quinta-feira, 24 de setembro de 2015

História trágico-marítima (CLXI)


O naufrágio do patacho "Abalisado" e das escunas "Agnes" e "Edith"

Notícia de navios chegados ao rio Douro em 1862

Naufrágios
Ontem, depois das 2 horas da tarde, houve três naufrágios na barra!
Aparecendo no castelo sinal de entrada, o navio inglês “Pearles” (ev. “Peerless”) que estava mais próximo, aproou à barra e entrou sem novidade.
Atrás deste veio o patacho português “Abalisado”, procedente de Setúbal, que, faltando-lhe o vento ao chegar à barra, não pode seguir nem retroceder, como o castelo lhe mandou, arriando a bandeira. A este tempo vinham também, já sobre a barra as escunas inglesas “Agnes” e “Edith”.
Uma destas escunas abalroou com o patacho “Abalisado” e arrombou-lhe a borda falsa, em consequência do que, foi o patacho encalhar em frente das pedras de Felgueiras.
Os dois navios ingleses, que pelo mesmo motivo de lhe faltar o vento, não podiam entrar nem desandar, puderam ainda assim, encalhar no Cabedelo, salvando-se as tripulações sem perigo.
Não se deu infelizmente o mesmo caso com a tripulação do “Abalisado”, que ficou encalhado muito ao mar, e sobre o qual se quebravam vagas alterosas e repetidas.
Quatro dos tripulantes vendo o grande perigo em que se achavam, quiseram salvar-se no bote, mas mal o arrearam dos turcos foi envolvido pelo mar, que o virou, levando três dos infelizes marinheiros, que não tornaram a aparecer. O quarto, como sabia nadar, sustentou-se ao lume de água, até que uma vaga o arrojou para a praia, onde pode firmar-se, salvando-se, porque logo lhe acudiram.
Dentro do navio achavam-se o capitão e quatro tripulantes, que não vendo outro meio de salvação lançaram ao mar uma pipa com um cabo amarrado. A pipa chegou à praia, onde ficou segura a extremidade da corda, porém a distância era grande, e o mar levando o cabo para o sul, numa grande curva, não podia ser estabelecido o cabo de vai-vem.
O salva-vidas saiu, mas conservou-se sempre a muita distância do navio, tornando-se por isso inútil para a salvação dos náufragos. Na praia do Cabedelo compareceram os srs. Intendente da Marinha e pilotos da barra.
Alguns capitães de navios ingleses, e um capitão americano, vendo que o salva-vidas não se aventurava a aproximar-se do navio naufragado, ofereceram-se para com alguns dos seus marinheiros tripular o salva-vidas, e ir a bordo do “Abalisado”. O sr. Intendente objectou dizendo que os oferentes se expunham a uma morte certa, e que se perderia o salva-vidas, único recurso para a salvação dos náufragos.
O sr. Machado, de Gaia, ouvindo isto, desapareceu dali, e, passados alguns minutos, foi visto já dentro de um barco, com cinco ou seis barqueiros portugueses, remando na direcção do navio, e, chegando a uma coroa de areia que ficava a pouca distância deste, saltaram nela, conquanto ainda estivesse coberta de água, e diligenciaram agarrar o cabo que estava preso ao navio, o que conseguiram com o auxílio dum corajoso varino, dentro uns poucos que também seguiram o barco do sr. Machado, e que, nadando, pôde prender uma corda ao cabo, e puxado este para a coroa de areia, pode então atesar-se, e por ele se salvaram os náufragos.
Só depois é que o salva-vidas se aproximou da coroa de areia, onde se achava o sr. Machado, os barqueiros e vareiros que o acompanharam.
O náufrago que pelo mar foi arrojado à praia ficou muito maltratado, ficando recolhido no hospital do salva-vidas.
O patacho “Abalisado” era propriedade do sr. João Francisco Gomes & Irmão, e vinha carregado de sal e arroz. Não se salva o casco nem a carga.
Os navios ingleses “Agnes” e “Edith”, ficaram direitos no sítio em que encalharam, e contam ser possível a salvação da carga, que é de material para o caminho-de-ferro. O primeiro vinha de Cardiff, à consignação dos srs. Chamiço Filho & Silva. O segundo vinha de Newport, consignado ao sr. Coverley.
O capitão deste último, está gravemente ferido na cabeça, porque vindo ao leme, uma vaga de mar o atirou de encontro ao molinete.
Durante a maré da noite foi salvo o velame dos navios naufragados.
Hoje continuam as diligências para o salvamento da carga dos navios ingleses.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 15 de Janeiro de 1862)

Os navios naufragados
O mar revolto e alteroso tem embaraçado os trabalhos para a salvação da carga dos três navios, que ante-ontem naufragaram na barra.
A escuna inglesa “Agnes” está já despedaçada.
O patacho “Abalisado” está partido em três pedaços. Durante a maré da noite salvaram-se da carga que tinha a bordo 16 cascos com azeite e alguns pequenos volumes. Da carga de arroz nada foi possível salvar.
A escuna “Edith” ainda se conserva direita.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 16 de Janeiro de 1862)

Comissão do salva-vidas
Na notícia de ontem dos naufrágios da véspera, não foi referida a circunstância que os srs governador civil, Amorim Braga, e Moser, membros da Comissão do salva-vidas, se apresentaram logo, na Foz, no hospital dos náufragos e depois no Cabedelo.
O sr. governador civil, com quanto estivesse incomodado de saúde, apenas soube a notícia dos sinistros, correu logo à Foz.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 16 de Janeiro de 1862)

Navios naufragados
Os cascos do patacho “Abalisado” e dos navios ingleses “Agnes” e “Edith”, que na terça-feira naufragaram na barra, foram já despedaçados pelo mar.
A popa da escuna “Agnes” já veio à praia.
Da carga do patacho “Abalisado” só se salvaram os 16 cascos de azeite, já referidos e alguns pequenos volumes.
Da carga (ferro) da “Agnes” pouco se tem salvado, porque está assoreada.
A maior parte da carga da “Edith” está já salva. É também de ferro.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 18 de Janeiro de 1862)

Real Sociedade Humanitária
Já comentado anteriormente, foi confirmada a intenção da Comissão do salva-vidas da Real Sociedade Humanitária dar uma recompensa pecuniária a todos os indivíduos, que contribuíram para o salvamento dos tripulantes do patacho “Abalisado”, que se perdeu na barra do rio Douro no dia 14 de Janeiro, entregou à Intendência da Marinha a quantia que para esse fim destinou.
Em consequência disto foram chamados aquela repartição os srs. Manuel António, piloto supra da barra, Francisco dos Reis, José Joaquim Machado, João de Araújo e Manuel Joaquim, que foram os primeiros que acudiram em socorro dos náufragos, para receberem o prémio pecuniário que lhes estava destinado; todos o recusaram, tendo declarado que se consideravam bem recompensados com a consciência que tinham praticado uma boa acção, e pedindo que a quantia que se lhes queria dar fosse entregue a qualquer estabelecimento de caridade que o sr. Intendente da Marinha julgasse mais digno de preferência.
O sr. conselheiro Graça, autorizado assim para fazer a escolha, dirigiu ontem ao sr, conselheiro José Lourenço Pinto, digno presidente da comissão administrativa do Asilo das Raparigas Abandonadas, 54$000 réis, que tanto era o total da recompensa destinada aos corajosos marítimos, sendo a indicada quantia acompanhada de uma carta, em que o sr. Intendente da Marinha menciona todas as circunstâncias que aqui se encontram mencionadas.
Se são para louvar-se a abnegação, e os sentimentos generosos dos que renunciaram um prémio, mais que devido, em favor da humanidade infeliz, é também muito credora de elogio a preferência que o sr. Intendente de Marinha deu a um estabelecimento, que tanto a justifica, porque o seu único património é a caridade pública.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 15 de Março de 1862)

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