sexta-feira, 13 de abril de 2012

Males de ontem, males de sempre...


A chegada do couraçado Vasco da Gama a Lisboa

Postal ilustrado do couraçado "Vasco da Gama"
minha colecção

Lisboa, 12 de Julho
Já vem a caminho de Portugal o primeiro navio couraçado da nossa modesta armada, o tão falado «Pimpão», que tem por nome oficial o do grande descobridor Vasco da Gama. Agora só nos resta pagarmos os centos de contos de réis que ele nos custou e fazermos votos para que dure muitos anos até cair de ferrugem sem nunca servir, porque é sinal que não tivemos agressões a repelir, nem satisfações a tomar.
A propósito, deve ser transcrito do “Times” uma interessante notícia, que a folha inglesa publicou acerca do nosso couraçado. Eis o que diz o periódico britânico:
«Fez-se uma feliz experiencia no sábado com um couraçado português, o primeiro que este país possui e que recebeu o nome de “Vasco da Gama”. Foi construído pela Companhia de Construção Naval e Obras de Ferro do Tamisa e tem máquinas de Humphrys e Tennant. Pode ver-se um modelo deste navio na Colecção de Aparelhos Científicos em South Kensington e está outro em poder do Rei de Portugal, que o mostrou ao Príncipe de Gales na sua recente visita a Lisboa. O “Vasco da Gama” é um ligeiro, manejável e poderoso couraçado capaz de ir ao mar, destinado principalmente para a defesa do Tejo e do porto de Lisboa».
É de 2.479 toneladas, tem 216 pés de comprido, 40 de largura, 25 de profundidade. Tem um esporão e na sua bateria fixa e octógona, que se projecta para além das amuradas, entre o cano e o castelo da proa, dois krupps raiados de 400 lb., que podem girar de forma que os seus tiros vão convergir a 300 jardas de distância. As peças são de aço fundido com 26 centímetros. Há também um canhão a que chamam habitualmente peça para dar caça, que arroja balas de 110 lb. É de calibre 15 e actuando em conjunção com os canhões da torre pode fazer convergir o tiro sobre qualquer objecto a 90 jardas de distância. Consegue-se assim um fogo circular. Tem o “Vasco da Gama” quatro peças mais pequenas para sinais e outros serviços. Tem também uma peça Gatling por Armstrong.
Houve grande cuidado em fortalecer a proa, levando a armadura até à extremidade do esporão, que fica a 8 pés abaixo da linha de flutuação. O esporão ficará assim suportado com firmeza, sendo assim improvável o desastre de virem balas furar o cavername, quando a proa se levantar na crista de alguma vaga. Ergue-se à vante um castelo de proa destinado a proteger o navio contra os grossos mares, que muitas vezes se encontram na foz do Tejo.
O navio é construído pelo sistema celular, com duplo fundo. Tem três mastros e disposições próprias para cruzar até aos Açores ou até algumas das colónias portuguesas. Demanda 19 pés de água à ré e 16 pés e 10 polegadas avante, tendo a bordo 700 cargas para os seus canhões, 50 toneladas de carvão e todo o fornecimento de água e de víveres.
As máquinas são verticais, construídas pelos srs. Humphrys e Tennant. A força nominal é de 150 cavalos; desenvolveu durante a experiencia uma força de 3.625 cavalos. O navio com as máquinas custou 125.000 libras esterlinas (562:500$000 réis).
O “Vasco da Gama” largou o ancoradouro do governo entre as 4 e as 5 horas da tarde de sábado e chegou a Maplin quando iam dar 5 horas. Fez quatro experiencias, tendo o vento pela popa e pela proa, direcção que se considera menos favorável do que quando o vento sopra de través. A maré enchia. A velocidade média alcançada foi de 13 nós e ¼ por hora. O navio deu volta num espaço de 430 pés e gastou nessa operação, termo médio, 4 minutos.
Houve um “lunch” a bordo. O comandante, sr. Carlos Testa brindou à Inglaterra e o almirante inglês sir Thorton Stewart, fiscal da armada, disse que nunca se interrompesse a aliança entre a Inglaterra e Portugal e que a amizade entre as duas nações, cada vez mais se fortalecesse.
Espera-se que o “Vasco da Gama” parta para Portugal esta semana. Foi no sábado para Greenwich, depois de desembarcar os seus visitantes em Gravesend.
Com a chegada do «Pimpão» vai haver grande dificuldade para arranjar gente que o tripule. Os nossos navios de guerra surtos no Tejo estão em verdadeira penúria a respeito de gente e ao mesmo tempo o governo comete a grande violência de ter sujeito ao serviço da armada praças que já há muito cumpriram o preceito da lei. Se não o fizer, porém, quase não tem cem homens para o serviço. Má sina perseguiu sempre o nosso recrutamento marítimo. Por mais recomendações do governo às autoridades locais para serem zelosas e solícitas neste serviço, os contingentes ficam sempre em divida e as pobres praças depois de acabarem o tempo são forçadas a continuarem, por não haver quem as substitua. Estes inconvenientes devem acabar com a nova lei que regula o assunto e foi acertada a reforma, porque as coisas não podiam continuar como se achavam.
(in jornal “Comércio do Porto”, quinta-feira, 13 de Julho de 1876
Lisboa, 13 de Julho
O «Pimpão» passou ontem na altura de Plymouth.
(in jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 14 de Julho de 1876
Lisboa, 14 de Julho
O «Pimpão» está previsto chegar hoje, sábado, ao Tejo.
(in jornal “Comércio do Porto”, sábado, 15 de Julho de 1876
Lisboa, 15 de Julho
Chegou efectivamente ontem o couraçado “Vasco da Gama”. O sr. Fontes (Fontes Pereira de Melo – 1º Ministro) foi a bordo.
(in jornal “Comércio do Porto”, Domingo, 16 de Julho de 1876
Lisboa, 18 de Julho
Já está no Tejo o couraçado “Vasco da Gama”, vulgo o «Pimpão». O sr. presidente do conselho pouco depois deste navio largar ferro foi visitá-lo e mostrou-se satisfeito. O exterior do navio é muito menos imponente do que se esperava. É, porém, o maior que tem tido a nossa armada.
(in jornal “Comércio do Porto”, quarta-feira, 19 de Julho de 1876
Lisboa, 20 de Julho
O couraçado «Pimpão» tem sido muito visitado. Ontem ali foram os srs. ministro da marinha, o major general da armada, o director da direcção geral de marinha, o superintendente do arsenal e um grande número de pessoas curiosas por verem de perto um vaso de guerra, que custou aos contribuintes perto de 1.000 contos de réis.
(in jornal “Comércio do Porto”, sexta-feira, 21 de Julho de 1876
Hoje
Por motivos óbvios e porque as críticas se repetem a cada ocasião que a Armada, sabe-se lá porquê e a que custo consegue um navio novo, tanto actualmente como na época retratada a fazerem imensa falta, parece-me desnecessário adiantar mais comentários.

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