terça-feira, 22 de setembro de 2015

História trágico-marítima (CLX)


O naufrágio da chalupa "Quo Vadis"

Ocorrência marítima
No alto mar – Em Leixões
Segundo um rádio recebido na Capitania de Leixões, o vapor inglês “Herald Custer” encontrou no alto mar, desarvorada, a chalupa francesa “Quo Vadis” à qual deu reboque e recolhendo a bordo a tripulação. Ignora-se o destino que tomou, supondo-se que seguisse rumo a Vigo.
---
Também um vapor, do qual se desconhece o nome e a nacionalidade, fora da barra, a umas 10 milhas, recolheu ontem de manhã, os tripulantes de uma chalupa, da qual também se desconhece o nome e a nacionalidade.
Parece que, devido ao mau tempo, a chalupa esteve prestes a naufragar; mas, correndo rumo de N.N.E., desarvorada, e impelida pelo mar, devia ter dado à costa, pela praia de Lavra. Há uns três dias que esta chalupa fôra vista no alto mar.
---
O vapor “Bourgainville”, fundeado na bacia de Leixões, ontem, devido à ressaca, garrou um pouco, indo abalroar com o vapor “Eros” partindo-lhe o pau do gurupés.
(In jornal “Comércio do Porto”, terça, 24 de Janeiro de 1922)

Na Apúlia
Naufrágio – Mortes – Uma comunicação
Sobre o naufrágio de um navio francês, ocorrido frente à Apúlia, há as seguintes informações:
Apúlia, 23 – Ontem, de manhã, foi visto ao largo e em frente a esta localidade uma embarcação com sinal de pedir socorro. Pelas bandeiras logo se reconheceu ser o navio de nacionalidade francesa.
Avistou-se depois um bote que se dirigia para terra. Com a enorme agitação do mar, todos perceberam que os seus tripulantes vinham precipitar-se em morte certa. Seriam 2 horas da tarde quando o bote, já no meio das vagas, veio, quase que submergido, até à praia.
Salvaram-se 5 homens e um desapareceu, já quase na praia, não tornando mais a ser visto. Um outro faleceu minutos depois de estar a salvo.
Estão nesta localidade 35 (?) restantes, entre os quais o capitão.
O navio era francês e denominava-se “Quo Vadis”.
Sobre este acontecimento foi muito sentida a falta do telegrafo, pois se o houvesse evitavam-se duas mortes, pois havia muito tempo para telegrafar para Viana ou Leixões; assim viria qualquer rebocador e recolheria os tripulantes.
---
Viana do Castelo, 23 – Constou-se ter naufragado, na Apúlia, um navio francês, com 19 tripulantes. Procurando informações, soube-se que infelizmente o naufrágio deu-se devido a uma vaga violenta, que partiu o leme ao navio.
Os náufragos embarcaram nos escaleres de bordo, alcançando a praia uns 17, perecendo 2. O cadáver de um já foi arrojado à praia. Para o local seguiu o chefe da Delegação aduaneira e o tenente da guarda-fiscal.
---
Deve também estar relacionado com o naufrágio acima apontado o seguinte:
Pelas 10 horas da manhã de ontem apareceu à vista da barra, fazendo sinais para o semáforo da Luz, o vapor holandês “Hoogvliet”. (a)
De acordo com o noticiado acima, um vapor estivera, ante-ontem, no mar alto, próximo de uma chalupa, desarvorada, não se tendo podido colher qualquer outra informação.
Esse vapor era o “Hoogvliet”, que interrogado pelo semáforo da Luz, sobre a sorte da tripulação da referida chalupa, disse a não ter recolhido a bordo, ignorando o seu rumo.

(a) O vapor Hoogvliet tinha nacionalidade holandesa, estava matriculado na praça de Roterdão, fora construido por Werf Gusto, de Schiedam, em 1918, e era propriedade da Nationale Stoomvaart Maatschapij. Arqueava 833 toneladas de registo bruto e media 71 metros de comprimento.
---
É deveras de lamentar que da Apúlia fosse, há tempos, retirada a estação telegráfica, que tão bons serviços ali prestava, mormente em casos idênticos a este, como por mais de uma vez já se tem feito sentir a sua enorme falta.
Oxalá que sejam tomadas providências para que se restabeleça imediatamente essa estação.
(In jornal “Comércio do Porto”, quarta, 25 de Janeiro de 1922)

Sinistro no mar
Viana do Castelo, 24 – Na praia da Apúlia varou ontem um escaler com o capitão e mais cinco tripulantes do navio francês “Quo Vadis”, que de Fécamp se dirigia a Lisboa, com carga de cascos vazios. Esta embarcação pertencia ao porto de Saint Malo e tinha a lotação de 89 toneladas brutas.
Tendo sida surpreendida, na nossa costa, pelo temporal, perdeu velas e partiu-se-lhe o leme. Nesta circunstância foi socorrida por um vapor que a rebocou, mas a certa altura, como o mar era de grande vaga, partiu-se o cabo e o vapor abandonou-a.
Assim andou à mercê do tempo e do mar, até que achando-se a 6 milhas da costa e vendo os tripulantes o risco que sofriam e não poderem ser reconhecidos de terra os seus sinais, resolveram largar os dois ferros ao navio e vir na lancha de bordo a fim de empregar os meios para salvar o navio e o carregamento.
Momentos depois de se acharem na praia, com grave risco, viram que um vapor se aproximou do “Quo Vadis” e o rebocou para destino desconhecido. Na ocasião de lançar a lancha ao mar um tripulante foi arrebatado pelas ondas e outro faleceu na praia em virtude das contusões que recebeu.

- Passou hoje para o norte um navio completamente desmantelado. Parece não levar tripulação e diz-se ser o “Quo Vadis”.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 27 de Janeiro de 1922)

Na Apúlia
Ainda acerca do naufrágio da “Quo Vadis”
Apúlia, 26 – Ampliando a notícia prévia, cabe informar que o náufrago da chalupa “Quo Vadis”, que falecera logo após a chegada a terra, de nome Isaac Joseph Pierre, natural de Saint Valery-en-Caux, França, ficou enterrado no cemitério paroquial desta praia.
O funeral fez-se no meio da maior consternação dos companheiros sobreviventes e do povo desta freguesia, que cobriram de flores o coval.
Os cinco náufragos restantes, que tinham sido vestidos, tratados e recolhidos pelos srs. Bento Ferreira da Costa, Júlio Rodrigues de Carvalho, Zacarias Pires, António Tomé e Manuel Fernandes Fradique Ribeiro, foram entregues hoje ao sr. cônsul da França em Viana do Castelo, que dali viera buscá-los de automóvel.
Os pobres náufragos pediram então ao sr. cônsul para que agradecesse a todo o povo daquela praia o generoso acolhimento que lhes fôra feito. E ao despedirem-se e talvez pela dificuldade de se exprimirem e fazerem compreender por palavras, falaram com o coração reconhecido, isto é, abraçando-se a todos e beijando entre soluços aqueles que os hospedaram e lhes prestaram tão espontâneo e grande auxílio.
Seguiram chorando e todo o povo acenando com lenços, chorava também a falta da estação telégrafo-postal, ouvindo-se veementes protestos pela sua extinção após mais de quarenta anos de serviços.
Talvez ainda se pudesse ter evitado as mortes, que se lamentam, se houvesse telegrafo para, a tempo, ter reclamado socorros.
(In jornal “Comércio do Porto”, sábado, 28 de Janeiro de 1922)

Sem comentários: