O naufrágio da barca “ Laura “
Às 10 horas e cinquenta minutos da manhã de ontem apareceu ao norte da barra do rio Douro, a barca portuguesa “Laura”, de 253 metros cúbicos, pertencente à praça do Porto e propriedade do sr. Adrião Joaquim da Rocha. O navio trazia a bandeira colhida e falta de pano, e corria em direcção à barra, acossada pelo mar, que estava agitadíssimo, denunciando tudo isto o perigo iminente em que ele se achava.
O castelo disparou-lhe alguns tiros de peça, aos quais o navio não obedeceu, continuando a demandar a barra, mas era tal o vento de travessia e a braveza do mar, que o arrastou para o banco de areia ao sul do Cabedelo, encalhando ali, com grande perigo de se perder toda a tripulação pela violência do mar, que quebrava naquele sítio com grande valentia.
Do hospital do salva-vidas mandaram imediatamente todos os socorros; foram tripulados dois barcos, saindo logo o “Valente”, comandado pelo seu corajoso patrão o sr. Manuel da Silva Faustino. Este barco atravessou o rio, atracando no areal do Cabedelo; e daí foi levado aos ombros até à praia, de onde seguiu até bordo, com grandíssimas dificuldades, mas conseguindo, enfim, salvar toda a tripulação, que se compunha de 12 homens, entre os quais vinha um com uma perna quebrada pelo terço superior.
Este infeliz gemia com dores, deitado sobre um enxergão, na câmara do navio. Tinha quebrado a perna há cerca de 3 semanas, na ocasião em que ferrando uma das velas do navio, próximo do porto de Portland, caiu do mastro ao convés. Neste porto, onde o navio arribou, fizeram-lhe o competente curativo, vindo, por consequência, ainda doente.
O arrojado patrão do salva-vidas, o sr. Manuel Faustino, condoído da situação do pobre rapaz, tirou-lhe o aparelho que lhe ligava a perna, conduziu-o nos braços até ao convés, e uma vez aqui atirou-o para o barco, onde já se achava o capitão da barca, o sr. Mota, de Matosinhos, que o aparou nos braços.
Entretanto, o digno fiel do hospital do salva-vidas, o sr. Augusto do Nascimento, tendo ido para o Cabedelo com o novo aparelho de foguetes há pouco mandado vir de Inglaterra, dali despediu um para o navio, produzindo o melhor e mais satisfatório resultado. O foguete levou a linha a uma extraordinária distancia e sem perder a direcção, apesar de caminhar contra um vento ponteiro e violentíssimo. Todas as pessoas que presenciaram esta experiência, abençoaram o dinheiro gasto com a sua aquisição.
Neste comenos o barco salva-vidas conduzia para terra os pobres náufragos, quase nus, cheios de fome e molhados até à medula, chegando finalmente à Cantareira ao meio-dia, desembarcando ali entre as saudações, os risos e as lágrimas que lhes eram dirigidos por uma enorme multidão. Durante esta hora de uma ânsia extrema, a digna esposa do sr. Augusto do Nascimento tornava-se credora dos maiores elogios, preparando tudo para o agasalho dos náufragos e para lhes restaurar a vida, se acaso algum deles chegasse com ela aparentemente perdida.
Não se tornou menos digno dos maiores elogios o sr. Visconde de Moser, membro da Comissão do salva-vidas, comparecendo logo na Foz, dando as mais acertadas e enérgicas providencias para que a vida daqueles infelizes não perigasse. A este cavalheiro se deve, em grande parte, o bom andamento de todos os trabalhos.
Muitos particulares ofereceram também os seus serviços, tais como: o sr. J.H. Andresen, que logo compareceu a auxiliar os trabalhos; o sr. Manuel van Zeller, que mandou preparar comida para os náufragos e o sr. D. Francisco da Prelada, que mandou imediatamente uma carruagem para trazer de Rio Tinto o algebrista.
Às duas horas da tarde o navio submergia-se, e às 3 já se lhe não viam os mastros. Já então o mar tinha arrojado à praia bastantes madeiras, cabos e outros utensílios. Estes arrojos do mar eram recebidos por grande número de trabalhadores que se achavam para esse fim no Cabedelo, contratados pelos srs. António Machado e Manuel Gonçalves Lagarinho Júnior, os quais, por contrato prévio feito com o dono do navio, o sr. Adrião da Rocha, se encarregaram de angariar e receber os salvados mediante a comissão de 35 por cento sobre o produto que eles derem.
A barca “Laura” vinha do Havre com um carregamento de gesso consignado aos srs. Tomás Joaquim Dias & Cª. Trazia 36 dias de viagem, e há dias que andava cruzando fora da barra, esperando ocasião de entrada; acossada, porém, pelo temporal, perdeu muito pano e abriu água. Em vista do grande perigo em que se encontrava, demandou algumas barras ao norte do rio Douro, a fim de ver se podia entrar em alguma delas, visto que aqui era impossível aproximar-se. Como não tivesse melhor fortuna, encaminhou-se novamente para o Porto, com o fim de, ou entrar a barra ou encalhar no melhor sitio que se lhe proporcionasse, furtando-se todos por este modo a uma morte certa. Foi então que se deu o sinistro agora mencionado.
Cumpre mencionar também que no acto de ser salva a tripulação, foram igualmente retirados do navio alguns instrumentos náuticos. Parte da tripulação, depois de restaurar as forças, voltou para o Cabedelo; dois dos tripulantes, porém, ficaram no hospital do salva-vidas, por estarem excessivamente fatigados. A todos foi fornecida a roupa necessária.
Logo que tiveram conhecimento do acontecido, os dignos facultativos srs. Navarro e Pinho, correram a prestar todos os socorros, verificando que o marinheiro doente tinha perna novamente desmanchada. Este infeliz chama-se José de Castro Viana, tem 18 anos e é natural de Esposende. Como pelo regulamento da Sociedade Humanitária não podia ser tratado no hospital do salva-vidas, e o quisessem conduzir para o da Misericórdia, o sr. D. Francisco da Prelada não o consentiu, prontificando-se a pagar todas as despesas para que ele fosse curado numa casa da rua de Miragaia, para onde foi conduzido numa maca, requisitada ao comissariado geral da cidade.
A tripulação ficou na maior penúria, pois que nem a própria bagagem pode salvar. O navio estava seguro na Companhia Garantia. Segundo declarou o capitão, estão ao norte e muito perto dois lugres e um brigue inglês, que ele supõe estarem em grande perigo, e arriscados a virem à praia. Em consequência desta declaração tomaram-se providencias para durante a noite se lhes prestar qualquer socorro que seja possível.
O serviço da alfândega é dirigido pelo zeloso empregado daquela casa fiscal, o sr. António Guerreiro Valadas; e o da fiscalização externa pelo fiscal, o sr. António Joaquim de Oliveira. As margens do rio e as praias do norte e sul acham-se vigiadas por guardas apeados.
(In jornal “Comércio do Porto”, quinta, 1 de Fevereiro de 1883)
Identificação do navio
Armador: Adrião da Rocha, Porto
Nº Oficial: n/t - Iic.: H.G.R.K. - Porto de registo: Porto
Construtor: Desconhecido
Arqueação: 253,000 m3
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: Mota (1883)
Navio de construção posterior a 1877
Nº Oficial: n/t - Iic.: H.G.R.K. - Porto de registo: Porto
Construtor: Desconhecido
Arqueação: 253,000 m3
Propulsão: À vela
Capitão embarcado: Mota (1883)
Navio de construção posterior a 1877
O naufrágio da barca “Laura”
Em esclarecimento à notícia publicada no último número, com respeito ao naufrágio da barca “Laura”, foi recebido do sr. Visconde de Moser a carta abaixo transcrita, na qual se confirmam os pontos principais da notícia, elucidando-se o que ficou escrito relativamente ao modo como foi socorrido o náufrago que tinha uma perna fracturada. Quanto a este ponto cumpre dizer que as informações foram recolhidas na Foz e fornecidas por algumas das pessoas que intervieram no socorro prestado aos náufragos.
Eia a carta a que aludimos:
«Meu caro redactor:- É tudo muito exacto, quanto se lê no seu jornal de ontem, debaixo da epigrafe «Barca Laura». São bem merecidos os elogios que ali se tecem a vários indivíduos, menos a mim, porque apesar da pequena demora que tive em comparecer no local, depois do sinistro, já estavam dadas as mais acertadas providencias pelo fiel do salva-vidas, nada restando para fazer; e não pode pôr-se em dúvida que, se não fossem os aprestos daquele estabelecimento e a tripulação do navio, poucos ou nenhum talvez tivesse escapado à morte.
Quanto ao infeliz, que vinha já com a perna direita fracturada, não se opunha nenhum regulamento a que fosse ali tratado; sendo, porém, recomendado pelos srs. facultativos que, sem perda de tempo, fosse enviado para o hospital de Santo António, imediatamente requisitei uma maca, própria para a sua condução para a cidade. Posteriormente, sendo bem conhecida a perícia do algebrista de Rio Tinto, o sr. D. Francisco (da Prelada), o sr. Manuel van-Zeller, e talvez mais alguém, apresentaram que seria preferível entregar o enfermo ao seu cuidado.
Tanto o meu colega, o sr. Andresen, como eu, concordamos nesse alvitre, e o sr. D. Francisco com louvável zelo mandou um carro a Rio Tinto, para imediatamente o conduzir para o hospital do salva-vidas. Visto aqueles que de imediato se interessaram por aquele rapaz, quererem que ele fosse tratado em sua casa, em Miragaia, o algebrista disse que era preferível fazê-lo transportar para lá numa maca, para ser endireitada ou encanada a perna na casa em que tinha de ficar e assim se resolveu.
Restabelecendo por esta forma a exactidão dos factos, sou de V.Exa., etc, (a) Visconde de Moser, Porto, 1 de Fevereiro de 1883
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 2 de Fevereiro de 1883)
«Meu caro redactor:- É tudo muito exacto, quanto se lê no seu jornal de ontem, debaixo da epigrafe «Barca Laura». São bem merecidos os elogios que ali se tecem a vários indivíduos, menos a mim, porque apesar da pequena demora que tive em comparecer no local, depois do sinistro, já estavam dadas as mais acertadas providencias pelo fiel do salva-vidas, nada restando para fazer; e não pode pôr-se em dúvida que, se não fossem os aprestos daquele estabelecimento e a tripulação do navio, poucos ou nenhum talvez tivesse escapado à morte.
Quanto ao infeliz, que vinha já com a perna direita fracturada, não se opunha nenhum regulamento a que fosse ali tratado; sendo, porém, recomendado pelos srs. facultativos que, sem perda de tempo, fosse enviado para o hospital de Santo António, imediatamente requisitei uma maca, própria para a sua condução para a cidade. Posteriormente, sendo bem conhecida a perícia do algebrista de Rio Tinto, o sr. D. Francisco (da Prelada), o sr. Manuel van-Zeller, e talvez mais alguém, apresentaram que seria preferível entregar o enfermo ao seu cuidado.
Tanto o meu colega, o sr. Andresen, como eu, concordamos nesse alvitre, e o sr. D. Francisco com louvável zelo mandou um carro a Rio Tinto, para imediatamente o conduzir para o hospital do salva-vidas. Visto aqueles que de imediato se interessaram por aquele rapaz, quererem que ele fosse tratado em sua casa, em Miragaia, o algebrista disse que era preferível fazê-lo transportar para lá numa maca, para ser endireitada ou encanada a perna na casa em que tinha de ficar e assim se resolveu.
Restabelecendo por esta forma a exactidão dos factos, sou de V.Exa., etc, (a) Visconde de Moser, Porto, 1 de Fevereiro de 1883
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 2 de Fevereiro de 1883)
O naufrágio da barca “Laura”
A barca “Laura”, naufragada ante-ontem no Cabedelo, estava segura em 5:000$000 réis na Companhia Garantia. O carregamento deste navio consistia em gesso, tinha o valor declarado no manifesto de 3:500 francos e estava seguro numa companhia estrangeira.
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 2 de Fevereiro de 1883)
(In jornal “Comércio do Porto”, sexta, 2 de Fevereiro de 1883)
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