terça-feira, 31 de julho de 2018

História trágico-marítima (CCLVIII)


O naufrágio do vapor “Mossamedes”, por encalhe na costa
da Namíbia, na posição 18º33’S 12º03’E, em 24.04.1923

O vapor “Mossamedes”, conduzindo a bordo passageiros,
encalha em Cabo Frio - Socorro por um navio australiano
O paquete “Mossamedes”, da Empresa Nacional de Navegação, que ia em viagem do Cabo para a costa ocidental de África, encalhou no Cabo Frio, segundo comunicação de um navio inglês, que dizia ir já um outro navio em seu auxílio.
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O paquete “Windsor Castle”, que chegou ontem, diz que o vapor português “Mossamedes” encalhou no Cabo Frio.
O “Windsor Castle” recebeu sinais de socorro, mas à distância de 1.000 milhas e transmitiu esses sinais aos outros navios. O paquete australiano “Port Victor”, que se encontrava à distância de 290 milhas do “Mossamedes”, devia chegar em seu auxílio à meia-noite.
O “Mossamedes” conduz passageiros e carga, e partiu do Cabo na sexta-feira, com destino à costa ocidental de África.
(Jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 26 de Abril de 1923)

O encalhe do “Mossamedes”
Há poucas esperanças em o salvar
Segundo comunicação de hoje, o vapor “Mossamedes” encontra-se ainda encalhado em Cabo Frio, estando já no local um vapor inglês. Os vapores “Mindelo”, “Ambriz” e o rebocador “Salvador Correia”, já seguiram para o local do sinistro.
Segundo consta, foi recebida hoje à tarde a notícia, que dá poucas esperanças do vapor “Mossamedes” se salvar. Já estão a fazer o transporte dos passageiros e a proceder ao salvamento da carga.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 27 de Abril de 1923)

Imagem do navio de passageiros “Mossamedes”
Desenho de Luís Filipe Silva

Características do vapor “Mossamedes”
Armador: Empresa Nacional de Navegação, Lisboa
Nº Oficial: 453-C - Iic: L.D.P.F. - Registo: Lisboa
Construtor: Alexander Stephen & Sons, Linthouse, 20.08.1895
ex "Sumatra", Peninsular & Oriental Co., Glasgow, 1895-1914
Arqueação: Tab 4.977,08 tons - Tal 3.513,85 tons
Dimensões: Pp 121,70 mts - Boca 14,26 mts - Pontal 8,35 mts
Propulsão: A. Stephen & Sons, Glasgow - 1:Te - 13,5 m/h

O encalhe do “Mossamedes”
Segundo as notícias recebidas aquele vapor considera-se
perdido, salvando-se toda a tripulação
Parece confirmar-se a perda do “Mossamedes”. O seu comandante, o sr. António Eduardo de Oliveira, foi quem comandou dois navios torpedeados e metidos a pique: o “Cazengo”, que transportava carvão para Lisboa, e o “Angola”, que levava vinho e sardinha para Bordéus.
O “Mossamedes” trazia a bordo 237 pessoas, entre elas 29 mulheres e 36 crianças. Saiu do Cabo no dia 25 do corrente às 3 horas e 30 minutos e encalhou algumas horas depois no Cabo Frio.
Pediu socorro pela telegrafia sem fios que, pouco depois, avariou. Começou lançando baleeiras ao mar com os passageiros e a tripulação.
Segundo um telegrama vindo de Mossamedes, o vapor inglês que o socorreu abrigou todos os náufragos. Um telegrama de Cape Town datado de ontem, às 10 horas, diz que já chegaram 3 baleeiras com passageiros do “Mossamedes” a Porto Alexandre e que dará detalhes do sinistro oportunamente.
Por enquanto a Empresa Nacional de Navegação ainda não recebeu notícia alguma do encalhe do “Mossamedes”. A falta de notícias do naufrágio atribui-se ao facto do Cabo Frio ficar distante 190 milhas de Porto Alexandre. É muito provável que as restantes baleeiras aportassem à Baía dos Tigres.
Pode asseverar-se não ter havido qualquer desastre pessoal.
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Cape Town, 26 – Segundo notícias recebidas sobre o encalhe do vapor “Mossamedes”, o “Port Victor”, quando chegou em seu auxílio, encontrou o navio abandonado e sem nenhum vestígio dos 237 passageiros. Entre os passageiros contam-se 29 mulheres e 36 crianças, sendo a maioria dos passageiros de nacionalidade portuguesa.
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Cape Town, 26 (de madrugada) – O “Port Victor” desistiu das tentativas de salvar o “Mossamedes”, visto as baleeiras serem suficientes para comportar os passageiros do navio. Entre os passageiros portugueses contam-se os srs. Henrique Immerteg, família Faria, João Amorim de Carvalho, J. Pinheiro e esposa, João Quinato Ramalho e Mendes Pereira.
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Cape Town, 27 (de madrugada) – O “Port Victor” continuou viagem. Algumas baleeiras do “Mossamedes” e da canhoneira inglesa “Dwarf” voltaram a Cabo Frio para continuarem os trabalhos dos salvados.
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Walfish Bay, 27 – Três baleeiras do “Mossamedes” chegaram a Porto Alexandre. Faltam detalhes.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 28 de Abril de 1923)

Imagem do transporte de guerra “Salvador Correia”, que
desempenhou um papel fulcral no salvamento dos náufragos
Postal ilustrado - In (fotosnamibe.blogspot.com)

O naufrágio do “Mossamedes”
Segundo comunicações recebidas, há a registar,
infelizmente, algumas mortes
Ao ministério das colónias e aos escritórios da Empresa Nacional de Navegação, têm ido durante o dia muitas de pessoas averiguar do que há acerca do vapor “Mossamedes”, naufragado próximo do Cabo Frio.
Esses indivíduos são quase todos parentes dos tripulantes e passageiros do vapor, reflectindo-se nos olhos de todos a ansiedade de notícias.
Naquele ministério foram recebidos durante o dia de ontem e hoje os seguintes telegramas, enviados pelo alto comissário de Moçambique:
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Lourenço Marques, 28 – Até agora, que são 8 horas, apenas tenho notícia de terem chegado três embarcações com náufragos.
A terceira entrou ontem em Porto Alexandre, de tarde. Trazia os seguintes náufragos: Luiz Domingues Primo, Maria Cardoso, Manoel Tavares com seu filho, Luiz José Freitas, Teodoro Paulo Henriques Matias, Paula França, José Azevedo, Manoel do Prado Martins, António Pereira Rodrigues, José Fernandes Sugueiro, José Augusto Mesquita, José Nunes França, Joaquim Dionísio, João Dias de Oliveira, José da Cunha, João Jorge Betencourt, Arlindo Esteves, José de Almeida, Dionísio Domingues, José Freitas, Teodoro Pinto Henriques, Fernando Godinho, Manoel Lourenço, Nestor Assunção, Caetano Simões, Diniz Pinto, Salvador Caleia, João Tacos e Francisco Bulhão.
Faltam 6 embarcações que se calcula devem conter o mínimo de 80 pessoas. Abrigo a esperança de que alguns tenham sido recolhidos por navios com rumo ao sul. Pedi notícias ao nosso cônsul no Cabo.
Por informações prestadas por náufragos concluiu-se que o vapor “Mossamedes” às 2 horas de 24, estava sobre rocha com meia braça de fundo ao meio, duas à proa, e quatro à ré. Atribui-se o desastre a erro de carta, violentas correntes e intenso nevoeiro. – (a) Alto-comissário
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Luanda, 27 – Mais alguns náufragos salvos: Eduardo Fontes com seu filho, Alfredo António, André Caiado, António Belo Mendes, Eduardo Leitão, António Soares, Joaquim Soares e Abdula.
António Eduardo de Oliveira, comandante; Manuel de Oliveira, contra-mestre; Diamantino da Silva Teodoro, praticante; Rosa, moço; João Alfinetes, chegador; Victor Franco, 1º maquinista; Horácio Saraiva Ramos, 1º maquinista; Marcelino Inácio, 1º maquinista; José dos Reis Varandas, 3º maquinista; António Paulino, 6º maquinista; José dos Santos Filipe, 3º piloto; António André dos Santos, 2º telegrafista; dr. Joaquim Pimenta, nauta; Felisberto Fernandes, marinheiro; José Vilar dos Santos, moço; Albino José Amorim, fogueiro; José João dos Santos, criado; José dos Santos, criado; e José Alves, 3º cozinheiro. – (a) Alto-comissário
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Luanda, 27 – A primeira baleeira, com senhoras e crianças, foi arreada ao romper do dia, partindo-se os engates e caindo ao mar, com todos os passageiros, salvando-se alguns e morrendo 7 ou 8.
Das 6 para as 7 horas foi arreada a 2ª baleeira e depois as outras, sendo as últimas das 11 para as 15 horas.
A primeira baleeira foi encontrada pelo transporte “Salvador Correia”; a segunda pela embarcação de pesca “Sampaio e Nunes”, a 30 milhas ao sul de Porto Alexandre; a terceira foi encontrada pela catraia “Norton de Matos”, dos poveiros, a 2 milhas ao sul de Porto Alexandre.
As embarcações com náufragos que faltam têm poucos recursos náuticos, mas abundância de comida e água. Continuam as pesquisas com toda a intensidade. – (a) Alto-comissário

Às 2 horas e 15 de hoje foi recebido o seguinte telegrama:
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Luanda, 27 – Por comunicações telefónicas que tive com Mossamedes, sei que o transporte “Salvador Correia” recebeu umas quatro baleeiras, faltando apenas salvar uma. Aguardo confirmação e detalhes. – (a) Alto-comissário
Um outro telegrama diz que foram salvos 223 passageiros, mas a carga e bagagens não se pôde salvar. Também o vapor alemão “Tanganyka”, que tinha saído da capital de Angola, dias antes do “Mossamedes”, recebeu, ao entrar a barra, um rádiograma comunicando que todos os náufragos tinham sido recolhidos.

A agência «Rádio» distribuiu o seguinte telegrama:
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Cidade do Cabo, 28 – A canhoneira inglesa “Dwarfs”, foi para Cabo Frio procurar as baleeiras do vapor português “Mossamedes”, que encalhou naquele ponto.
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Cidade do Cabo, 28 – A canhoneira “Aware”, que estaciona no Lobito, recebeu ordens para realizar as buscas necessárias, a fim de encontrar as baleeiras com as pessoas, que estavam a bordo do “Mossamedes”.
(Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 29 de Abril de 1923)

Página da revista Ilustração Portuguesa Nº 904, de 12 de Maio de 1923

Também a "Ilustração Portuguesa" publica a notícia do naufrágio do "Mossamedes", referindo o posterior e inesperado falecimento do comandante do vapor, Sr. António Eduardo de Oliveira, muito provavelmente por angústia e sofrimento causado pela perda do navio.

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