O lugre “Fernanda”, de Viana do Castelo
Dizia o comandante Villiers, em determinado momento da sua admirável e profícua existência, que ninguém melhor que os portugueses para identificarem um bom navio.
O lugre “Fernanda” pode ter sido um dos tais navios a justificar tal apreciação, muito embora a vox populi defenda, que também era mau porque o mar não o quis.
De uma forma ou outra, permite relatar várias histórias que merecerem ser lembradas, independentemente do facto de encontrarmos situações semelhantes ou paralelas, que possam ter acontecido com outros navios, ao longo dos anos.
Senão, vejamos, no decorrer do ano de 1930:
O lugre “Fernanda” pode ter sido um dos tais navios a justificar tal apreciação, muito embora a vox populi defenda, que também era mau porque o mar não o quis.
De uma forma ou outra, permite relatar várias histórias que merecerem ser lembradas, independentemente do facto de encontrarmos situações semelhantes ou paralelas, que possam ter acontecido com outros navios, ao longo dos anos.
Senão, vejamos, no decorrer do ano de 1930:
Lugre “Fernanda” (1)
«Entrou no dia 1 o lugre "Fernanda", capitão Bazílio Vieira de Carvalho. O barco ficou em seco de popa, no canal da doca e, torcendo, devido à corrente, aproximou a proa do cais, em risco de bater no alicerce do mesmo. Vinte e tantos homens que observavam o risco que o navio corria, preparam-se imediatamente para evitar o embate do barco contra o cais, correndo para ele, dispostos a sofreá-lo com as costas e a pulso.
Felizmente não foi preciso isso, visto que de bordo lançaram uma espia para o molhe sul, que aguentou o navio.
A atitude daqueles homens deve-se ao navio pertencer ao sr. João Alves Cerqueira, que tem na maioria dos nossos pescadores verdadeiros amigos. Manifestaram assim a sua gratidão a quem sabe ser amigo do seu amigo e é um grande protetor dos necessitados. O sr. João Alves Cerqueira tudo merece, que o digam os seus empregados e nós próprios».
Felizmente não foi preciso isso, visto que de bordo lançaram uma espia para o molhe sul, que aguentou o navio.
A atitude daqueles homens deve-se ao navio pertencer ao sr. João Alves Cerqueira, que tem na maioria dos nossos pescadores verdadeiros amigos. Manifestaram assim a sua gratidão a quem sabe ser amigo do seu amigo e é um grande protetor dos necessitados. O sr. João Alves Cerqueira tudo merece, que o digam os seus empregados e nós próprios».
Características do lugre “Fernanda”
De 1919 a 1925
De 1919 a 1925
Armador: Sociedade Vianense de Cabotagem, Viana do Castelo
Nº Oficial : -?- - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Construtor: Fr. Cerzon, Noya (Galiza), Espanha, 1918
ex lugre “Galicia“, D. M. Linares, Vilagarcia, Espanha, 1918-1919
Arqueação: Tab 135,16 tons - Tal 115,88 tons
Dimensões: Pp 32,00 mts - Boca 7,53 mt - Pontal 3,01 mts
Propulsão: À vela
Equipagem : 7 tripulantes
Nº Oficial : -?- - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Construtor: Fr. Cerzon, Noya (Galiza), Espanha, 1918
ex lugre “Galicia“, D. M. Linares, Vilagarcia, Espanha, 1918-1919
Arqueação: Tab 135,16 tons - Tal 115,88 tons
Dimensões: Pp 32,00 mts - Boca 7,53 mt - Pontal 3,01 mts
Propulsão: À vela
Equipagem : 7 tripulantes
De 1925 a 1927
Armador: Bernardo Pinto Abrunhosa, Viana do Castelo
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 135,16 tons - Tal 115,88 tons
Dimensões: Pp 32,00 mts - Boca 7,53 mts - Pontal 3,01 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 135,16 tons - Tal 115,88 tons
Dimensões: Pp 32,00 mts - Boca 7,53 mts - Pontal 3,01 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
A compra do lugre pelo referido armador, foi formalizada a 19 de Julho de 1924, pelo valor de 50.000$00 (escudos), tendo o registo para operar no pequeno trafego costeiro, sido realizado na Capitania do porto de Viana do Castelo, a 24 de Maio de 1925.
De 1927 a 1931
De 1927 a 1931
Armador: Herdeiros de Bernardo Pinto Abrunhosa, Viana do Castelo
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 146,95 tons - Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts - Boca 7,50 mts - Pontal 3,11 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 146,95 tons - Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts - Boca 7,50 mts - Pontal 3,11 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Por motivo do falecimento do armador, o lugre foi transferido para a propriedade dos seus herdeiros, que entretanto o mantiveram sob fretamento a João Alves Cerqueira.
Já em 23 de Abril de 1931, foi concretizado o negócio de venda do navio, ao operador em exercício, pela importância de 3.000$00 (escudos), a que se seguiu a oficialização do registo, também para o pequeno trafego costeiro, ainda na Capitania do porto de Viana do Castelo, a 18 de Maio de 1931.
Lugre “Fernanda” (2)
«Este navio da nossa praça, propriedade do nosso bom amigo sr. João Alves Cerqueira, esteve em grande perigo, no alto mar, quando em viagem para Vila Real de Santo António foi acometido pelos temporais de Janeiro. Já ninguém contava com notícias suas, tão violentos e demorados foram esses temporais que tantos naufrágios e vitimas causaram.
Sob a maior tormenta que se tem desencadeado no oceano, o “Fernanda” navegou por esse mar imenso, indo arribar a Gibraltar. O que foi essa viagem relatou-nos o seu capitão, sr. Bazílio de Carvalho, já experimentado nas lutas do mar e em naufrágios terríveis.
Os marinheiros, exaustos, sem forças, tamanhos haviam sido os esforços de sete dias de luta, navegando sem faróis, pois o temporal não consentia que essa pequena luz abrisse um clarão nas trevas, nem acendessem lume para aquecer uma gota de água que, ingerida, os animasse e lhes tirasse, por um momento que fosse, o frio que os regelava e entorpecia os membros, não descrendo da Fé que os acalenta, imploraram o auxílio da Virgem. E Ela não lhes negou esse auxílio. Protegeu-os. Levou-os a Gibraltar. A entrada do “Fernanda” naquele porto causou admiração a toda a gente, pois custava a crer que um barco quase desmantelado, com os panos em tiras, o cordame e as enxárcias afrouxadas pelo vergar dos mastros, desgornidos os amantilhos, resistisse a tão formidável temporal.
Homens crentes, apegaram-se à Virgem. Cheios de Fé, sob o fuzilar do relâmpago e o ribombar do trovão, quando uma vaga enorme lhes arrebatava um companheiro, que a mesma vaga tornou a colocar no convés, prometeram uma missa à Senhora da Agonia e outra à Virgem da Bonança. E aí andam, percorrendo as ruas da cidade, com a giba colhida e enflorada – a vela que mais resistiu à procela – entoando o Bendito, a pedirem para cumprirem o voto feito à Virgem.
Bendita a Crença! Abençoada a Fé!
A cerimónia, que é tradicional, comove. Os marinheiros, tal como estavam no mar, na ocasião do perigo, assim pedem. E ninguém lhes nega a esmola. Todos lançam no «sueste» do marinheiro uma moeda ou uma nota para a missa prometida no alto mar, no grande perigo, antes do «fogo de Santelmo» aparecer nos mastros, precedendo a bonança ou trazendo uma esperança ao coração amargurado dos pobres nautas).
Sob a maior tormenta que se tem desencadeado no oceano, o “Fernanda” navegou por esse mar imenso, indo arribar a Gibraltar. O que foi essa viagem relatou-nos o seu capitão, sr. Bazílio de Carvalho, já experimentado nas lutas do mar e em naufrágios terríveis.
Os marinheiros, exaustos, sem forças, tamanhos haviam sido os esforços de sete dias de luta, navegando sem faróis, pois o temporal não consentia que essa pequena luz abrisse um clarão nas trevas, nem acendessem lume para aquecer uma gota de água que, ingerida, os animasse e lhes tirasse, por um momento que fosse, o frio que os regelava e entorpecia os membros, não descrendo da Fé que os acalenta, imploraram o auxílio da Virgem. E Ela não lhes negou esse auxílio. Protegeu-os. Levou-os a Gibraltar. A entrada do “Fernanda” naquele porto causou admiração a toda a gente, pois custava a crer que um barco quase desmantelado, com os panos em tiras, o cordame e as enxárcias afrouxadas pelo vergar dos mastros, desgornidos os amantilhos, resistisse a tão formidável temporal.
Homens crentes, apegaram-se à Virgem. Cheios de Fé, sob o fuzilar do relâmpago e o ribombar do trovão, quando uma vaga enorme lhes arrebatava um companheiro, que a mesma vaga tornou a colocar no convés, prometeram uma missa à Senhora da Agonia e outra à Virgem da Bonança. E aí andam, percorrendo as ruas da cidade, com a giba colhida e enflorada – a vela que mais resistiu à procela – entoando o Bendito, a pedirem para cumprirem o voto feito à Virgem.
Bendita a Crença! Abençoada a Fé!
A cerimónia, que é tradicional, comove. Os marinheiros, tal como estavam no mar, na ocasião do perigo, assim pedem. E ninguém lhes nega a esmola. Todos lançam no «sueste» do marinheiro uma moeda ou uma nota para a missa prometida no alto mar, no grande perigo, antes do «fogo de Santelmo» aparecer nos mastros, precedendo a bonança ou trazendo uma esperança ao coração amargurado dos pobres nautas).
De 1931 a 1935
Armador: João Alves Cerqueira, Viana do Castelo
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 146,95 tons - Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts - Boca 7,50 mts - Pontal 3,11 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Nº Oficial: 64 - Iic: H.F.E.R. - Registo: Viana do Castelo
Arqueação: Tab 146,95 tons - Tal 125,93 tons
Dimensões: Pp 28,62 mts - Boca 7,50 mts - Pontal 3,11 mts
Propulsão: À vela
Equipagem: 7 tripulantes
Depois de uma arribada forçada num porto no Norte de Espanha, em Outubro de 1932, por ter perdido grande parte do pano, devido a forte temporal com ventos de Oeste, decorrido um ano volta a ser vitimado em novo sinistro.
Foi encontrado abandonado um lugre português (3)
Na estação da Boa Nova, da Rádio Marconi, foi interceptado um aviso à navegação, feito pelo comandante do vapor francês “Ange Schiaffino”, que vem de Rouen para Oran, informando que pelas 13 horas e 5 minutos, na latitude 41º40’ Norte e longitude 9º25’ Oeste, encontrou abandonado o lugre “Fernanda” da praça de Viana do Castelo.
Mais informou que recolhera a tripulação, que tentará desembarcar para os barcos dos pilotos da barra de Lisboa, se o tempo e as condições de mar o permitirem. Se os não puder desembarcar, seguirão para Oran, porto para onde se dirige aquele navio.
O navio é de 2.800 toneladas brutas e pertence à praça de Algiers.
Mais informou que recolhera a tripulação, que tentará desembarcar para os barcos dos pilotos da barra de Lisboa, se o tempo e as condições de mar o permitirem. Se os não puder desembarcar, seguirão para Oran, porto para onde se dirige aquele navio.
O navio é de 2.800 toneladas brutas e pertence à praça de Algiers.
Características do navio francês “Ange Schiaffino”
Nº Oficial: N/d - Iic: O.S.R.U. - Porto de registo: Algiers
Armador: Soc. Algerienne de Naveg. pour l’Afrique du Nord, Algiers
Operador: Ch. Schiaffino, Algiers
Construtor: Howaldtswerk A.G., Kiel, Alemanha, 1929
Arqueação: Tab 2.800,00 tons
Dimensões: Pp 98,96 mts - Boca 14,63 mts - Pontal 7,34 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 3:Ci - 227 Nhp
Armador: Soc. Algerienne de Naveg. pour l’Afrique du Nord, Algiers
Operador: Ch. Schiaffino, Algiers
Construtor: Howaldtswerk A.G., Kiel, Alemanha, 1929
Arqueação: Tab 2.800,00 tons
Dimensões: Pp 98,96 mts - Boca 14,63 mts - Pontal 7,34 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 3:Ci - 227 Nhp
O naufrágio do lugre “Fernanda”, de Viana do Castelo (4)
A tripulação foi salva pelo vapor “Ange Schiaffino”
O que contam os náufragos
A tripulação foi salva pelo vapor “Ange Schiaffino”
O que contam os náufragos
O vapor “Ange Schiaffino”, que faz a carreira Argélia-Rouen, desembarcou hoje, pelas 10 horas da manhã, para a lancha dos pilotos da barra de Lisboa, seguindo depois a sua rota, os tripulantes do lugre “Fernanda”, da praça de Viana do Castelo, que ontem naufragou a 20 milhas a Noroeste daquela cidade.
Os oito marítimos dirigiram-se à Capitania do porto de Lisboa, onde o mestre se apresentou. Apresentam-se depois no Instituto de Socorros a Náufragos, a fim de receberem subsídios para regressarem à sua terra.
Todos os náufragos, naturais de Viana do Castelo, são:
Basílio Vieira de Carvalho, capitão; José Gonçalves, contra-mestre; Luiz Vieira de Carvalho, Custódio Vieira, Leopoldo do Vale e Manuel Rodrigues, marinheiros; António Fernandes Verde, moço; e Eduardo Alves dos Santos, cozinheiro.
O lugre naufragado, de 190 toneladas, pertencia ao Sr. João Alves Cerqueira, de Viana, que é também proprietário de outro navio. Nada estava no seguro.
Os náufragos que nada mais salvaram que as roupas que tinham no corpo, relataram a sua emocionante odisseia que terminou felizmente sem qualquer consequência pessoal grave:
«Tínhamos saído de Viana para Lisboa onde carregamos cimento, dirigindo-nos depois a Setúbal, onde tomamos um carregamento de sal. Partimos para o Norte, mas depois de passar pelo farol da Boa Nova fomos forçados pelo temporal a arribar novamente a Lisboa.
Retomando a nossa viagem para o Norte, fomos no dia 26 surpreendidos por um violento temporal – mar furioso, vento fortíssimo, nevoeiro e chuva – que se prolongou durante dois dias. O mar rebentou a amura de bombordo e as ondas entravam despegando os encerados das escotilhas e invadindo o convés sem que houvesse possibilidade de dar vasão à água, por mais esforços que fizéssemos.
Durante dois dias e duas noites não se dormiu a bordo, vivendo-se horas angustiosas de desespero, mal havendo possibilidade de alimentação, pois não havia forma de cozinhar a comida.
Todos os minutos e todas as forças eram preciosas e indispensáveis para a luta contra o mar, que invadia tudo. Com muita dificuldade conseguimos prender diversas vezes os encerados que as vagas, novamente, despegavam. A certa altura, quebrou-se também uma verga e muito dificilmente metemos outra.
Tudo, porém, era inútil para salvar o navio, só servindo para permitir que aguardássemos qualquer socorro providencial. Quando o lugre metia a proa, onde a água invadia tudo, não havia maneira de a despejar. Já poucas esperanças tínhamos, quando avistamos um navio americano.
Pedimos socorro por meio de sinais, mas nada conseguimos. O navio seguiu o seu destino e só pelas 13 horas de ontem quando nos encontrávamos a umas 20 milhas ao Noroeste de Viana surgiu à distância outro navio, o “Ange Schiaffino”.
Pedimos socorro e apesar das tremendas dificuldades com que tiveram de lutar os nossos camaradas franceses, não descansaram enquanto não nos salvaram. O temporal era enorme e foi difícil para eles arriarem uma grande baleeira e mais difícil ainda foi encostarem essa baleeira ao “Fernanda”, que já estava completamente perdido.
O mar era tanto que, por vezes, receamos um choque entre os dois barcos, que podia ser fatal para todos. Felizmente conseguiram salvar-nos e a bordo, tanto o comandante como toda a tripulação, foram da maior amabilidade para nós, fornecendo-nos comida e todas as facilidades necessárias e assim nos livramos daquele mau bocado, que durou dois dias e duas noites.»
Náufragos do lugre “Fernanda” (5)
Os oito marítimos dirigiram-se à Capitania do porto de Lisboa, onde o mestre se apresentou. Apresentam-se depois no Instituto de Socorros a Náufragos, a fim de receberem subsídios para regressarem à sua terra.
Todos os náufragos, naturais de Viana do Castelo, são:
Basílio Vieira de Carvalho, capitão; José Gonçalves, contra-mestre; Luiz Vieira de Carvalho, Custódio Vieira, Leopoldo do Vale e Manuel Rodrigues, marinheiros; António Fernandes Verde, moço; e Eduardo Alves dos Santos, cozinheiro.
O lugre naufragado, de 190 toneladas, pertencia ao Sr. João Alves Cerqueira, de Viana, que é também proprietário de outro navio. Nada estava no seguro.
Os náufragos que nada mais salvaram que as roupas que tinham no corpo, relataram a sua emocionante odisseia que terminou felizmente sem qualquer consequência pessoal grave:
«Tínhamos saído de Viana para Lisboa onde carregamos cimento, dirigindo-nos depois a Setúbal, onde tomamos um carregamento de sal. Partimos para o Norte, mas depois de passar pelo farol da Boa Nova fomos forçados pelo temporal a arribar novamente a Lisboa.
Retomando a nossa viagem para o Norte, fomos no dia 26 surpreendidos por um violento temporal – mar furioso, vento fortíssimo, nevoeiro e chuva – que se prolongou durante dois dias. O mar rebentou a amura de bombordo e as ondas entravam despegando os encerados das escotilhas e invadindo o convés sem que houvesse possibilidade de dar vasão à água, por mais esforços que fizéssemos.
Durante dois dias e duas noites não se dormiu a bordo, vivendo-se horas angustiosas de desespero, mal havendo possibilidade de alimentação, pois não havia forma de cozinhar a comida.
Todos os minutos e todas as forças eram preciosas e indispensáveis para a luta contra o mar, que invadia tudo. Com muita dificuldade conseguimos prender diversas vezes os encerados que as vagas, novamente, despegavam. A certa altura, quebrou-se também uma verga e muito dificilmente metemos outra.
Tudo, porém, era inútil para salvar o navio, só servindo para permitir que aguardássemos qualquer socorro providencial. Quando o lugre metia a proa, onde a água invadia tudo, não havia maneira de a despejar. Já poucas esperanças tínhamos, quando avistamos um navio americano.
Pedimos socorro por meio de sinais, mas nada conseguimos. O navio seguiu o seu destino e só pelas 13 horas de ontem quando nos encontrávamos a umas 20 milhas ao Noroeste de Viana surgiu à distância outro navio, o “Ange Schiaffino”.
Pedimos socorro e apesar das tremendas dificuldades com que tiveram de lutar os nossos camaradas franceses, não descansaram enquanto não nos salvaram. O temporal era enorme e foi difícil para eles arriarem uma grande baleeira e mais difícil ainda foi encostarem essa baleeira ao “Fernanda”, que já estava completamente perdido.
O mar era tanto que, por vezes, receamos um choque entre os dois barcos, que podia ser fatal para todos. Felizmente conseguiram salvar-nos e a bordo, tanto o comandante como toda a tripulação, foram da maior amabilidade para nós, fornecendo-nos comida e todas as facilidades necessárias e assim nos livramos daquele mau bocado, que durou dois dias e duas noites.»
Náufragos do lugre “Fernanda” (5)
Os quatro náufragos do lugre “Fernanda”, que haviam ficado em Lisboa seguiram hoje, a expensas do Instituto de Socorros a Náufragos, para Viana do Castelo.
«Lugre “Fernanda” abandonado (6)
«Lugre “Fernanda” abandonado (6)
«Passado um dia, na noite de quarta-feira, o tempo amainou e o vapor dinamarquês “Signe”, que seguia para Norte, encontrou-o abandonado e rebocou-o para Vigo, tendo partido algumas amarras em consequência da ondulação larga proveniente do mau tempo, que assolou a costa portuguesa nos dias anteriores.»
Características do navio dinamarquês “Signe”
Características do navio dinamarquês “Signe”
Nº Oficial: N/d - Iic: N.W.P.F. - Porto de registo: Copenhaga
Armador: Dampskibsselskabet Torm, Copenhaga
Construtor: Kjoebuhavns Flydedok & Skibsverft, Copenhaga, 1919
Arqueação: Tab 1.191,00 tons - Tal 696,00 tons
Dimensões: Pp 71,73 mts - Boca 11,02 mts - Pontal 4,14 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 3:Ci - 83 Nhp
Armador: Dampskibsselskabet Torm, Copenhaga
Construtor: Kjoebuhavns Flydedok & Skibsverft, Copenhaga, 1919
Arqueação: Tab 1.191,00 tons - Tal 696,00 tons
Dimensões: Pp 71,73 mts - Boca 11,02 mts - Pontal 4,14 mts
Propulsão: Do construtor - 1:Te - 3:Ci - 83 Nhp
O lugre “Fernanda” que tinha saído de Viana no dia 15 de Outubro, com um carregamento de madeira para Setúbal, onde carregou sal e cimento, estava avaliado em Esc. 40.000$00, mais Esc. 15.000$00 da carga, indemnizou pelos salvados, de acordo com o Direito Marítimo, um terço destes valores ao armador do navio “Signe”.
Tratadas as condições de navegabilidade do lugre, permitindo realizar o seu regresso a Viana do Castelo, onde deve ter terminado as necessárias reparações, o navio continuou a navegar pertença do mesmo proprietário, todavia alterou a matrícula em 1935, mudando de nome para "Santa Madalena".
Tratadas as condições de navegabilidade do lugre, permitindo realizar o seu regresso a Viana do Castelo, onde deve ter terminado as necessárias reparações, o navio continuou a navegar pertença do mesmo proprietário, todavia alterou a matrícula em 1935, mudando de nome para "Santa Madalena".
Imagem do lugre "Santa Madalena"
Foto de autor desconhecido - minha colecção
Foto de autor desconhecido - minha colecção
(1) Jornal “Aurora do Lima”, 10 de Janeiro de 1930; (2) Jornal “Aurora do Lima”, 2 de Maio de 1930; (3) Jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 29 de Novembro de 1933; (4) Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 30 de Novembro de 1933; (5) Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 1 de Dezembro de 1933.
As notícias (1 e 2) publicadas no jornal “Aurora do Lima”, foram amavelmente cedidas pelo amigo Manuel de Oliveira Martins.
Bibliografia (6) Martins, Manuel de Oliveira, Naufrágios no «Mar de Viana», Colecções Cer-Seiva, Viana do Castelo, 2016
Bibliografia (6) Martins, Manuel de Oliveira, Naufrágios no «Mar de Viana», Colecções Cer-Seiva, Viana do Castelo, 2016
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