quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

História trágico-marítima (CXVII)


O naufrágio do navio "Ada Ferrer"

Na manhã de ontem (3 de Outubro de 1973), o cargueiro espanhol “Ada Ferrer”, que transportava um carregamento de 400 toneladas de sal para o porto de Villagarcia de Arosa, encalhou ao largo da praia de S. Bartolomeu do Mar – Esposende, tendo-se salvo os seus oito tripulantes.

Imagem do navio “Ada Ferrer” no porto de Santander
Foto de T. Diedrich/ shipspotter.es

Naufrágio no mar de Esposende
Esposende, 3 – Na madrugada de hoje, cerca das 6 horas e quinze minutos, chovia com certa intensidade, o mar estava calmo, e não havia nevoeiro. Àquela hora, o pequeno cargueiro espanhol “Ada Ferrer”, da Empresa Federico Ferrer, de Madrid, proveniente do Porto de Santa Maria, Cadiz, em viagem para o de Villagarcia de Arosa, quando navegava no mar de Esposende, mais precisamente em frente à praia de S. Bartolomeu do Mar, encalhou numas rochas xistosas existentes no sítio do Lontreiro, rochas essas que são como que a continuação dos «Cavalos de Fão», a cerca de cem metros da praia.
Logo que o capitão da pequena embarcação - de 500 toneladas -, sr. Balbino Alonso Paredes, de 41 anos, casado, natural de Moanha, Espanha, se apercebeu do sucedido, tentou, pelos seus próprios meios, safar o navio, mas estas tentativas resultaram infrutíferas, pelo que, utilizando a buzina de bordo, fizeram repetidos toques a pedir socorro. Estes foram ouvidos, pouco depois, pelo pessoal do posto da Guarda-Fiscal de S. Bartolomeu do Mar, que logo providenciaram para que fossem prestados socorros ao navio em perigo.

O salvamento dos náufragos por duas embarcações
da Apúlia e de Esposende
Entretanto, o barco de pesca “Novo João José IIº”, da Apúlia, cujo mestre é o sr. Norberto de Oliveira Gonçalves André, e a motora “1º de Abril”, de Esposende, de que é arrais o sr. José Pinho de Jesus Nibra, ouvindo os repetidos toques acorreram em direcção ao cargueiro, tendo encontrado os oito tripulantes do navio encalhado num barco pneumático, acabando por recolher aqueles a bordo das duas embarcações, transportando-os, de seguida, para o posto de socorros a náufragos de Esposende.
Por sua vez, deslocaram-se à praia de S. Bartolomeu do Mar os Bombeiros Voluntários locais, alertados – como acima se refere – pela Guarda-Fiscal, com duas viaturas apetrechadas com equipamento para socorros a náufragos, tal como o salva-vidas de Esposende, porém, em ambos os casos os seus serviços não foram necessários, por os tripulantes do navio encalhado já terem sido conduzidos para terra.

As possíveis causas do encalhe
Nas declarações que prestou na Delegação Marítima de Esposende, o capitão do navio naufragado atribuiu o encalhe ao facto de julgar estar perto de Leixões e ter confundido o farol de Montedor com aquele, e assim ter-se aproximado de terra ao pensar poder tratar-se do farol que antecede o de Leixões. De notar que o farol de Montedor é rotativo e o de Leixões é «pisca-pisca».
Por sua vez, o comandante entrou em contacto com a empresa armadora do navio para ser tentada uma eventual operação de desencalhe do mesmo. Porém, o desencalhe apresenta-se difícil em virtude do navio estar encravado na rocha viva e com a proa voltada na direcção norte-nordeste. Assim, há poucas esperanças de salvar o pequeno cargueiro, mas parece que amanhã algo vai ser tentado nesse sentido.
A ocorrência fez levar à praia de S. Bartolomeu do Mar muitas centenas de curiosos, que de longe observavam o navio, cuja situação é considerada pelas autoridades marítimas como difícil. A embarcação naufragada transportava um carregamento de quatrocentas toneladas de sal, que se destinava ao porto de Villagarcia de Arosa, e foi construído em 1956.
Nas últimas horas a situação do cargueiro tem piorado, pelo que as autoridades marítimas – segundo parece – tem poucas esperanças de o safar.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 4 de Outubro de 1973)

Identificação do navio “Ada Ferrer”
Armador: Federico Ferrer Tuset, Valencia, Espanha
Construtor: Astilleros Neptuno S.A., Valencia, 18.11.1956
Arqueação: Tab 342,00 tons - Pm 433,00 tons
Dimensões: Pp 39,60 mts - Boca 7,50 mts - Pontal 3,83 mts
Propulsão: 1:Di – 9,5 m/h
Equipagem: 8 tripulantes

A tripulação do “Ada Ferrer”
A tripulação do pequeno cargueiro “Ada Ferrer” é constituída pelos seguintes elementos: capitão, Balbino Alonso Paredes; 1º motorista, Francisco Santa Maria Rodriguez; 2º motorista, José P. Perez; contra-mestre, Carmelo Soarez Baña; marinheiros, Eduardo Blanco Ferradas, Ramon Torrado Costa e Jesus Romar Ameipenda; e cozinheiro, Eduardo Tallos Deus, todos residentes na província de Pontevedra, Espanha.

Navio encalhado (há dias) parte-se em dois
e polui o mar de Esposende
Esposende, 13 – Encalhado desde o dia 3, na praia de S. Bartolomeu do Mar, o cargueiro espanhol “Ada Ferrer”, flagelado por vagas alterosas, de bombordo a estibordo, nestes últimos dias, acabou por se partir, hoje, em dois, começando, assim, a desmantelar-se.
Até aqui nada de grave a assinalar, uma vez que o navio estava dado como perdido. Do que, entretanto, se esqueceram as pessoas responsáveis, foi de que nos seus tanques existiam cerca de quinze mil litros de gasóleo agora derramado nas águas do oceano, formando enormes mantos, e toldando a atmosfera, impregnada de um forte cheiro a nafta. E assim, uma das mais belas e limpas praias da nossa costa fica sujeita à poluição. O próprio peixe, numa vasta zona costeira, irá sofrer inerentes consequências, o que se lamenta, e muito, tanto mais que tudo isto poderia, em tempo, ser evitado.
É certo que a Delegação Marítima de Esposende logo de início fez pressão para que o combustível fosse bombado, o que não se verificou, segundo consta, por dificuldades de ordem técnica, numa época de grandes inventos.
Com a fúria do mar, os espojos do navio estão cada vez mais próximos da costa, o que faz atrair ao local inúmeros curiosos, tantos deles preocupados em recolher pequenos destroços de um barco completamente perdido.
(In jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 14 de Outubro de 1973)

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