sábado, 21 de julho de 2018

História trágico-marítima (CCLVII)


Porto, 1900
O temporal e a cheia no Douro
Conclusão

Temporal – Sinistros no rio
Diminuíram sensivelmente as águas do rio, achando-se já ontem descobertos todos os cais e ruas das margens. Prevendo uma rápida descida, os práticos preveniram com a devida oportunidade as coisas de modo a que as embarcações se afastassem um pouco para o largo, a fim de não correrem o risco de ficar em seco. Ainda assim, no cais da Estiva, algumas das muitas barcaças que ali estavam, ficaram em seco, nas lajes do cais, sendo imediatamente postas a nado.
Na madrugada de ontem, o vento rondara para sudoeste, soprando rijamente e caindo fortes aguaceiros. O dia, porém, apresentou-se sereno e de sol radiante e acariciador, e, consequentemente em nada influíram no rio esses chuveiros, confirmando nova descida.
A situação das embarcações é já sobremaneira desafogada na Ribeira. Logo que as águas do rio baixem um pouco mais e a corrente seja menos veloz, tratarão de lhes melhorar a posição em que se encontram e que até aqui foi bastante comprometedora. No postigo dos banhos mantém-se a mesma situação.
Em Massarelos andam alguns trabalhadores procurando evitar que a barca “Ligeira” fique em seco, ao que está bastante arriscada.
Quanto à galera “América”, foram suspensos os trabalhos encetados, visto serem impotentes todos os esforços para a pôr a nado, na presente ocasião, porque o rio desceu muito. No entanto, não dão ainda o navio como perdido, pois pensam em desarvorá-lo completamente e depois abrir-lhe carreira na praia, como se estivesse num estaleiro. A “América” está segura em 6 Companhias em cerca de 12:000$000.
No Ouro mantém-se na mesma posição a barca “Douro”, que ali se encontra voltada de bombordo sobre as pedras, onde encalhou, próximo à draga “Portugal”. Esta barca que pertence à firma Glama & Marinho, não está no seguro.
Ontem, como a corrente do rio foi menos impetuosa, os tripulantes da “Douro” conseguiram abordá-la, e, entrando pelo porão do «rancho» puderam retirar roupas e outros objectos que lhes pertenciam e também do capitão. A bordo ainda se encontram haveres da tripulação.
Quanto à barca “Maria Emília”, fundeada na Cantareira, continuava ontem em magnifica posição para se poder salvar, segundo a opinião dos práticos. Às 5 horas da tarde foram passadas para bordo daquele navio duas correntes e âncoras, a fim de reforçar os ferros da proa.
Na Afurada e no Cabedelo têm aparecido muitos salvados, tais como couros, caixas com relógios, bicicletas, aduelas, etc., estando esses objectos guardados pela guarda-fiscal.
O sr. António Gonçalves, chefe do posto de fiscalização municipal no Ouro, participou à polícia que ante-ontem, um tal Luiz Dias, morador na calçada do Ouro, cortou por malvadez um dos cabos do vapor “Highlands”, fundeado frente à fábrica do Gaz. O caso foi participado à polícia Judiciária, que procede já às devidas investigações.
(Jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 16 de Fevereiro de 1900)

Temporal – Sinistros no rio
Com a sensível melhoria do tempo, voltou a intensidade dos trabalhos ribeirinhos, vendo-se já ontem o rio sulcado de rebocadores conduzindo barcaças de carga de um para outro lado. O dia apresentou-se sereno e sem chuva, como os três últimos, motivo porque o rio vai voltando à normalidade. Já não subsiste o perigo para as embarcações, por isso que, conquanto a velocidade da corrente do rio fosse ainda ontem de 6 milhas por hora, as águas acima do nível ordinário estavam apenas em 50 centímetros.
O único navio que continua em má situação é a galera “América”, pela circunstância de ser difícil pô-la a flutuar, não obstante os esforços empregados para tal efeito. Vão empreender-se novos trabalhos para salvar este magnífico veleiro, um dos melhores da praça do Porto.
Ontem, de tarde, trataram de fazer sair da situação em que se achava o vapor sueco “H, Wicander”, que estava em frente do Postigo dos Banhos. Os rebocadores “Victoria” e “Liberal” concorreram bastante para o fazer safar, indo o “H. Wicander” fundear em Santo António do Vale da Piedade.
A bordo do vapor estavam dois pilotos da barra e as ordens eram dadas pelo Patrão-mor da Capitania do porto e pelo Patrão-mor dos pilotos da barra. Alguns remadores do Departamento Marítimo do Norte trabalharam também para fazer safar o referido vapor.
Como o rio baixasse sensivelmente, ficou a descoberto parte do convés do vapor “Sir Walter”, que se acha submergido em frente do Postigo dos Banhos. Quanto à barca “Ligeira” foi efectivamente posta a nado.
Os tripulantes da barca “Douro” voltaram ontem a bordo, como no dia anterior, conseguindo recolher mais alguns dos seis haveres.
A barca “Maria Emília”, que se julgou perdida, e que ultimamente havia garrado até junto do molhe da Cantareira, à Foz, foi ontem dali retirada sendo rebocada pelo vapor “Mariano de Carvalho”, para o ancoradouro de Santo António do Vale da Piedade, cerca das 4 horas da tarde. Este serviço foi dirigido por um piloto da barra.
Ontem foram postas a nado muitas barcaças que se achavam em seco. Da Cantareira foram levadas para os respectivos ancoradouros duas barcaças da casa Andresen, pelo rebocador “Ligeiro”; uma da mesma casa e três da casa Barros, pelo rebocador “Águia”; três do sr. David José de Pinho, pelo rebocador “Liberal”; e três do sr. Santos Victorino, pelo rebocador “Victoria”.
(Jornal “Comércio do Porto”, sábado, 17 de Fevereiro de 1900)

Mau tempo
Uma ventania de O.N.O. (oeste-noroeste), excepcionalmente forte, caiu ontem sobre a cidade, causando não pequenos danos, principalmente nos arvoredos, De manhã vieram alguns chuveiros, mas fosse lá alguém atrever-se a abrir o seu guarda-chuva! Felizmente, não há nenhum desastre de vulto a assinalar.
O rio esteve muito agitado, levando ainda uma velocidade de 4 milhas e meia, achando-se 50 centímetros acima do nível ordinário. Todavia, foi feito sem dificuldade o movimento fluvial.
O vapor “Sir Walter” continua no fundo, parecendo que muito brevemente terão início trabalhos para o pôr a flutuar. O mesmo acontece com a galera “América”, que está em seco e que pretendem pôr a nado. A barca “Douro” permanece entre os rochedos do Ouro.
Ontem, os rebocadores “Ligeiro”, “Victoria” e “Liberal” singraram as águas durante o dia, conduzindo algumas barcaças que foram parar ao Cabedelo, e empregando-se também na faina de mudar as amarrações de alguns barcos de uns peões para outros, onde permanecerão com maior segurança.
O iate “Rasoilo”, que se achava fundeado próximo da galera “América”, foi mudado para Santo António do Vale da Piedade, indo também para o mesmo fundeadouro o iate “Correia”, que estava na margem esquerda, e a escuna “Valladares”, que se achava próximo da barca “Albatroz”, a qual ainda permanece em frente do cais da Ribeira.
Nos postos semafóricos está içado o sinal de tempestade.
(Jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 18 de Fevereiro de 1900)

Mau tempo
Uma deliciosa manhã, a de ontem, sem sol, mas serena e amena. Todavia, aí pelas 11 horas, quando sol irrompia já por um rasgão no azul, começou a toldar-se a atmosfera e a chuva miúda do dia e noite anteriores veio outra vez. O sol mostrou-se assim fugazmente, como a fazer-nos pirraça.
O rio voltou quase à normalidade, sendo já sulcado pelos barcos a remos. Todo o tráfego fluvial está restabelecido, não obstante haver ainda alguma corrente.
Os três navios naufragados permanecem na situação anterior.
O movimento marítimo no porto está interrompido há onze dias.
(Jornal “Comércio do Porto”, segunda-feira, 19 de Fevereiro de 1900)

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