levar de tal maneira, as importantíssimas cartas ao rei. E indicou o feixe que trazia. O Corregedor ficou na dúvida. Deixou, porém, a fusta reabastecer-se e partir. Ao mesmo tempo preparou uma caravela para seguir-lhe ao alcance. Quem sabia se o homem não iria para a França?
Diogo Botelho viu a caravela e largou com três horas de antecedência. Desviou a rota por dois rumos da agulha e, assim, não foi visto daquela, a qual aportando a Lisboa e não vendo aí a fusta, saíu de novo à sua procura. Na tarde desse mesmo dia, Diogo Botelho entrava a barra do porto da capital e surgiu em frente do Paço da Ribeira. O rei, disseram-lhe, estava em Évora. Então Diogo Botelho comprou um cavalo e à noite galopou para o Alentejo.
O rei e a rainha, já deitados, foram despertados por uma forte pancada na porta do quarto. Novas da Índia!, gritou-lhes o guarda-mór. O mensageiro chegara nesse instante! À luz das tochas, minutos depois e na antecâmera, o casal real espantou-se ao ver magro e macilento, mas como sempre confiado, o degredado Diogo Botelho.
Ajoelhou: A boa nova que trazia, disse, era tal, que lhe dera ousadia para o seu passo inauturizado. O rei houvera-o por traidor. Assim, «porque Vossa Alteza fique fora desta dúvida, arrisquei a vida numa fusta, em que parti da Índia, e naveguei em minha liberdade para mostrar que venho de geração para antes padecer morte que errar um só ponto com seu real serviço». Então falou da fortaleza de Diu: «ela é feita e acabada na altura das ameias... Para este caminho não pedi licença ao Governador, porque ma não havia de dar!... E esta é a mostra da fortaleza», acrescentou, apresentando o seu desenho.
O rei ficou jubiloso com a nova, e louvou a façanha, muito embora não ficasse talvez de todo fora das suspeitas que de si tinha. «João de Barros diz que este não teve a satisfação que tamanha façanha merecia». Mas sempre lhe foi perdoado o degredo, e como homem livre tornou a servir na Índia. (1)
O pequeno barco, a fusta que trouxera de tão longe, ficou em Salvaterra, enchendo de pasmo os numerosos visitantes, naturais e estrangeiros. Depois, o rei mandou levá-la a Sacavem, onde foi queimada. Não que D. João III não quisesse que fosse sabido no mundo poder fazer-se a viagem desde a Índia em navio tão pequenino!
(1) Diogo do Couto diz que el-rei, decorridos alguns anos, lhe deu a capitania de S. Tomé. De Gaspar Correa, consta, porém, que no tempo do vice-rei D. Garcia de Noronha, Diogo Botelho estava na Índia. Sanceau, Elaine, A navegação espantosa de Diogo Botelho
Esta chegou certo dia de tormenta, em que o vento arrastou as velas para o mar. Os portugueses precipitaram-se para reavê-las, e então estalou a revolta. A bordo da casca de noz, balançando-se nas ondas, travaram uma luta espantosa. Com machados, chuços e uma espada roubada, os escravos assaltaram os brancos, que se defendiam como leões. Diogo Botelho recebeu uma pancada na cabeça, que lhe tirou a fala, e outros ficaram gravemente feridos. Apesar de tudo, conseguiram lançar os atacantes ao mar. Uns pereceram afogados, outros pediram perdão a fim de poderem regressar a bordo.
Seguiu esta viagem de pesadelo. Dois dos feridos morreram à míngua de cuidados. Diogo Botelho manteve-se dias a fio sem recuperar a fala. Ainda assim conseguiu, por acenos, dirigir a navegação. Contavam poder reabastecer-se na Ilha de Santa Helena, porém, um espesso nevoeiro não o permitiu. Sequiosos, e definhados pela fome, chegaram por altura dos Açores; mas Diogo Botelho não ousou tocar na Terceira, com receio de ali o prenderem. Resolveu arriscar-se antes no Faial. Não podia adivinhar que justamente aí se encontrava o Corregedor das ilhas. E este, com todos os habitantes, esperava na praia, no pasmo de ver barco tão pequeno, vindo de tão longe.
Diogo Botelho refletiu, ajuntando um feixe de papeis. Desembarcou, agarrado ao volume, como se fosse um tesouro. Trazia cartas urgentíssimas para o rei, explicou. Por isso o mandara o Governador.
O Corregedor não despregava os olhos dele. Aquela cara era-lhe conhecida. A propósito, perguntou-lhe se não seria parente dum Diogo Botelho, degredado na Índia?
Diogo Botelho não pestanejou. Era ele mesmo!, respondeu. Nuno da Cunha não achara outro, que se atrevesse a levar de tal maneira, as importantíssimas cartas ao rei. E indicou o feixe que trazia. O Corregedor ficou na dúvida. Deixou, porém, a fusta reabastecer-se e partir. Ao mesmo tempo preparou uma caravela para seguir-lhe ao alcance. Quem sabia se o homem não iria para a França?
Diogo Botelho viu a caravela e largou com três horas de antecedência. Desviou a rota por dois rumos da agulha e, assim, não foi visto daquela, a qual aportando a Lisboa e não vendo aí a fusta, saíu de novo à sua procura. Na tarde desse mesmo dia, Diogo Botelho entrava a barra do porto da capital e surgiu em frente do Paço da Ribeira. O rei, disseram-lhe, estava em Évora. Então Diogo Botelho comprou um cavalo e à noite galopou para o Alentejo.
O rei e a rainha, já deitados, foram despertados por uma forte pancada na porta do quarto. Novas da Índia!, gritou-lhes o guarda-mór. O mensageiro chegara nesse instante! À luz das tochas, minutos depois e na antecâmera, o casal real espantou-se ao ver magro e macilento, mas como sempre confiado, o degredado Diogo Botelho.
Ajoelhou: A boa nova que trazia, disse, era tal, que lhe dera ousadia para o seu passo inauturizado. O rei houvera-o por traidor. Assim, «porque Vossa Alteza fique fora desta dúvida, arrisquei a vida numa fusta, em que parti da Índia, e naveguei em minha liberdade para mostrar que venho de geração para antes padecer morte que errar um só ponto com seu real serviço». Então falou da fortaleza de Diu: «ela é feita e acabada na altura das ameias... Para este caminho não pedi licença ao Governador, porque ma não havia de dar!... E esta é a mostra da fortaleza», acrescentou, apresentando o seu desenho.
O rei ficou jubiloso com a nova, e louvou a façanha, muito embora não ficasse talvez de todo fora das suspeitas que de si tinha. «João de Barros diz que este não teve a satisfação que tamanha façanha merecia». Mas sempre lhe foi perdoado o degredo, e como homem livre tornou a servir na Índia. (1)
O pequeno barco, a fusta que trouxera de tão longe, ficou em Salvaterra, enchendo de pasmo os numerosos visitantes, naturais e estrangeiros. Depois, o rei mandou levá-la a Sacavem, onde foi queimada. Não que D. João III não quisesse que fosse sabido no mundo poder fazer-se a viagem desde a Índia em navio tão pequenino!
(1) Diogo do Couto diz que el-rei, decorridos alguns anos, lhe deu a capitania de S. Tomé. De Gaspar Correa, consta, porém, que no tempo do vice-rei D. Garcia de Noronha, Diogo Botelho estava na Índia. Sanceau, Elaine, A navegação espantosa de Diogo Botelho
domingo, 12 de junho de 2022
Cultura e arte! (1)
A navegação espantosa de Diogo Botelho
«Os pilotos não podem ser capitães de fortalezas!» Isto foi dito a sorrir, mas o mancebo ficou magoado. Porque não havia ele de ser capitão de Chául, como, em tempos passados, o fora Cochim de seu pai! Com o ressentimento a ferver-lhe no peito, Diogo Botelho atravessou a ante-câmara. «Então teve bom despacho do rei?» inquiriu o Escrivão da Puridade, entre o irónico e solicito. «Senhor,» - retorquiu o rapaz furiosamente – «bom despacho eu o buscarei por mim!».
Os ouvintes entreolharam-se. Que queria isso dizer? Não faltou quem se lembrasse de um tal Fernão de Magalhães, que, saíndo indignado da presença do falecido rei D. Manuel, levara depois o estandarte de Castela pela redondeza da Terra até às Molucas. Um piloto ofendido era um homem perigoso. O rei foi devidamente prevenido e Diogo Botelho foi encarcerado no castelo de Lisboa.
Este jovem seria talvez o primeiro europeu de pai e mãe, que nascera na Índia. Era filho de António Real, capitão de Cochim, principalmente conhecido por ter sido caluniador de Afonso de Albuquerque. A mãe foi uma certa Iria Pereira, trazida por António Real à Índia em 1505. Lá, Iria enriquecera-se à custa de António Real ou de outros protectores ignorados – e criara o filho «com muita vaidade»
O rapaz era esperto. Tinha paixão pelas coisas do mar e pela ciência náutica. Para isto Cochim não era má escola. Podia conviver com os melhores pilotos, que se empregavam na carreira da Índia. Consta também que aprender com um frade dominicano, que «lia e ensinava o tratado da esfera», e mercê do qual «se fez mestre esférico». Tanto que desenhou um grande mapa-mundi, que trouxe para Portugal a fim de oferecê-lo ao jovem rei D. João III.
Todo o piloto e cartógrafro era bem recebido na corte portuguesa. Diogo Botelho teve muitas conversas com o soberano, que o tratou com assinalado favor, o que lhe subiu um pouco à cabeça. Esquecido da obscura origem, atrevera-se a pedir a capitania de Chául, com o resultado que já se viu.
Tinha amigos, que conseguiram a sua liberdade e levasse o vice-rei D. Vasco da Gama, consigo, à Índia, em 1524. D. Vasco apreciava a sua qualidade de piloto, mas tinha cuidado de abater-lhe a presunção: «Todos os homens que são muito pilotos tem fantasias de doudos», disse, e «vós, Diogo Botelho, por isto perdestes». Que tomasse juízo e se emendasse, porque «El Rey vos fará mercê e eu vo-la farei».
Curtindo as dores do orgulho lacerado, Diogo Botelho desembarcou na terra natalícia. Voltava como degredado banido do reino, e o que mais o humilhava era a desonra de ser tratado como suspeito de traição.
Diogo Botelho, altivo e destemido, jurou cometer algum feito espectaculoso – inaudito, que, demonstrando simultâneamente a sua perícia de piloto, convencesse da sua fidelidade inconcussa.
Proibiram-lhe que voltasse a Portugal, mas voltaria! Voltaria numa embarcação tão pequenina, que a todos havia de parecer impossível atravessar nela o oceano. Ver-se-ia assim como ele podia, se quisesse, navegar para França, Castela ou algures, e como de livre vontade se mantivera fiel a Portugal.
Qual o pretexto para tal acto de desobediência? Iria como portador de boas novas. Quem traz notícias agradéveis não é castigado. Diogo Botelho aguardou oportunidade até 1535, quando o governador Nuno da Cunha obteve enfim do rei de Cambaia a desejada licença para levantar uma fortaleza em Diu. Eis uma nova que Diogo Botelho podia transmitir antes de mais ninguém, se fugisse da Índia numa fusta!
Num esteiro escuso de Cochim, defendido dos olhares curiosos por cerca fechada, Diogo Botelho construiu a fusta – pequena embarcação chata de remo e vela. Deu-lhe 22 palmos de comprido por 12 de largo, fez-lhe uma coberta de popa à proa e «quatro fermosos tanques para água». Acabada a fusta, levou-a de Cochim para Baçaím, e lá recrutou tripulação: uns cinco – outros dizem oito – portugueses, além dos escravos para remar. A ninguém revelou o fim em vista. Iam juntar-se à armada do Governador, em Diu, foi o que propalou.
Deixando a fusta em Baçaím, Diogo Botelho deu uma saltada a Diu, para ver bem a fortaleza em construção. Observou, apontou, tirou medidas sem chamar a atenção, e finalmente, em segredo, desenhou a planta da obra.
O tempo apertava. Em Diu o Governador equipava uma caravela, para levar a boa nova ao rei. Diogo Botelho chegou apressado a Baçaím. Tinha de partir já para Chául, anunciou. Levava um recado urgentíssimo do Governador!
A fusta largou em Novembro de 1535. Chául fica perto de Baçaím. Porque então, perguntou o comitre, haviam de afastar-se tão longe da costa? Chegara o momento de desvendar o mistério. Rebelar-se-iam os homens? Com a espada na mão, Botelho revelou o seu intento. Iam ao reino com uma mensagem de grande alegria para o rei, que havia de fazê-los a todos muito ricos. Entretanto, Botelho pagou cem pardaus de ouro a cada um, prometendo que quem quisesse podia ficar em Melinde. Eram todos aventureiros pobres, não tendo senão as vidas para perder, que pouco estimavam. Vamos então para o reino!, concordaram.
Os ouvintes entreolharam-se. Que queria isso dizer? Não faltou quem se lembrasse de um tal Fernão de Magalhães, que, saíndo indignado da presença do falecido rei D. Manuel, levara depois o estandarte de Castela pela redondeza da Terra até às Molucas. Um piloto ofendido era um homem perigoso. O rei foi devidamente prevenido e Diogo Botelho foi encarcerado no castelo de Lisboa.
Este jovem seria talvez o primeiro europeu de pai e mãe, que nascera na Índia. Era filho de António Real, capitão de Cochim, principalmente conhecido por ter sido caluniador de Afonso de Albuquerque. A mãe foi uma certa Iria Pereira, trazida por António Real à Índia em 1505. Lá, Iria enriquecera-se à custa de António Real ou de outros protectores ignorados – e criara o filho «com muita vaidade»
O rapaz era esperto. Tinha paixão pelas coisas do mar e pela ciência náutica. Para isto Cochim não era má escola. Podia conviver com os melhores pilotos, que se empregavam na carreira da Índia. Consta também que aprender com um frade dominicano, que «lia e ensinava o tratado da esfera», e mercê do qual «se fez mestre esférico». Tanto que desenhou um grande mapa-mundi, que trouxe para Portugal a fim de oferecê-lo ao jovem rei D. João III.
Todo o piloto e cartógrafro era bem recebido na corte portuguesa. Diogo Botelho teve muitas conversas com o soberano, que o tratou com assinalado favor, o que lhe subiu um pouco à cabeça. Esquecido da obscura origem, atrevera-se a pedir a capitania de Chául, com o resultado que já se viu.
Tinha amigos, que conseguiram a sua liberdade e levasse o vice-rei D. Vasco da Gama, consigo, à Índia, em 1524. D. Vasco apreciava a sua qualidade de piloto, mas tinha cuidado de abater-lhe a presunção: «Todos os homens que são muito pilotos tem fantasias de doudos», disse, e «vós, Diogo Botelho, por isto perdestes». Que tomasse juízo e se emendasse, porque «El Rey vos fará mercê e eu vo-la farei».
Curtindo as dores do orgulho lacerado, Diogo Botelho desembarcou na terra natalícia. Voltava como degredado banido do reino, e o que mais o humilhava era a desonra de ser tratado como suspeito de traição.
Diogo Botelho, altivo e destemido, jurou cometer algum feito espectaculoso – inaudito, que, demonstrando simultâneamente a sua perícia de piloto, convencesse da sua fidelidade inconcussa.
Proibiram-lhe que voltasse a Portugal, mas voltaria! Voltaria numa embarcação tão pequenina, que a todos havia de parecer impossível atravessar nela o oceano. Ver-se-ia assim como ele podia, se quisesse, navegar para França, Castela ou algures, e como de livre vontade se mantivera fiel a Portugal.
Qual o pretexto para tal acto de desobediência? Iria como portador de boas novas. Quem traz notícias agradéveis não é castigado. Diogo Botelho aguardou oportunidade até 1535, quando o governador Nuno da Cunha obteve enfim do rei de Cambaia a desejada licença para levantar uma fortaleza em Diu. Eis uma nova que Diogo Botelho podia transmitir antes de mais ninguém, se fugisse da Índia numa fusta!
Num esteiro escuso de Cochim, defendido dos olhares curiosos por cerca fechada, Diogo Botelho construiu a fusta – pequena embarcação chata de remo e vela. Deu-lhe 22 palmos de comprido por 12 de largo, fez-lhe uma coberta de popa à proa e «quatro fermosos tanques para água». Acabada a fusta, levou-a de Cochim para Baçaím, e lá recrutou tripulação: uns cinco – outros dizem oito – portugueses, além dos escravos para remar. A ninguém revelou o fim em vista. Iam juntar-se à armada do Governador, em Diu, foi o que propalou.
Deixando a fusta em Baçaím, Diogo Botelho deu uma saltada a Diu, para ver bem a fortaleza em construção. Observou, apontou, tirou medidas sem chamar a atenção, e finalmente, em segredo, desenhou a planta da obra.
O tempo apertava. Em Diu o Governador equipava uma caravela, para levar a boa nova ao rei. Diogo Botelho chegou apressado a Baçaím. Tinha de partir já para Chául, anunciou. Levava um recado urgentíssimo do Governador!
A fusta largou em Novembro de 1535. Chául fica perto de Baçaím. Porque então, perguntou o comitre, haviam de afastar-se tão longe da costa? Chegara o momento de desvendar o mistério. Rebelar-se-iam os homens? Com a espada na mão, Botelho revelou o seu intento. Iam ao reino com uma mensagem de grande alegria para o rei, que havia de fazê-los a todos muito ricos. Entretanto, Botelho pagou cem pardaus de ouro a cada um, prometendo que quem quisesse podia ficar em Melinde. Eram todos aventureiros pobres, não tendo senão as vidas para perder, que pouco estimavam. Vamos então para o reino!, concordaram.
............................................
Fusta
Fusta
Embarcação estreita de remos e vela, do género da galé, mas mais pequeno, muito usado no tempo das Descobertas. Tinha borda direita e proa de beque longo, armado de esporão. Pelas suas dimensões reduzidas e pequeno calado, podia navegar em águas pouco profundas e muito junto à costa. Tal como as galés, tinha uma capacidade de manobra bastante boa, pois não estava dependente apenas do vento. Possuía um a três mastros; o traquete com vela redonda, e o grande e a mezena ou artimão com velas bastardas triangulares. Armava com 3 a 5 remos por bancada, com 15 a 30 bancos de remadores. Tinham tendal à popa, sobre o qual se montava toldo, e alguns paveses pela borda. Possuía um ou dois pequenos canhões na proa. Sendo de comprimento relativamente longo, até uns 25 m, e de insignificante pontal, não podiam ter coberta, arrumando-se a aguada debaixo da xareta, e os mantimentos em paióis volantes à amurada. A ré e avante tinham chapitéu e castelo parecido com o das fragatas da navegação fluvial.
A fusta foi muito utilizada no Mediterrâneo pelos corsários do Norte de África e em Portugal já no reinado de D. Afonso Henriques, para o comércio e para a guerra. Os árabes chamavam-lhe falucho. No Oriente as fustas eram construídas no arsenal de Goa e noutras praças, sendo muito usadas pelos portugueses.
A fusta foi muito utilizada no Mediterrâneo pelos corsários do Norte de África e em Portugal já no reinado de D. Afonso Henriques, para o comércio e para a guerra. Os árabes chamavam-lhe falucho. No Oriente as fustas eram construídas no arsenal de Goa e noutras praças, sendo muito usadas pelos portugueses.
Continua...
sexta-feira, 27 de maio de 2022
domingo, 15 de maio de 2022
sexta-feira, 29 de abril de 2022
Marinha do Brasil
O navio-escola "Almirante Saldanha"
O navio numa das visitas a Lisboa
Foto de autor desconhecido
Foto de autor desconhecido
Navio construído pelos estaleiros Vickers Armstrong, em Barrow in Furness, Inglaterra, cuja quilha foi batida em 11 de junho de 1933, sendo lançado ao mar em 19 de dezembro de 1933. Foi entregue ao Governo brasileiro em 11 de junho de 1934 e teve como madrinha a Sra. Darcy S. Vargas, representada pela embaixatriz Régis de Oliveira.
Recebeu o distintivo visual NE1, posteriormente alterado para H10. Primeiro navio com o nome de “Almirante Saldanha” homenageia o Contra-Almirante Luiz Philippe Saldanha da Gama, nascido em Campos de Goitacazes (RJ) e morto a 24 de junho de 1895, em Campo Osório, no Rio Grande do Sul.
Recebeu o distintivo visual NE1, posteriormente alterado para H10. Primeiro navio com o nome de “Almirante Saldanha” homenageia o Contra-Almirante Luiz Philippe Saldanha da Gama, nascido em Campos de Goitacazes (RJ) e morto a 24 de junho de 1895, em Campo Osório, no Rio Grande do Sul.
Destacou-se na Guerra do Paraguai e no comando de vários navios.
O Contra-Almirante Arnaldo Siqueira Pinto da Luz, quando Ministro da Marinha conseguiu do Congresso Nacional brasileiro os créditos necessários à construção de um navio-escola, mas em consequência da Revolução de 1930, não conseguiu a realização do projeto durante sua gestão. O presidente Getúlio Vargas no dia 7 de setembro de 1931 a bordo do couraçado “São Paulo” assinou o decreto autorizando a aquisição de um “navio-escola, de conformidade com as especificações, planos e mais estudos previamente organizados.
Assim, o contrato para a construção do navio foi assinado no dia 7 de janeiro de 1933, a bordo do navio auxiliar “Vital de Oliveira”, sendo na mesma ocasião escolhido o nome de “Almirante Saldanha”, destinado a viagens de instrução. No projecto, o navio teria propulsão à vela e seria provido de um motor diesel auxiliar, devendo ser construído de acordo com as necessidades e exigências dos serviços da Marinha brasileira, como consta das especificações, planos e arranjos gerais.
As suas características principais eram 80 metros de comprimento entre perpendiculares; 90 metros de comprimento total (excluído o gurupés); 13 metros de boca; 8,63 metros de pontal (tomado à meia, do comprimento, da parte interna da barra da quilha à parte superior do vão da tolda na borda); 6,71 metros de calado médio em plena carga; 3.800 toneladas de deslocamento; 11 milhas de velocidade com o motor; 300 toneladas de capacidade total de óleo; raio de ação com o motor de 15.000 milhas e superfície vélica de 2.600 m2.
O armamento do navio constava de quatro canhões de tiro rápido Armstrong de 4 polegadas, montados em reparos duplos, quatro canhões de 47 mm para salvas, uma metralhadora antiaérea de 0,5 polegada, um canhão antiaéreo de três polegadas; um tubo torpédico de 21 polegadas Weymouth, um canhão de 75 mm para desembarque e uma metralhadora Hotchklss de 7 mm.
O navio foi construído em aço, sistema transversal com proa lançada e popa elíptica e mastreação de escuna de quatro mastros, envergando pano redondo no mastro do traquete, velas latinas quadrangulares, velas de proa, gaff-tops e velas de estai dentre mastros. A máquina propulsora, a meio navio, constava de um motor diesel, dois tempos, 1.000 Hp de potência com todas as auxiliares necessárias.
Para produção de água doce e serviços auxiliares, o navio era equipado com uma caldeira cilíndrica de 200 cv com capacidade para suprir vapor a uma bomba de serviço geral, aos destiladores, etc. O navio possuía castelo e tijupá com agulha-padrão, diretoscópio, aparelhamento de direção de tiro, passadiço com holofotes nas extremidades, casa de governo com camarim de navegação e estação de rádio, suportes das embarcações, tombadilho e tolda.
Existiam no navio acomodações para o comandante e os oficiais, secretarias dos diversos departamentos e estação transmissora de radiotelegrafia, superestrutura com a secretaria do pessoal, pequenos paióis, cozinhas, lavanderia e padaria.
Por baixo do convés do castelo ficavam as acomodações para os suboficiais, arranjos sanitários para os mesmos e guarnição, açougue, etc. Na primeira coberta ficava as acomodações para os oficiais, praça d'armas, banheiros e aparelhos sanitários, refeitório dos guardas-marinha, alojamentos para os mesmos, sala de leitura, banheiros, enfermaria e profilaxia dos mesmos. Na primeira coberta tinha ainda a sala de operações, farmácia, secretaria do serviço de saúde, sala de curativos, gabinete dentário, coberta da guarnição e sala de leitura, alojamento para suboficiais, refeitório e copa.
A segunda coberta compreendia paióis, rouparia dos guardas-marinha, câmara e paiol da frigorífica para carne, legumes, peixe, frutas e laticínios, paiol de torpedos, de mantimentos, coberta de sacos da equipagem, baterias de acumuladores, barbearia e alfaiataria, coberta da guarnição e paiol do mestre. Os espaços dos porões compreendiam tanques de aguada, de combustível, sobressalentes, munição, compartimentos de colisão, tanques de equilíbrio, etc.
O Contra-Almirante Arnaldo Siqueira Pinto da Luz, quando Ministro da Marinha conseguiu do Congresso Nacional brasileiro os créditos necessários à construção de um navio-escola, mas em consequência da Revolução de 1930, não conseguiu a realização do projeto durante sua gestão. O presidente Getúlio Vargas no dia 7 de setembro de 1931 a bordo do couraçado “São Paulo” assinou o decreto autorizando a aquisição de um “navio-escola, de conformidade com as especificações, planos e mais estudos previamente organizados.
Assim, o contrato para a construção do navio foi assinado no dia 7 de janeiro de 1933, a bordo do navio auxiliar “Vital de Oliveira”, sendo na mesma ocasião escolhido o nome de “Almirante Saldanha”, destinado a viagens de instrução. No projecto, o navio teria propulsão à vela e seria provido de um motor diesel auxiliar, devendo ser construído de acordo com as necessidades e exigências dos serviços da Marinha brasileira, como consta das especificações, planos e arranjos gerais.
As suas características principais eram 80 metros de comprimento entre perpendiculares; 90 metros de comprimento total (excluído o gurupés); 13 metros de boca; 8,63 metros de pontal (tomado à meia, do comprimento, da parte interna da barra da quilha à parte superior do vão da tolda na borda); 6,71 metros de calado médio em plena carga; 3.800 toneladas de deslocamento; 11 milhas de velocidade com o motor; 300 toneladas de capacidade total de óleo; raio de ação com o motor de 15.000 milhas e superfície vélica de 2.600 m2.
O armamento do navio constava de quatro canhões de tiro rápido Armstrong de 4 polegadas, montados em reparos duplos, quatro canhões de 47 mm para salvas, uma metralhadora antiaérea de 0,5 polegada, um canhão antiaéreo de três polegadas; um tubo torpédico de 21 polegadas Weymouth, um canhão de 75 mm para desembarque e uma metralhadora Hotchklss de 7 mm.
O navio foi construído em aço, sistema transversal com proa lançada e popa elíptica e mastreação de escuna de quatro mastros, envergando pano redondo no mastro do traquete, velas latinas quadrangulares, velas de proa, gaff-tops e velas de estai dentre mastros. A máquina propulsora, a meio navio, constava de um motor diesel, dois tempos, 1.000 Hp de potência com todas as auxiliares necessárias.
Para produção de água doce e serviços auxiliares, o navio era equipado com uma caldeira cilíndrica de 200 cv com capacidade para suprir vapor a uma bomba de serviço geral, aos destiladores, etc. O navio possuía castelo e tijupá com agulha-padrão, diretoscópio, aparelhamento de direção de tiro, passadiço com holofotes nas extremidades, casa de governo com camarim de navegação e estação de rádio, suportes das embarcações, tombadilho e tolda.
Existiam no navio acomodações para o comandante e os oficiais, secretarias dos diversos departamentos e estação transmissora de radiotelegrafia, superestrutura com a secretaria do pessoal, pequenos paióis, cozinhas, lavanderia e padaria.
Por baixo do convés do castelo ficavam as acomodações para os suboficiais, arranjos sanitários para os mesmos e guarnição, açougue, etc. Na primeira coberta ficava as acomodações para os oficiais, praça d'armas, banheiros e aparelhos sanitários, refeitório dos guardas-marinha, alojamentos para os mesmos, sala de leitura, banheiros, enfermaria e profilaxia dos mesmos. Na primeira coberta tinha ainda a sala de operações, farmácia, secretaria do serviço de saúde, sala de curativos, gabinete dentário, coberta da guarnição e sala de leitura, alojamento para suboficiais, refeitório e copa.
A segunda coberta compreendia paióis, rouparia dos guardas-marinha, câmara e paiol da frigorífica para carne, legumes, peixe, frutas e laticínios, paiol de torpedos, de mantimentos, coberta de sacos da equipagem, baterias de acumuladores, barbearia e alfaiataria, coberta da guarnição e paiol do mestre. Os espaços dos porões compreendiam tanques de aguada, de combustível, sobressalentes, munição, compartimentos de colisão, tanques de equilíbrio, etc.
Seu primeiro comandante foi o Capitão de Fragata Sílvio de Noronha, nomeado a 30 de novembro de 1933, que fiscalizou o final das obras. O seu custo foi de 314.000 libras.
No dia 30 de maio de 1934, embarcaram no Rio de Janeiro para a Inglaterra a tripulação do navio e os guardas-marinha, que deviam fazer a primeira viagem de instrução. Eram em número de 40 e compunham a guarnição de 1933. A bordo foram ainda embarcados 16 segundos-tenentes e quatro académicos civis, dois de direito e dois de medicina. Zarpou de Barrow in Furness, Inglaterra para a primeira viagem de instrução no dia 7 de julho de 1934, chegando em Portsmouth, Inglaterra no dia 9.
Seguiu para Cherbourg na França e partiu para o Havre, também naquele país. Aportou em Lisboa, Barcelona, La Spezia e Las Palmas. Depois do percurso pelos portos europeus, chegou ao Brasil passando por Fernando de Noronha, Salvador e Vitória, fundeando no Rio de Janeiro no dia 24 de outubro de 1934, depois de ter navegado 8.800 milhas, das quais 1.720 à vela. Ao chegar, foi franqueado ao público. Pelo Aviso no 3.194, de 1o de novembro de 1934, ficou subordinado à Directoria do Ensino Naval.
No dia 30 de maio de 1934, embarcaram no Rio de Janeiro para a Inglaterra a tripulação do navio e os guardas-marinha, que deviam fazer a primeira viagem de instrução. Eram em número de 40 e compunham a guarnição de 1933. A bordo foram ainda embarcados 16 segundos-tenentes e quatro académicos civis, dois de direito e dois de medicina. Zarpou de Barrow in Furness, Inglaterra para a primeira viagem de instrução no dia 7 de julho de 1934, chegando em Portsmouth, Inglaterra no dia 9.
Seguiu para Cherbourg na França e partiu para o Havre, também naquele país. Aportou em Lisboa, Barcelona, La Spezia e Las Palmas. Depois do percurso pelos portos europeus, chegou ao Brasil passando por Fernando de Noronha, Salvador e Vitória, fundeando no Rio de Janeiro no dia 24 de outubro de 1934, depois de ter navegado 8.800 milhas, das quais 1.720 à vela. Ao chegar, foi franqueado ao público. Pelo Aviso no 3.194, de 1o de novembro de 1934, ficou subordinado à Directoria do Ensino Naval.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Traduzir esta página
Arquivo do blogue
Navegantes
PORTOS SEGUROS
- > NÓS E O MAR <
- APORVELA
- BARCO À VISTA
- BLOGUE DOS NAVIOS E DO MAR
- CAXINAS... A FREGUESIA
- MAR DE VIANA
- MARINTIMIDADES
- MILHAS NÁUTICAS
- NAVIOS À VISTA
- O ESTRINQUEIRO
- PELOS CONFINS DO MUNDO
- PORTO DA MADALENA
- PTLIS
- RESTOS DE COLECÇÃO
- RODA DO LEME
- SHIP SPOTTING IN FAIAL
- SHIPPING IS HIS LIFE !
- THE PILOT BOAT
- VIDA MARITIMA