domingo, 17 de março de 2019

História trágico-marítima (CCCVII)


Encalhe de um vapor (1)

Mais um encalhe acaba de ocorrer na barra do Douro. Há longos anos que se discutem e se esperam os indispensáveis melhoramentos, e os anos passam, sem que essa legítima aspiração seja realizada! E se é preciso melhorar as condições na barra do Douro, revela-se igualmente da maior importância terminar as obras no porto de Leixões.
Completado aquele porto, dotado que fique com os elementos precisos para o trafego mercantil, ambos os portos ficarão em condições de corresponder às contingências do comércio e da navegação actual.
Postas estas considerações, relatamos o sinistro de ante-ontem.
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No Domingo, perto das 6 horas da tarde, quando vinha a entrar a barra, o vapor espanhol “Cresalubi”, apanhando uma violenta volta de mar, descaiu para o sul e encalhou na restinga do Cabedelo, tendo ficado numa situação bastante perigosa.
Dado o alarme, acudiram com presteza os salva-vidas da Foz e Afurada e pouco depois chegaram os rebocadores “Burnay 2º” e “Magnete”, juntando-se na praia e paredões do Passeio Alegre muita gente.
Os dois rebocadores lançaram amarretas para o “Cresalubi”, realizando várias manobras para o safar; mas, como nada conseguiram até ao fim da tarde, suspenderam os trabalhos, para prosseguirem em melhor oportunidade.
A tripulação sob o comando do capitão, veio para terra nos barcos salva-vidas. Antes, porém, de abandonar o navio, tiraram o vapor à caldeira e tomadas outras providências. O vapor “Cresalubi” foi construído nos estaleiros de Newcastle, em 1881. Tem 766 toneladas de registo e mede 244 pés de comprido e 33 de largo. Pertence à Saracho & Menchaca, da praça de Bilbao.
O navio veio de Cardiff com carvão, tendo entrado no dia 6 do corrente em Leixões, onde, para aliviar parte da carga, descarregou 500 toneladas, vindo no Domingo com o fim de fundear no rio Douro para descarregar mais 1.000 toneladas de carvão, destinado à firma Leonardo A. dos Santos. O navio veio consignado aos srs. Vareta, Santos & Cª., Lda., sendo que as empresas são da praça do Porto.
O vapor por muito tempo de propriedade inglesa, esteve por lá encalhado, algum tempo antes da guerra, foi entretanto salvo por uns espanhóis, que o compraram à companhia a que pertencia. O casco está seguro em quatro companhias estrangeiras.
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A delegação da Afurada do Instituto de Socorros a Náufragos, através de uma nota do respectivo delegado, sr. Joaquim Pereira dos Santos, na qual informa que no sinistro de ante-ontem se salientou o pessoal do salva-vidas a cargo daquela delegação, salvando os 24 homens da tripulação do “Cresalubi”.
Afirma também que os milhares de pessoas que se encontravam no cais, ovacionaram a tripulação do salva-vidas durante muito tempo, pela coragem que mostrou e pelo risco que correu.
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A tripulação do vapor “Cresalubi” ficou hospedada no Hotel Boavista, na esplanada do Castelo, à Foz.
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Durante a noite de ante-ontem para ontem o navio impelido pelas vagas um tanto alterosas e arrastado pela corrente da água, andou um pouco para o norte, ficando com a proa na ponta do Cabedelo.
De manhã os tripulantes foram a bordo buscar os seus haveres, retirando logo para terra. De tarde foram iniciados os trabalhos para tentar pôr o navio a flutuar. Como o capitão e os restantes tripulantes se negassem a ir para bordo auxiliar esses trabalhos, o chefe do Departamento Marítimo do Norte, conseguiu que fossem para ali algumas praças de marinha, embarcados nas canhoneiras “Ivo” e “Mandovi”, bem como vários pescadores da Afurada.
Para o local foram os rebocadores “Lusitânia” e “Magnete”, bem como alguns barcos da Afurada. Os dois rebocadores passaram amarras para bordo do “Cresalubi” e, por volta das 5 horas da tarde, apesar do mar estar agitado, começaram os trabalhos para o desencalhe. As tentativas foram infrutíferas, pois que as amarretas rebentaram.
Como às 7 horas a maré começasse a vazar, suspenderam os trabalhos, retirando os rebocadores e o pessoal que estava a bordo, vindo para terra no salva-vidas. Os trabalhos devem prosseguir esta manhã.
Durante os trabalhos estacionaram na praia e no paredão do Passeio Alegre centenas de pessoas, muitas das quais, devido às vagas alterosas, foram surpreendidos por verdadeiros banhos de chuva, que as deixava encharcadas.
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Ao que consta o navio não tinha até ontem nenhum rombo; mas tem algumas chapas amolgadas, a máquina deslocada, os tubos de descarga avariados e a chaminé partida. O lastro, que é de cimento, também ficou deslocado.
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Segundo parece, um dos proprietários do vapor deve chegar hoje ao Porto para, com ele, ser combinado a descarga de parte do carvão, pelo que ficando o navio com o casco aliviado, será mais fácil deslocar o “Cresalubi”, se na maré da manhã de hoje nada fôr conseguido.

Imagem do navio “Cresalubi” encalhado na barra do Douro
Foto da minha colecção

Características do vapor espanhol “Cresalubi”
1912 – 1921
Armador: Saracho & Menchaca, Bilbao
Nº Oficial: N/d - Iic: H.J.L.S. - Porto de registo: Bilbao
Construtor: Palmers' Shipbuilding & Eng. Co., Ltd., Newcastle
ex “Tredegar”, Tredegar S.S. Co., Ltd., Cardiff, 1881-1907
Operador: Morel Brothers & Co., Cardiff
ex “Cresalubi“, Urtiaga & Castillo, Bilbao, 1907-1912
Arqueação: Tab 1.341,00 tons - Tal 755,00 tons
Dimensões: Pp 74,42 mts - Boca 10,08 mts - Pontal 4,67 mts
Propulsão: Palmers' Co., Ltd - 1 Compósito - 2:Ci - 162 Nhp
Equipagem: 24 tripulantes

Vapor naufragado (2)
Ficou ontem partido a meio o vapor espanhol “Cresalubi”, que encalhara à entrada da barra do Douro. Oxalá não resulte desta catástrofe ficar prejudicado o canal da barra, de modo a dificultar a passagem dos navios. Seria o cúmulo da calamidade e mais um elemento para descrédito da barra do Douro.
Tudo aconselha que se cuide com afã dos melhoramentos marítimos, procurando realizar sem detença os planos já aprovados. Em casos como o que se dá agora, de ser preciso salvar os restos de navios naufragados em condições de poderem prejudicar a navegação, a intervenção da Junta Autónoma das Instalações Marítimas (Douro-Leixões) deveria ser obrigatória, quando mais não fosse para regular o que mais conviesse aos interesses da cidade.
De outra maneira, poderão conduzir-se os trabalhos por forma que prejudiquem a navegação e concorram para lesar o bom nome do porto. Descuidos, condescendências, adiamentos, em matéria tão delicada, poderão acarretar consequências seríssimas, que por todas as formas devem ser evitadas.
Narremos o que ontem se passou:
O vapor partido
A despeito de todos os esforços empregados para o pôr a flutuar, está perdido o vapor espanhol “Cresalubi”, que encalhou Domingo último, na restinga do Cabedelo.
Ontem, de manhã, devido à agitação do mar, não foram para o lugar nenhuns barcos ou rebocadores proceder a qualquer trabalho tendente a safar o navio. O mar continuou agitado, indo as vagas açoutar com certa violência o casco do navio, que não modificou a posição que tomara no dia anterior, tendo afluído à praia crescido número de pessoas a ver o vapor, que os mais entendidos já julgavam irremediavelmente perdido.
Efectivamente, ontem, por volta das 11 horas e meia da manhã foi ouvido um enorme ruído, quase como a detonação de uma explosão, vendo-se que o navio partira a meio, por altura da casa das máquinas. Houve certo alvoroço, acudindo à praia muita gente na informar-se do que se tratava.
As autoridades aduaneiras
Considerado assim perdido por completo o navio, que começou a ser invadido pela água das vagas, foram ao lugar onde se deu o sinistro alguns funcionários aduaneiros e oficiais e praças da Guarda-fiscal, que tomaram conta do navio para efeito da posse dos salvados, estabelecendo-se um serviço de vigilância por praças da referida guarda, no Cabedelo e na Foz.
Os serviços de salvamento de materiais começa hoje, procurando desde logo retirar tudo que diz respeito à instalação de telegrafia sem fios, que é valiosa.
Várias notas
O navio ainda tem arvorada a bandeira espanhola. A tripulação já encetou negociações com o Sr. cônsul de Espanha no Porto para efeito da sua repatriação.

Vapor naufragado - Defesa da barra (3)
A situação em que se encontra o vapor “Cresalubi”, naufragado à entrada da barra do Douro, é de molde a inspirar as mais sérias preocupações. Se o navio continuar a descair sobre o canal da barra, poderá constituir um impedimento para a navegação.
Se a Junta Autónoma das Instalações Marítimas (Douro-Leixões) tivesse intervenção no assunto, certamente faria adoptar as providências indispensáveis para obstar a esse gravíssimo inconveniente e outros desastres supervenientes. A Junta Autónoma não tem, porém, intervenção alguma, porque os regulamentos aduaneiros lho vedam.
Desta maneira, a única corporação com capacidade para velar pelas condições do porto vê-se indevidamente deslocada, sem vantagens para ninguém, antes com prejuízo e descredito sensível para esta praça.
Convençam-se os poderes públicos de que, enquanto assim suceder, este porto estará sujeito às mais graves contingências. Os serviços aduaneiros deveriam ter definida a sua esfera de acção, reservando-se os do salvamento e de defesa das condições do porto para a Junta Autónoma, para esse fim devidamente preparada. O contrário do que aqui apontamos não passa de flagrante contrassenso.
O salvamento do carvão
Ontem foram iniciados os preparativos para ser principiada a descarga do carvão, sendo colocada uma prancha do areal para bordo.

O vapor naufragado (4)
Não se modificou a situação do vapor espanhol “Cresalubi”, naufragado, como é notório, à entrada da barra do rio Douro.
Ontem, a tripulação do navio passou alguns cabos dos mastros para estacas colocadas no Cabedelo, a fim de mantê-lo em equilíbrio.
Hoje, de manhã, devem começar a proceder à descarga do carvão, por conta da firma que o arrematou.

O vapor naufragado (5)
Começou ontem a ser feita a descarga do carvão que se encontra a bordo do vapor “Cresalubi” naufragado, como é sabido, no Cabedelo, à entrada da barra do Douro.
De bordo do vapor para o Cabedelo foi construída uma ponte-prancha, sendo a descarga feita por mulheres, que conduzem o combustível para uma barcaça.
Ante-ontem o piloto-mor e outros membros da corporação, tomaram lugar em duas catraias, procedendo a uma ligeira sondagem na barra, constando que, em alguns pontos a encontraram bastante assoreada.

Encalhe do vapor “Cresalubi” (6)
Referindo-se ao encalhe do vapor “Cresalubi”, o sr. presidente da Associação Comercial lamentou o facto, que mais uma vez veio pôr em evidência o desgraçado estado em que se encontra a barra do Douro, devido ao seu assoreamento, situação esta ainda mais agravada por falta de cheias no rio.
Ao calamitoso estado da barra, que não só impossibilita o acesso à grande navegação, como dificulta a entrada aos navios de menor calado, há a acrescentar a carência de meios de salvação, como foi notado durante os esforços empregados para safar o “Cresalubi”, da critica situação em que ainda se encontra.
É, realmente, lamentável que os rebocadores de maior potencia, como o “Mars” e o “Tritão”, que excelentes serviços podiam prestar para o salvamento do vapor, nada pudessem fazer em tal conjuntura, devido ao mau estado desses barcos.
Porque todos os reparos são justificados contra semelhante incúria, que bem patenteia o desamor com que continuam a ser olhados os interesses desta terra, o sr. presidente propôs que se oficiasse as estações competentes, reclamando adequadas providências.
O sr. Carlos de Lima, referindo-se também ao assunto, alvitra que no ofício a enviar pelo Centro Comercial se acentue a imperiosa necessidade de serem tomadas, desde já, providências no sentido de evitar que o casco do “Cresalubi” venha a obstruir por completo a barra, o que afetaria grandemente os interesses económicos desta praça.

Três meses depois, muito naturalmente voltou a acontecer, o que devia ter sido evitado, ou seja, desfazer o casco do navio atravessado no canal de navegação!...

O vapor “Cresalubi” – A sua destruição (7)
Tem continuado a ser destruído com dinamite o casco do vapor espanhol “Cresalubi”, que vindo a entrar a barra do Douro, no dia 13 de Março último, naufragara na ponta do Cabedelo.
Ontem foram feitos bastantes tiros, ouvindo-se na cidade as fortes detonações, que muito excitaram a curiosidade das pessoas que desconheciam a causa.
Bom será que, dentro em pouco, o canal da barra fique livre dos fragmentos do naufragado vapor.

Notícias publicadas no jornal “Comércio do Porto”, em: (1) Terça-feira, 15 de Março; (2) quarta-feira, 16 de Março; (3) quinta-feira, 17 de Março; (4) sexta-feira, 18 de Março; (5) terça-feira, 22 de Março; (6) quinta-feira, 24 de Março; e (7) quarta-feira, 15 de Junho de 1921

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