quarta-feira, 30 de setembro de 2015

1935 – O Ano marítimo


Aumento dos efectivos da marinha nacional
Conclusão da primeira fase do programa naval
Organização da aviação marítima


No ano de 1935 a armada nacional viu aumentados os seus efectivos do maior número de navios de que há memória nos tempos modernos. De facto, foram incorporados na marinha as seguintes unidades, pertencentes à primeira fase do programa naval: avisos de 1ª classe – “Afonso de Albuquerque”, em 30 de Janeiro, e “Bartolomeu Dias” em 15 de Maio – construídos em Inglaterra; aviso de segunda classe “Pedro Nunes” em 11 de Abril, construído no Arsenal de Marinha, segundo os planos do engenheiro construtor-naval Silvério de Sousa Mendes; contra-torpedeiros “Dão”, em 5 de Janeiro; “Tejo”, em 12 de Outubro”, ambos construídos em Lisboa, nos estaleiros da Sociedade de Construções e Reparações Navais, navios em tudo iguais ao “Vouga” e ao “Lima” de construção inglesa; submersíveis “Espadarte”, em 9 de Janeiro e “Golfinho”, em 28 de Fevereiro, construídos em Inglaterra.
Com a entrada em serviço do contra-torpedeiro “Douro”, que está a realizar experiências e do aviso de segunda classe “Infante D. Henrique” (a), que brevemente será lançado ao mar, fica completa a primeira fase do programa naval, tendo entrado a fazer parte da marinha nacional os seguintes navios: avisos de primeira classe “Afonso de Albuquerque” e “Bartolomeu Dias”, avisos de segunda classe “Gonçalo Velho”, “Gonçalves Zarco”, “Pedro Nunes” e “Infante D. Henrique” (a), submarinos “Delfim”, Espadarte” e “Golfinho”, contra-torpedeiros “Vouga”, “Lima”, “Dão”, “Tejo” e “Douro”.
Bem longe estamos porém, de possuir a força necessária à nossa defesa naval, expressa no programa mínimo aprovado. O que existe representa, porém, já, um esforço considerável, se atendermos a que quase nada possuímos de valor militar. Torna-se necessário consolidar este primeiro passo na nova reconstituição naval, dotando a marinha dos restantes meios exigíveis à sua eficiência e, designadamente, da sua base naval, com todas as suas obras, os seus serviços logísticos e as suas defesas locais.
A marinha não se improvisa, e isto é tão verdade quanto ao seu material, como quanto ao seu pessoal, o qual precisa de ser recrutado e instruído com previsão e com tempo. Para isso as escolas da marinha têm dado o maior incremento aos seus trabalhos, de forma a acompanharem o ritmo do desenvolvimento do material e a fornecerem o pessoal necessário devidamente instruído.
Na sua exposição feita ao país em 20 de Setembro, o sr. Presidente do Conselho dizia: «Não sei se há algumas modificações a introduzir na segunda fase da reorganização da armada ou nos planos dos navios, nem tenho ainda bem claras no meu espírito a forma e prazo da sua execução. Entretanto tudo o que respeita à Escola Naval, Arsenal e construções complementares para a base naval do Alfeite tem sido realizado ou está estudado para sê-lo em curto prazo».
A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1936 considera a ampliação das obras marítimas e das instalações terrestres do pessoal, no Arsenal do Alfeite, para o estabelecimento da base naval de contra-torpedeiros e submersíveis e a continuação do plano relativo à aviação naval.
Não deixarão, certamente, de ser consideradas outras instalações, como as relativas a depósitos de combustível líquido e à organização de defesa da base, que será naturalmente para todos os navios ligeiros de superfície. Conforme os modernos preceitos de organização das bases navais, convém, como medida de defesa contra os ataques aéreos, dispersar as instalações e assim é natural que a base de submersíveis venha a ser colocada suficientemente apartada da dos navios de superfície; igualmente a base de aviação, que carece de novas instalações, terá de ser disposta atendendo àquele princípio.
Deduz-se das declarações oficiais que durante o próximo ano ficará provavelmente suspensa a continuação das construções navais, para ser concentrado o esforço financeiro na formação de uma aviação marítima em equilíbrio com o desenvolvimento naval. De facto, no momento presente, sente-se de forma bem palpável a sua necessidade. A defesa naval, em geral, e especialmente a defesa da base naval principal, requerem uma força aérea considerável, que urge construir, tanto na parte terrestre, como na naval, ao mesmo tempo que se torna indispensável definir e limitar os campos de actividade de uma e de outra.
(a) O aviso de segunda classe “Infante D. Henrique” foi rebaptizado com o nome “João de Lisboa”.

Criação do Conselho Superior de Defesa Nacional
Exercícios de táctica naval na Madeira e Açores
No campo orgânico da administração central, foi aprovado pela Assembleia Nacional um conjunto de propostas e projetos. Uma proposta, sobre todas fundamental, porque interessa à própria organização do Estado, criou o Conselho Superior de Defesa Nacional e os seus órgãos de estudo e de trabalho. Com essa medida mostrou o Governo quanto toma a peito dotar o país com os elementos indispensáveis da defesa e quanto deseja que esta defesa assente em bases sólidas, filhas de uma política de defesa nacional, conscientemente definida e seguida, e não seja criada ao sabor de ideias ou caprichos de ocasião.
A criação dos dois organismos paralelos, no exército e na marinha, a Majoria General do Exército e a Majoria General da Armada, assegura a efectivação das directrizes da defesa dadas pelo Conselho Superior de Defesa Nacional e entrega os respectivos meios de acção a entidades efectivamente responsáveis pela eficiência do seu emprego.
O Secretariado Geral da Defesa Nacional, que centraliza as iniciativas em matéria de defesa e assegura que as directrizes do Conselho sejam levadas aos órgãos de execução respectivos, encontra-se já a funcionar. Resta nomear os membros de um organismo também criado e que deve concorrer para facilitar a coordenação militar e naval no estudo dos problemas técnicos de defesa que interessam simultaneamente ao exército e à marinha, que mal se compreenderia que fossem estudados separadamente; tantos e tão importantes são eles, que o funcionamento da comissão mixta entre inter-estados-maiores do exército e naval, se não fará seguramente esperar.
Para pôr a organização da administração central da marinha de acordo com os princípios que orientaram a criação dos órgãos acima citados, foi publicada e começa a entrar em funcionamento uma nova organização daquela administração. Nela se atribui ao Major General da Armada a missão de orientar a preparação da marinha em tempo de paz e de comandá-la em tempo de guerra, tendo como seus assistentes imediatos, de um lado o Chefe do Estado-maior Naval, para os assuntos de carácter operativo, do outro o Superintendente dos Serviços Técnicos, a quem cabe executar tudo o que diz respeito à preparação técnica, tanto do pessoal como do material.
A actividade de carácter mais civil do que militar, que cabe ao Ministério da Marinha, isto é, relativa à marinha mercante e de pescas, e aos serviços de polícia e segurança da navegação, continua dirigida pelo Director Geral de Marinha. Ao ministro compete, naturalmente, coordenar esta actividade com a militar, da Majoria Geral da Armada.
Na primavera intensificou-se a preparação orgânica e militar dos navios da nova marinha, primeiro em unidades isoladas, depois em agrupamentos.
Em Junho foi ordenada a concentração nas águas das ilhas adjacentes, para exercícios tácticos, de uma força constituída por uma esquadrilha de contra-torpedeiros, outra de submarinos e ainda outra de hidro-aviões. A concentração fez-se com facilidade na Madeira, onde o grupo das três esquadrilhas realizou alguns exercícios tácticos, com temas relacionados com a defesa do arquipélago. Dali seguiram, navios e aviões, para os Açores, em cujas águas igualmente levaram a efeito numerosos exercícios, dos quais foram colhidos consideráveis ensinamentos.
Na ida, como no regresso, os aviões fizeram a travessia pelos seus próprios meios, utilizando-as para proveitoso exercício de navegação e treino para mais largas viagens. Durante os exercícios tácticos a sua cooperação com as outras esquadrilhas foi habilmente realizada e manifestou-se muito útil à defesa, como ao ataque.
Duraram estes exercícios cerca de seis semanas. Depois de reabastecidos de nafta, os navios da esquadrilha de contra-torpedeiros seguiram para a costa do Algarve, onde continuaram as exercitações, realizando interessantes exercícios de tiro de artilharia, que duraram cerca de quatro semanas. Finalmente realizaram-se exercícios igualmente proveitosos de lançamento de torpedos.
Os submersíveis prosseguiram também nos seus treinos e exercícios, que duram todo o ano. Os avisos, que, pela sua natureza, se não reúnem em agrupamentos, realizaram proveitosos exercícios e viagens, como a do aviso “Gonçalves Zarco”, que regressou de uma instrutiva volta pelos mares e colónias do Oriente e a do “Afonso de Albuquerque”, para instrução de aspirantes no Mediterrâneo.
Em resumo, em toda a marinha se nota um espírito novo, uma nova vontade de fazer o mais possível por tirar dos navios também novos todo o rendimento militar do que são capazes.

Navio-motor "Gorgulho" da extinta Empresa Insulana
Foto de autor desconhecido - minha colecção

Crise da marinha mercante
Progressivo desenvolvimento da marinha de pesca
Aos progressos da marinha de guerra não corresponderam semelhantes da marinha mercante. A crise em que a marinha mercante se debate há nos, não melhorou, antes se agravou com o desaparecimento da proteção que lhe concedia o diferencial de bandeira. Resta, como única protecção directa, o subsídio ao combustível, verba insignificante, comparada com a importância que a indústria do transporte marítimo tem na economia nacional.
Uma comissão nomeada em 24 de Outubro de 1934, concluiu os seus trabalhos na parte referente ao problema da navegação para as colónias de África, cuja solução não poderá protelar-se por muito tempo.


Os trabalhos preparatórios para a criação do grémio dos armadores não tiveram o seu natural seguimento. Em compensação, a marinha de pesca progrediu apreciavelmente durante o ano.
A publicação do decreto nº 24.614, que regulamentou a pesca de arrasto, teve como resultado o registo e matricula para esta pesca do vapor “Alcoa” e de três navios mais pequenos. No Porto registaram-se nove parelhas para a pesca de arrasto, além de dois outros barcos para o mesmo fim. Desta lei esperam-se resultados benéficos. Encontra-se também em preparação a regulamentação das lotas em todos os portos do Continente.

Lugre-motor "José Alberto" da praça da Figueira da Foz
Foto de autor desconhecido - minha colecção

A pesca do bacalhau teve um incremento importante no ano findo. Foram adquiridos os seguintes navios: “Labrador”, “Groenlândia”, “Terra Nova”, “José Alberto” e “Normandie”.
Para os bancos da Terra Nova e Groenlândia foram este ano 47 navios, dos quais 22 com motor, comparados com 34 e 10, respectivamente, em 1934. O número total de tripulantes foi de 1.969, comparado com 1.317 no ano anterior.
A distribuição pelos portos de armamento foi a seguinte:
1935 – Viana 3, Porto 7, Aveiro 16, Figueira 8 e Lisboa 13.
1934 – Viana 3, Porto 5, Aveiro 14, Figueira 3 e Lisboa 9.
Pelo Ministério do Comércio foi criado o Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau.
(a) Botelho de Sousa
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 1 de Janeiro de 1936)

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